Fora da reforma, juízes têm 36% da remuneração em extras salariais
Decisão gera pagamento no Judiciário maior que prêmio da Mega Sena
As folhas de pagamento do Judiciário registraram, entre setembro de 2017 e agosto deste ano, cifras que superam as estampadas em plaquetas de lotéricas Brasil afora. No último dia 12 de setembro, a Mega Sena sorteou um prêmio de R$ 6 milhões, menos do que recebeu em dezembro de 2017 a pensionista de um magistrado do Ceará.
Os 15 desembolsos mais altos, analisados pelo jornal Folha de S.Paulo, decorrem de decisões administrativas ou judiciais determinando a concessão de verbas acumuladas para juízes da ativa e inativos e, em alguns casos, seus dependentes.
A maioria dos beneficiários recebeu os valores altos uma única vez, ao reclamar pensões e pedir revisão de aposentadorias, ou mesmo foi indenizada por férias não usufruídas no momento de pendurar a toga. Como a magistratura tem 60 dias de descanso assegurado por ano, o dobro do trabalhador comum, o acúmulo desses períodos não é raro.
Nas tabelas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), aparecem casos de julgadores que formaram um colchão de mais de 500 dias, convertido em dinheiro ao se retirar.
A reforma administrativa em discussão no Congresso, que não atinge juízes e outras carreiras da elite do Estado, acaba com as férias de mais de 30 dias para algumas categorias do funcionalismo.
De 15 pagamentos mais polpudos, nove são de TRTs (tribunais regionais do Trabalho).
Em dezembro de 2017, o da 7ª Região (Ceará) desembolsou R$ 8,2 milhões brutos para Francisca de Assis Alves, valor referente ao reconhecimento de pensão de um juiz. A decisão foi da Justiça, num processo que chegou ao Supremo Tribunal Federal.
A pensão passou a ser paga em setembro de 2005, mas valores devidos de 1993 até aquele ano ficaram na planilha de passivos administrativos, aguardando disponibilidade orçamentária, segundo a corte.
O principal da dívida era de R$ 1,6 milhão, mas, com juros e atualização monetária, passou a ser de R$ 8,2 milhões em dezembro de 2017. Com os descontos, o rendimento foi de R$ 7,2 milhões.
Em caso semelhante, o TRT-7 também pagou naquele mês R$ 883 mil (683 mil com descontos) a Lucinea Ferreira da Costa por pensões retroativas de 2010 a 2014. O direito à pensão foi reconhecido por ato próprio do tribunal.
Também em dezembro de 2017, o TRT-5, da Bahia, pagou R$ 3,5 milhões brutos para quitar débito com o juiz Antônio Jorge da Cruz Lima.
Em 2002, ele foi aposentado por invalidez pelo tribunal, após dois anos de afastamento médico, mas questionou a decisão por suposto descumprimento de dispositivos legais. Um dos argumentos foi o de que a aposentadoria foi decidida de forma monocrática, e não colegiada. Anos depois, o CNJ lhe deu razão.
O valor recebido (R$ 2,8 milhões líquidos) refere-se principalmente à diferença entre os proventos de inativo para os de magistrado da ativa entre dezembro de 2002 e setembro de 2014, informa o tribunal.
Em outro processo, o TRT-5 desembolsou naquele mês R$ 729 mil (R$ 660 mil com descontos) por causa de ajuste na pensão paga a Maria Auxiliadora Silva Ribeiro. Os créditos, explica a corte, foram apurados e pagos por causa de decisão do TCU (Tribunal de Contas da União).
No topo da lista, também aparecem dois pagamentos de R$ 1,2 milhão brutos cada (cerca de R$ 850 mil líquidos) feitos pelo TJ-PE (Tribunal de Justiça de Pernambuco), em novembro e dezembro do ano passado, à juíza Marylusia Pereira Feitosa de Araújo.
Ela integra um grupo de magistrados que recebeu quantias elevadas do TJ naquela época. Entre eles, também consta Fausto de Castro Campos, com rendimentos totais de R$ 767 mil em novembro (R$ 699 líquidos).
A corte não se pronunciou. Na ocasião dos repasses, alegou que, em geral, decorrem de férias acumuladas.
O tribunal informou que Marylusia ficou afastada das funções e foi reintegrada por um mandado de segurança. Assim, a corte teve que pagar valores retroativos por força da lei. O motivo do afastamento e os detalhes do pagamento não foram detalhados.
No TRT-15 (Campinas), o juiz Hamilton Luiz Scarabelim e o desembargador Jorge Luiz Costa se aposentaram em 2019 com direito a R$ 932 mil (R$ 818 mil líquidos) e R$ 652 mil (R$ 643 líquidos), cada
Os valores são de acertos da gratificação por exercício cumulativo de jurisdição, custeio médico, gratificação natalina e indenizações de férias não gozadas, entre outras verbas, explicou o tribunal.
Scarabelim recebeu por 460 dias não usufruídos e mais 87 trabalhados nas férias, totalizando R$ 886 mil; já Costa, por 390 dias não aproveitados (R$ 624 mil).
Caso semelhante se deu no Tribunal de Justiça do Paraná em setembro de 2017. A aposentadoria do juiz Marcio Geron gerou um holerite de R$ 640 mil (R$ 622 mil líquidos), referentes a 452 dias de férias, informou a corte.
Em Minas Gerais, o TJ pagou R$ 760 mil (R$ 750 mil líquidos) em abril de 2019 a Paulo Antônio de Carvalho. Segundo o TJ, ele integra grupo de magistrados que receberam, quando da aposentadoria, por férias e férias-prêmio não gozadas.
Foi também por conta de férias represadas, de acordo com o TRT-3 mineiro, que Rogério Valle Ferreira obteve R$ 558 mil (R$ 536 mil com descontos) ao se aposentar.
Pelo mesmo motivo, o TRT-9, do Paraná, pagou R$ 586 mil (R$ 572 mil líquidos) na aposentadoria de seu ex-corregedor, Ubirajara Carlos Mendes. Ele não tirou todas as férias porque, segundo o tribunal, acumulou atividades, como a substituição de ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Houve também casos como o do desembolso de R$ 1,1 milhão brutos para, segundo o TRT de Minas, quitar débitos com o espólio da magistrada Maria Auxiliadora Machado Lima.
Em Rondônia, o juiz Leo Antônio Fachin, do Tribunal de Justiça, foi aposentado compulsoriamente em 2010. Contudo, via recursos, obteve a revisão de valores, disse a corte. Em junho do ano passado, essas diferenças foram quitadas nos valor de R$ 555 mil (R$ 428 mil com abatimentos).
Consultados pela Folha de S.Paulo, os tribunais afirmaram que os pagamentos se deram a partir de decisões da Justiça ou administrativas deles próprios, do TCU e dos conselhos Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Nacional de Justiça (CNJ), baseados em leis e em normas desses colegiados.
No caso do pagamento de férias, o CNJ aprovou em 2011 resolução que autoriza a indenização de dias não gozados, “por absoluta necessidade do serviço, após o acúmulo de dois períodos”.
O mesmo texto libera outras verbas e foi editado a título de equiparar direitos dos juízes com os de outras categorias, como as de promotores e procuradores do Ministério Público, evitando “discriminação, contrária ao preceito constitucional”, e “desequilíbrio entre as carreiras”.
Na época, o colegiado também alegou a necessidade de “preservar a magistratura como carreira atrativa face à paridade de vencimentos”.
Professora do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de MG) e coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina, Marjorie Marona diz que muitos dos passivos pagos à magistratura são, de fato, pelo reconhecimento de benefícios previstos em normativos legais.
Ela afirma que a carreira se estruturou ainda sob o legado de “instituições autoritárias”. Na fase de redemocratização, a reorganização buscou assegurar direitos e prerrogativas aos juízes como forma de preservar um “elevado grau de independência –princípio fundamental em democracias”.
A professora ressalta que, embora não seja possível fazer uma análise sobre decisões administrativas específicas, trabalhos acadêmicos apontam genericamente para o fato de que, ainda que os conselhos da magistratura e do Ministério Público tenham sido criados sob uma discurso de maior controle sobre as classes, na prática eles atuam muito mais na afirmação da posição institucional dos respectivos órgãos ou Poderes.
“Isso passa por uma afirmação das carreiras. Conselhos não aumentam o controle da atuação do Judiciário e do MP, ampliam a capacidade, a posição institucional desses corpos”, comenta.
Ela afirma, por exemplo, que o CNJ, segundo estudos, atua mais na expansão da autonomia do Judiciário do que propriamente em seu controle.
OUTRO LADO
Associações de classe da magistratura afirmam que os pagamentos que vêm sendo feitos a juízes de todo o país obedecem ao teto salarial constitucional e que, na prática, as remunerações estão defasadas.
O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), Eduardo André Brandão, afirma que os magistrados dessa esfera do Judiciário recebem vencimentos limitados ao teto salarial.
“Notícias de pagamentos superiores ao limite estabelecido pela Constituição não se referem à realidade da Justiça Federal”, afirmou em nota.
Ele alega que os magistrados têm direito a revisão anual dos salários, equivalente ao dissídio coletivo das carreiras privadas, para repor a inflação.
“Nos últimos 16 anos, só houve seis revisões. Esses descumprimentos constantes permitem, no caso dos magistrados estaduais, pedidos nas Assembleias Legislativas, o que pode ter gerado algumas discrepâncias. Mas essas situações não se aplicam à Justiça Federal.”
Brandão afirma que uma eventual reforma administrativa focada no corte de extras salariais seria inócua no âmbito da magistratura federal.
“Na esfera da Justiça Federal, essas verbas simplesmente não existem. Se for seguir esse caminho, será uma reforma sem nenhum ganho concreto”, escreveu.
A reportagem questionou o Conselho da Justiça Federal (CJF), mas o órgão não informou quais verbas podem ser pagas pelos tribunais regionais federais e quais, não.
O presidente da Ajufe diz que o governo tomou a decisão correta ao não incluir a magistratura na proposta de reforma administrativa enviada ao Congresso.
“A Ajufe concorda com o Poder Executivo e valoriza a segurança jurídica buscada, já que qualquer proposta de reforma administrativa para o Judiciário tem que partir do STF (Supremo Tribunal Federal). Pois se trata de outro Poder e não pode haver interferências.”
A presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Noemia Aparecida Garcia Porto, sustenta que essa esfera do Judiciário tem contracheques simples, com o pagamento de poucos extras salariais. Tanto que a média do contracheque, segundo os dados do CNJ, é de R$ 40 mil brutos.
Ela cita como exemplos de verbas pagas os auxílios alimentação, pré-escola e natalidade, a gratificação por acúmulo de jurisdição e o abono-permanência (para profissionais em condições de se aposentar).
“Auxílio não sei o quê, auxílio-livro, essas coisas não fazem parte da nossa realidade, porque a gente se submete à legislação federal”, comenta.
Porto destaca que a Anamatra sempre defendeu o regime de subsídio (salário) único para os magistrados, “de valor transparente e com reajuste anual”, conforme previsto na legislação.
Contudo, segundo ela, os aumentos não vêm sendo aplicados e há atualmente uma defasagem nas remunerações. “Até abril de 2019, as perdas acumuladas, retirando os seis reajustes que aconteceram, beiravam os 40%.”
Isso se soma às graves dificuldades orçamentárias, afirma, pois em 2016 a Justiça do trabalho sofreu corte orçamentário.
A magistrada alega que a situação da Justiça do Trabalho destoa da verificada na esfera estadual, na qual houve a criação de extras que não se aplicam à realidade dos TRTs.
“É difícil dizer o que levou cada TJ a essa criação por lei dessas parcelas. A não observância dessa fórmula [de reajuste anual] é um dos fatores que acabaram contribuindo -não é o único- para essa proliferação de parcelas.”
A presidente da Anamatra diz ainda que a entidade é “refratária” à reforma administrativa como está posta, tanto para servidores quanto para magistrados, pois ela implica a precarização do serviço público.
No caso da magistratura, ela diz que mudanças dessa natureza têm, sim, por imposição constitucional, de partir do próprio Judiciário.
“Juízes não são servidores públicos. Eles ocupam uma carreira de Estado. Para manter minimamente o equilíbrio entre os Poderes, para [a reforma] atingir membros de um Poder, tem de ser iniciativa do próprio Poder. Porque senão, cada um –o Legislativo de vez em quando, o Judiciário algumas vezes– fica nas mãos dos governos de plantão. Acaba com a higidez da ideia de separação dos poderes”, comenta.
Procurada pela reportagem, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que congrega principalmente entidades representativas de juízes estaduais, disse que a magistratura deve ser remunerada “de acordo com a Constituição, considerando todas as especificidades, limitações e atribuições que o cargo impõe”.
“Valorizar a magistratura é fortalecer o sistema de Justiça para que todas as funções sejam cumpridas com independência, autonomia e transparência”, disse a presidente da entidade, Renata Gil, em nota. Fonte: Yahoo, 5/10/20
Levantamento da reportagem em 871,2 mil contracheques de magistrados, remetidos ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por tribunais do país de setembro de 2017 a agosto deste ano, mostra que, de R$ 35,2 bilhões brutos desembolsados pelas cortes
Poupados até agora da reforma administrativa, que visa cortar benefícios e penduricalhos na remuneração do funcionalismo público, os juízes brasileiros têm 36% de seus ganhos compostos por extras salariais de diversas naturezas.
Levantamento da reportagem em 871,2 mil contracheques de magistrados, remetidos ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por tribunais do país de setembro de 2017 a agosto deste ano, mostra que, de R$ 35,2 bilhões brutos desembolsados pelas cortes, R$ 12,6 bilhões cobriram “indenizações, direitos pessoais e eventuais”.
Nessas três cestas, pagas para além dos salários, estão benefícios como o terço de férias e o 13º salário, mas também uma gama de auxílios, como de alimentação, saúde, pré-escola e natalidade (para despesas iniciais com filhos); ajudas de custo; indenizações por até centenas de dias de férias acumulados; gratificações por substituição, exercício de magistério e cargos de presidência e representação.
Entram ainda jetons e diferentes outras verbas, não raro pagas retroativamente.
O valor dos adicionais dá uma ideia da economia para os cofres públicos caso o país decidisse lipoaspirar não só a folha de pagamentos de servidores dos três Poderes, mas também a dos julgadores.
Em setembro, o governo Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com mudanças para, em meio à crise fiscal, supostamente racionalizar o serviço público e reduzir gastos com pessoal.
O texto atinge servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas não alcança o alto escalão desses Poderes (magistrados, parlamentares, promotores e procuradores do Ministério Público).
O Ministério da Economia alega que, por limitação constitucional, o governo não pode propor novas regras para essas carreiras, o que, como mostrou a Folha de S.Paulo, é contestado por parte dos juristas.
Um dos focos da PEC é o corte de extras. O texto proíbe adicionais por tempo de serviço e substituição, aumentos de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos, progressões ou promoções vinculadas ao tempo no cargo, indenizações sem previsão de requisitos em lei, além da incorporação de valores pagos pelo exercício de cargos em comissão e funções de confiança.
Também veda a aposentadoria compulsória como modalidade de punição, assegurada à magistratura.
Os dados levantados pela reportagem são os informados pelos tribunais ao CNJ por força de uma resolução que os obriga a reportar as remunerações desde setembro de 2017.
As tabelas têm os pagamentos feitos desde então a juízes da ativa, aposentados e pensionistas das esferas de Justiça Estadual, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral. Incluem conselhos (CNJ e CJF) e cortes superiores (STM, STJ, TSE e TST) –exceto o Supremo Tribunal Federal, que não se submete ao controle do CNJ.
Embora magistrados estejam, em teoria, sujeitos ao cumprimento do teto de remuneração do funcionalismo, equivalente ao subsídio (como é chamado o salário do juiz) dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), hoje em R$ 39,2 mil mensais, pressões da própria magistratura sobre seus órgãos de controle e sobre o Legislativo, bem como o vácuo legal sobre o tema, criam ambiente para que os tribunais, principalmente nos estados, instituam benesses e autorizem pagamentos de atrasados por conta própria.
A maioria dos extras não é considerada para o cálculo do limite. Os descontos para o cumprimento desse parâmetro da lei representam 0,8% do total de rendimentos e 2,2% dos adicionais.
Os holerites informados ao CNJ são mensais e têm embutidos o 13º e o terço de férias. Ou seja, em alguns meses,os valores são mais altos que o padrão com esses pagamentos.
Quase um quarto deles (203 mil) registra ganhos mensais entre R$ 50 mil e 100 mil; outro 1,6% (14 mil), entre R$ 100 mil e R$ 200 mil. Houve ainda 659 beneficiários de valores entre R$ 200 mil e R$ 500 mil; e 27 que ganharam mais de R$ 500 mil em algum mês.
Os três tribunais militares nos estados têm, em média, a remuneração mais alta do país: R$ 51,8 mil por contracheque -nas cortes de Minas Gerais e São Paulo, esse valor é de R$ 54 mil.
Os 27 Tribunais de Justiça esta- duais vêm em seguida (R$ 47,9 mil). Há cortes com patamares bem acima, como as de Mato Grosso do Sul (R$ 61,1 mil) e Minas Gerais (R$ 57,8 mil).
Nas demais esferas, as cifras são mais baixas. Em valores líquidos (com descontos como os de Previdência e de Imposto de Renda), os magistrados receberam R$ 25,4 bilhões ou R$ 29,2 mil por contracheque.
O CNJ tenta ao menos desde 2006 regulamentar o pagamento de extras, mas, por resistência da magistratura, enfrenta dificuldades para uniformizar os procedimentos, principalmente nos estaduais, que atuam com relativa autonomia na criação e pagamento de benefícios –e exercem influência sobre Assembleias Legislativas na aprovação de leis com margem a adicionais.
Em 2017, por exemplo, a Corregedoria Nacional de Justiça editou provimento determinando ser necessária prévia autorização do conselho para qualquer nova vantagem que não constasse da legislação.
Diretriz semelhante veio em recomendação da corregedoria em 2018, orientando tribunais a não pagarem auxílios “ou qualquer outra verba que venha a ser instituída ou majorada, ou mesmo relativa a valores atrasados, e ainda que com respaldo em lei estadual, sem que seja previamente autorizado pelo conselho”.
A Associação dos Magistrados do Brasil) pediu a suspensão do dispositivo. Argumentou que ele negava validade a leis estaduais em vigor, “impedindo ou criando entraves ao pagamento de verbas pecuniárias instituídas ou majoradas legítima e legalmente, observando as respectivas esferas de competência legislativa”.
A corregedoria concedeu liminar sustando a norma em fevereiro de 2020, mas recuou após ser informada por dois conselheiros do CNJ de que a situação abrira uma janela de oportunidade para que o Tribunal de Justiça de Pernambuco pagasse diferenças de auxílio-alimentação, retroativas a 2011, para seus magistrados.
O então corregedor, ministro Humberto Martins, justificou que reversão era necessária para preservar a “moralidade administrativa e evitar prejuízos de difícil reparação ao erário”, pelo risco de que os tribunais interpretassem que a suspensão era uma licença de “pagamento de verbas sem verificação e autorização prévia do CNJ”.
O provimento e a recomendação estão de pé, mas tribunais e Assembleias têm feito gestões por novos benefícios.
No Paraná, deputados estaduais aprovaram projeto que permitia gratificação a juízes que atuam como instrutores na Escola dos Servidores da Justiça Estadual. Por decisão liminar, a corregedoria Nacional de Justiça mandou o TJ (Tribunal de Justiça) local se abster de pagá-la. Depois disso, a corte informou que a despesa não seria feita.
Já o TJ cearense, por meio de uma portaria, instituiu ajuda de custo a magistrados integrantes de um “núcleo de produtividade remota” por exercício cumulativo de função. Ela seria de 15% do subsídio mensal, mas também foi sustada pela corregedoria. A corte revogou o ato.
Em outra decisão, o CNJ determinou ao TJ baiano que não adiantasse o pagamento das férias do ano que vem.
OUTRO LADO
O Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais informou que a remuneração corresponde ao subsídio mensal está previsto na Constituição. Mas, no contracheque de cada mês, somam-se a ele auxílios que, por terem caráter de indenização, não se submetem ao teto.
“Juntamente com o subsídio mensal, podem ocorrer, eventualmente, pagamentos como parcelas do décimo terceiro salário, o terço constitucional de férias e as indenizações de férias não gozadas e férias prêmio”.
Já o TJ de Minas disse que o vencimento básico de seus juízes é dado pela Constituição e que o teto é regulamentado pelo CNJ.
“Os montantes (valores brutos, considerando os subsídios e os valores extras) pagos a mais são individuais, são temporários, não são frequentes e significam o pagamento de férias vencidas e não gozadas referentes a períodos anteriores e obedecem ao princípio da eficiência e continuidade do serviço público. Tais valores não são incorporados aos subsídios mensais.”
O TJ cearense disse que a portaria que instituiu a gratificação criada foi suspensa pelo CNJ antes mesmo de entrar em vigor. “Ademais, o referido ato normativo foi imediatamente revogado pelo próprio TJ-CE, não tendo, portanto, produzido efeitos financeiros.” O TJ Militar de São Paulo, o TJ-PE, o TJ-MS, o TJ-TO, o TJ-PR e o TJ-BA não se pronunciaram até a conclusão desta reportagem. Fonte: Notícias ao Minuto, 4/10/20
TJ-SP promove magistrada e a aposenta em 24h pelo teto salarial
No último dia 17, o presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, promoveu cinco juízes a desembargadores. Eles ocuparam postos de integrantes da corte que haviam se aposentado
Em meio a um plano de contingenciamento que prevê suspensão de concursos e nomeações, o Tribunal de Justiça de São Paulo aposentou uma magistrada apenas um dia após ela ter sido promovida a desembargadora, função que ganha o teto do salário do Judiciário no estado.
No último dia 17, o presidente do TJ-SP, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, promoveu cinco juízes a desembargadores. Eles ocuparam postos de integrantes da corte que haviam se aposentado.
Entre eles, foi promovida por antiguidade a juíza Ligia Donati Cajon, que era titular na comarca de Catanduva, cidade próxima a São José do Rio Preto.
No Diário Oficial do dia seguinte, o presidente concedeu aposentadoria requerida pela agora desembargadora, “fazendo jus aos proventos mensais, com paridade, correspondentes ao subsídio desembargador”.
Como juíza, ela recebeu nos últimos meses um salário de R$ 33.689,10 em valores brutos. Já o salário dos desembargadores é de R$ 35.462,22.
Esses valores, normalmente, não representam de forma fiel as remunerações dos magistrados paulistas, já que não estão incluídos penduricalhos como pagamentos retroativos (que costumam ser equiparações salariais corrigidas pela inflação).
Levantamento da Folha de S.Paulo de 2019 apontava que a remuneração bruta de um desembargador em São Paulo era em média de R$ 56 mil –ou R$ 44 mil líquidos.
Ao se aposentar, ela receberá o salário de desembargadora e também terá direito a extras como os retroativos. Não há irregularidade na decisão do tribunal de promover e, logo depois, aposentar uma integrante da corte.
Procurado, o Tribunal de Justiça informou apenas que “esclarece que a promoção foi por conta de direito e a aposentadoria por conta de direito”.
Ligia Donati Cajon não foi localizada pela reportagem. A reportagem pediu que a assessoria do TJ intermediasse um posicionamento da desembargadora aposentada, mas não houve manifestação.
O tribunal também foi questionado sobre quais benefícios a desembargadora terá ao se aposentar após ser promovida, além do aumento remuneratório, mas o TJ também não se manifestou.
A cerimônia de posse dos cinco desembargadores aconteceu no mesmo dia da aposentadoria de Cajon, por meio de videoconferência, devido à pandemia do coronavírus.
“Nesse momento só duas palavras me vêm à mente: gratidão e alegria”, disse ela, em seu discurso. “Alegria por ter conseguido finalmente chegar a este honroso cargo, depois de 31 anos de magistratura, e por ter conseguido cumprir o meu dever.”
No fim da cerimônia, em discurso, o presidente do TJ-SP disse que a agora desembargadora iria deixar a corte paulista.
“Na impossibilidade de abraçar a todos, e a dra. Ligia Donati Cajon em especial, que nos deixa no dia a dia apenas, porque na alma da desembargadora Ligia Cajon está escrito o amor que tem nesses 31 anos que já demonstrou pela magistratura”, disse Pinheiro Franco.
“Esse é um momento difícil para sua excelência, sem dúvida nenhuma. É um momento que todos nós vamos passar, mais cedo ou mais tarde, mas é um momento que vai permitir a abertura de novos caminhos, de novas portas, de novos momentos, que a levarão a uma vida nova, com algumas novidades”, acrescentou.
Ligia Donati Cajon é magistrada desde 1989 e foi juíza em Taubaté, Osasco, Teodoro Sampaio e Caçapava.Como a reportagem publicou, o Tribunal de Justiça de São Paulo baixou em abril um plano de contingenciamento que atinge diversos setores do Judiciário, inclusive os gabinetes de magistrados.
Foram cortados concursos, combustível, viagens com carros oficiais, horas extras, material de consumo e contratos estão sendo revisados. Um estudo foi aberto para avaliar a possibilidade de extinguir comarcas. Substituições de postos devido a aposentadoria, como ocorreu com os desembargadores, são permitidos.
Foram mantidos intactos praticamente todos os auxílios, bônus e retroativos aos juízes. Foi suspenso um benefício de R$ 3.500 anuais aos gabinetes que permitia reembolso no caso de compras de livros ou softwares.
Procurado, o TJ-SP informou que já havia estabelecido, em janeiro de 2020, outro plano de contingenciamento com reflexo nas indenizações, que trará uma economia de R$ 314 milhões este ano.
Ao mesmo tempo, o tribunal passa por uma crise para diminuir as despesas com pessoal aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo fiscalização do Tribunal de Contas do Estado, no ano passado o TJ registrou R$ 1 bilhão em despesas com funcionários como se não fossem gastos com pessoal. Fonte: Notícias ao Minuto, 5/7/20
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