UMA GERAÇÃO SEM PERSPECTIVAS
Com 80 milhões de habitantes, o Irã é lar hoje de mais de 30 milhões de pessoas que nasceram ou aprenderam a ver o mundo sob o comando de aiatolás, em uma das mais polêmicas teocracias do mundo. Desde 1979, véus coloridos e roupas acinturadas roubaram espaço do chador preto que cobre o corpo das mulheres. Os celulares tornaram-se acessórios tão indispensáveis quanto onipresentes, e a polícia de costumes já não interrompe o carinho entre namorados. Mas os filhos da Revolução Islâmica querem mais do que concessões pontuais. Formados mas acuados pelo desemprego, querem oportunidade. Apartados do diálogo político e social, querem voz e liberdade. Incertos sobre a possibilidade de reformas, dividem-se entre a resignação e o desejo de emigrar.
– As gerações mais novas estão cada vez mais abertas, conectadas. Querem mais liberdade. E se preocupam com a economia. Não há emprego. Estão mais interessadas em questões sociais, em oportunidades para todos, e não só para quem tem boas conexões com o Estado – explica Nasim Banaei, de 29 anos, produtora na revista para jovens “Chelcheragh”.
Entrar no mercado de trabalho é um desafio. De acordo com o Centro de Estatísticas do Irã, o desemprego entre 15 e 29 anos alcançou 25,9% em 2016, mais que o dobro dos 12,4% entre o conjunto da população. Estima-se que, hoje, cerca de dois milhões procuram vagas, mas não encontram. Um drama adicional para um país com alto grau de escolarização – o número de universitários cresceu quase 25 vezes desde a revolução – e excelência acadêmica, em áreas como engenharia, ciências e medicina. Não encontram vagas 29% dos homens com nível superior e 34% das mulheres.
Sem diálogo na universidade
É um reflexo direto dos problemas econômicos decorrentes da gestão temerária da economia nos oito anos de governo de Mahmoud Ahmadinejad e das sanções às quais o Irã foi submetido na última década.
– Há pouco capital para investimentos, e a economia desacelerou. Não há empregos em geral, mas a situação para os jovens é particularmente ruim. O que sobra é subemprego – diz Mosley Yeshaneh, editor de Cidades do segundo maior jornal iraniano, “Iran Daily”.
Mansour, de 29 anos, e Ali, de 33, são exemplos. O primeiro, graduado em Informática, faz parte do exército de jovens que dirigem em Teerã como prestadores de serviço para o governo e empresas ou em lotadas informais. O segundo, após cursar Física e Informática, encontrou emprego apenas atrás do balcão de uma farmácia. Este ano, perdeu o posto para um trabalhador disposto a ganhar menos.
– A saída tem sido o comércio informal, nas ruas e nos bazares, vendendo comida. Cada vez mais param para pensar se vale a pena ir à universidade – conta a professora Sanaz, de 38 anos, que, como os dois rapazes, preferiu não dar o sobrenome.
A dificuldade de alcançar independência financeira acentua a insatisfação com as restrições impostas pelo regime iraniano. Os filhos da Revolução Islâmica sentem-se oprimidos e vigiados pelo governo e reclamam de não encontrarem na universidade um ambiente propício ao diálogo.
– Na universidade, há uma linha vermelha. Quando expressamos o que pensamos do governo, da economia, ou queremos discutir os rumos do país, nos é dito que isso não é da nossa conta. As universidades são muito religiosas, ambientes conservadores. Estão mais preocupados se o mantô está apropriado – relata a estudante Leily Marefi, de 18 anos.
A inquietação parece ser um legado dos protestos que se seguiram à reeleição de Ahmadinejad, sob suspeita de fraude, em 2009. A série de manifestações foi duramente reprimida. Hoje jornalista, Minoo Momeny, 45, ficou presa por um mês. Sua pauta, oito anos depois, não mudou:
– Quero mais liberdade de expressão.
Lidar com a frustração coletiva é uma das missões do presidente Hassan Rouhani. Reeleito em maio, o moderado adotou medidas para aliviar críticas. A infraestrutura de banda larga e a velocidade da internet foram ampliadas, e o acesso a sites estrangeiros e às redes sociais, facilitado.
O controle, porém, é estrito. Páginas internacionais comumente são bloqueadas. Telegram, WhatsApp e Instagram estão liberados, e por eles circula um intenso volume de informações, inclusive de jornais e redes de TV estrangeiras. Já Facebook e Twitter estão fora de alcance.
O tráfego de e-mails, segundo os iranianos, é monitorado. Mensagens são interceptadas.
– Na universidade, é comum um recado sutil, de que, em vez de certos tipos de debates, a gente foque no estudo. O resultado é que há uma alienação, as discussões ficam restritas a um grupo pequeno e muito próximo – revela Mohammad, de 24 anos, mestrando em Ciências Humanas na Universidade de Teerã.
Segundo Syed Mortazavi, professor de Ciências Políticas na Universidade Islâmica Azad, uma promessa de Rouhani é afrouxar a atividade política de entidades estudantis e ONGs. Mas a flexibilização é lenta – e incerta.
– Rouhani tem buscado diálogo com as pontas linha dura e reformista do regime. É promissora a ideia de maior inserção política. Mas ainda não temos uma visão clara – avalia Mortazavi.
Costumes e direitos humanos também figuram na pauta de liberdade dos filhos da revolução. Questões como virgindade e sexo antes do casamento já não são tabus. Mas os jovens se sentem afrontados por problemas mais triviais, como rapazes e moças saírem ou ficarem em um ambiente sozinhos, a censura social a morar sozinho ou dividir apartamento e a ausência de espaços de convivência além dos cafés.
– Por que eu não posso ir a um estádio de futebol? É proibido para mulheres! – questiona Hoda Hashemi, 33.
Enforcamento de homossexuais
Violações de direitos e violência também preocupam. A homossexualidade é crime, e a denúncia de quatro cidadãos pode levar à cadeia e execução. Ao GLOBO foi relatado um caso de enforcamento de dois universitários, seis anos atrás.
– Há mais gays do que se supõe no Irã, e as relações são mascaradas pela tradição de afeto público entre homens. Há aplicativos de namoro e locais de encontro. Mas é uma população tomada pelo medo – afirmou um estudante.
A possibilidade de os EUA revogarem o acordo nuclear que levanta as sanções é um fator adicional de desalento.
– O acordo nuclear acendeu uma esperança de melhora. Agora, o sentimento é o de que estamos em suspenso – lamenta Mehdi Ahmadpanah, de 33 anos, editor-chefe da “Chelcheragh”.
É comum encontrar quem não queira esperar o desfecho. Em 2009, o Fundo Monetário Internacional já listava o Irã como o país que mais perde cérebros. Uma pesquisa da Universidade de Teerã com seu corpo discente revelou que um em cada dois estudantes considera deixar o país.
– Não quero investir nos estudos para não ter retorno ou ter minha boca calada. Não vejo futuro para mim no Irã – sentencia Leily Marefi.
Fonte: O Globo
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