Órfãos na velhice: isolamento social aumenta em 14% risco de morte
Ignorados por parentes, um em cada três idosos vive sozinho
Se, por um lado, Luiz é completamente lúcido, mas se locomove mal por conta de um problema crônico na coluna, por outro, Maria tem mobilidade perfeita, mas está começando a desenvolver demência. Os dois quase não saem de casa.
— Às vezes, em meio a um jogo para estimular a memória, a Maria começa a chorar, dizendo que gostaria de sair mais — conta Antônio, mineiro de Inhapim que vive no Rio desde os 22 e é agente experiente desde os 73. — Minha visão de vida mudou completamente desde que eu comecei a fazer essas visitas domiciliares. Eu acabo ganhando muito mais do que consigo dar.
Numa tentativa de ajudar mais, Antônio acaba de encadernar a primeira versão de uma cartilha que ele planeja, num futuro próximo, distribuir gratuitamente. Intitulada “Antes que a luz se apague”, ela reúne dicas de alimentação e exercícios para prevenir e retardar Alzheimer e outros declínios cognitivos, além de relatos sobre a sua experiência com outros idosos.
Para Luiz, paraibano que hoje passa quase o dia inteiro vendo esportes pela televisão, os bate-papos às quartas-feiras são sagrados. Quando perguntado sobre a falta de socialização, ele diz, num murmuro, que “a vida é cruel”.
— Só peço a Deus para iluminar a nossa, porque depender de parente não dá — dispara ele.
O número de idosos no Brasil cresceu 50% na última década, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, eles somam 26 milhões, representando 14,3% da população. De acordo com projeções do órgão, devem chegar a 38 milhões em 2027. E o isolamento social que parte significativa deles vive preocupa especialistas. Do total de idosos de hoje, 35% vivem sozinhos em suas casas, índice que triplicou nos últimos 20 anos.
Mesmo entre os que não moram sozinhos, mas vivem com familiares ou em instituições de longa permanência para idosos — as antigas casas de repouso —, é comum haver solidão.
— A maioria das pessoas que vai para uma dessas instituições já estava abandonada em casa. Dificilmente vemos alguém que vai para envelhecer com qualidade — destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, José Elias Pinheiro. — Quem não tem dinheiro para pagar essas instituições privadas fica sem amparo, porque não há unidades públicas para atender toda essa demanda.
Ele explica que é mais comum idosos morarem sozinhos em países desenvolvidos, por conta de alta renda e escolaridade. No entanto, no Brasil, há um descompasso: o país ainda está em desenvolvimento, mas tem taxas de idosos que vivem sozinhos semelhantes às das nações ricas.
— Um dos nossos grandes desafios no século XXI será como essas pessoas com 80 e 90 anos vão conseguir viver sozinhas — diz Pinheiro.
Já não há dúvidas de que a solidão corrói a saúde física e mental das pessoas, mas nas faixas etárias mais avançadas isso é ainda mais significativo. Pesquisadores da Universidade de Chicago, nos EUA, descobriram que o isolamento aumenta o risco de morte em 14% entre aqueles com 60 anos ou mais. Outra pesquisa, da Universidade de Brigham Young, também nos EUA, comparou estatísticas de mortalidade e constatou que a solidão é tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia ou ser alcoólatra. Há, ainda, uma revisão de 23 artigos científicos feita por pesquisadores da Universidade de York, no Canadá, com a conclusão de que estar isolado aumenta em 29% o risco de doenças coronarianas e em 32% o de acidentes vasculares.
Para a psicoterapeuta Ana Fraiman, esse cenário é, em grande medida, causado pelo que ela chama de “geração de pais órfãos de filhos”:
— Nestas últimas décadas, surgiram gerações de pais sem filhos presentes, por conta de uma mudança cultural. Conforme esses pais envelhecem, eles se tornam um fardo. Para resolver isso, há que se ter uma educação para o envelhecimento, para as novas gerações mudarem essa percepção.
Abandonar um idoso é crime, com pena de multa e detenção de seis meses a três anos, de acordo com a promotora de Justiça Cristiane Branquinho Lucas, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). O abandono pode ser moral, pela falta de visitas, ou material, pela falta de pagamento da instituição onde o idoso se encontra, por exemplo.
— Mas é preciso dizer que, em vários casos, o abandono acontece porque o familiar, muitas vezes também idoso, não tem condições financeiras ou de saúde. Há, então, uma violência institucional, que se reflete no abandono pelo Poder Público, que não estabelece políticas que permitam que o familiar cuide desta pessoa idosa. Existe, por exemplo, uma enorme carência de instituições de longa permanência públicas e boas — afirma Cristiane.
Fonte: O Globo
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