Transgêneros conseguem mais empregos na Índia após Suprema Corte reconhecer ‘terceiro gênero’

Empresas têm criado políticas para evitar discriminação desde decisão histórica de 2014

Transgêneros em manifestação promovida em Mumbai, Índia, em janeiro deste ano: decisão da Suprema Corte abriu caminho para inclusãoFoto: REUTERS/Shailesh Andrade
Transgêneros em manifestação promovida em Mumbai, Índia, em janeiro deste ano: decisão da Suprema Corte abriu caminho para inclusão – REUTERS/Shailesh Andrade

    Durante uma sessão de treinamento para seu primeiro grupo de funcionários transgênero, gestores da nova empresa de metrô da cidade de Kochi, no Sul da Índia, perguntaram se eles tinham alguma preocupação. E eles tinham apenas uma: acesso aos banheiros.

    — O projeto de construção estava completo então e as estações estavam prontas — lembra Reshmi Chandrathil Ravi, porta-voz da Kochi Metro Rail, uma nova rede na cidade portuária inaugurada no último fim de semana pelo primeiro-ministro Narendra Modi. — Então estamos transformando os grandes banheiros para pessoas com incapacitações em banheiros para todos os gêneros para que seu uso seja dividido com os incapacitados.

    Os sinais nas portas dos banheiros agora foram removidos e novos sinais com “desenhos inclusivos” encomendados. E a empresa liberou seus funcionários transgênero para escolherem se querem usar o uniforme masculino ou feminino.

    A Kochi Metro Rail é a primeira empresa estatal a recrutar funcionários da comunidade transgênero como parte da iniciativa do estado de Kerala de dar a este marginalizado grupo melhores oportunidades de emprego. Desde que a Suprema Corte da Índia deu às pessoas transgênero o reconhecimento como um “terceiro gênero” em 2014, um número cada vem maior de empresas indianas tem ativamente procurado contratar transgêneros e esboçou políticas para assegurar que eles não sejam discriminados no ambiente de trabalho.

    O censo de 2011 da Índia registrou meio milhão de pessoas transgênero, mas ativistas estimam o número em cerca de 2 milhões. Menos da metade é alfabetizada e ainda menos têm trabalho, de acordo com o censo. Tradicionalmente, pessoas transgênero são relegadas à margem da sociedade. De homens para mulheres “hijras”, o grupo mais visível da comunidade transgênero, aparecem na mitologia hindu e são vistas como estranhezas auspiciosas cujas bençãos são buscadas em casamentos e nascimentos. Esta percepção popular das pessoas transgênero significa que elas têm que lutar para conseguir trabalhos comuns, dizem os ativistas. Mas as atitudes estão lentamente começando a mudar.

    — Pelo menos 12 a 13 de nossas empresas integrantes já têm banheiros para todos gêneros. Isto começou a acontecer no ano passado — conta Rashmi Vikram, gerente sênior da Community Business, um grupo de caridade que apoia empresas que buscam ser mais socialmente inclusivas. — Algumas empresas transformaram seus banheiros para incapacitados em banheiros para todos os gêneros, todas capacidades, promovendo de certa forma que não há nenhum estigma associado a eles. Isto não precisou de grandes mudanças na infraestrutura, mas mandou uma mensagem positiva.

    AMIGOS E BENEFÍCIOS

    E algumas empresas foram além do acesso aos banheiros. A empresa global de tecnologia ThoughtWorks contratou uma pessoa transgênero em seu escritório em Bangalore como parte de uma iniciativa de diversidade no ano passado e seguiu em fornecer um “amigo de escritório” e um conselheiro externo para seu novo funcionário para ajudar na fase de adaptação. E numa iniciativa inédita, a IBM — apontada como a empresa mais inclusiva para a comunidade LGBT pela Workplace Pride Foundation, sediada em Amsterdã — vai, a partir deste ano, cobrir cirurgias de afirmação de gênero no seu plano de saúde corporativo, disse uma porta-voz da IBM Índia.

    Já outra grande empresa indiana de tecnologia da informação que abriu um novo campus em Mumbai assegurou ainda na fase de planejamento que ele tivesse um banheiro unissex após pedidos de seus funcionários transgênero. Algumas empresas também estão ajudando de perto seus funcionários transgênero no período inicial no emprego e mantendo suas identidades com discrição a pedidos, mas os ativistas dizem que esta tendência ainda esta restrita às grandes empresas.

    MUITO DESAFIOS

    Nyra D’souza, uma mulher transgênero, nunca foi ao banheiro quando trabalhou numa firma de serviços terceirizados em Mumbai – ficava desconfortável no banheiro masculino e sua entrada não era permitida no banheiro feminino. Isto significava se segurar por 15 horas até conseguir chegar em casa.

    Em entrevistas de emprego, ela ouvia que devia considerar moda, beleza ou cinema por um trabalho “em que pudesse ser ela mesma”. Mas quando foi entrevistada pela Godrej — uma corporação líder na Índia, sediada em Mumbai e com interesses que vão de bens de consumo ao mercado imobiliário — ela foi perguntada sobre sua experiência de trabalho, e não gênero. Isso, diz uma porta-voz da Godrej, está em linha com a política da empresa de tornar todas interações neutras de gênero.

    — Tais experiências estão limitadas às grandes empresas — contou D’souza, que encontra outras pessoas de sua comunidade lutando para encontrar empregos, ou dignidade em seus locais de trabalho.

    Depois da decisão da Suprema Corte, ativistas disseram que mais empresas estão recrutando pessoas transgênero, mas continuam relutantes em fazer adaptações.

    — No último ano, recebemos quase 15 pedidos de empresas que querem contratar transgêneros, mas elas recuaram quando perguntamos sobre o acesso aos banheiros — disse Koninika Roy, do Humsafar Trust, organização sediada em Mumbai que trabalha com integrantes da comunidade LGBT e tenta encontrar empregos para eles.

    A organização teve apenas um caso de sucesso no último ano.

    Mas a Solidarity Foundation, grupo de defesa de direitos sediado em Bangalore que trabalha com pessoas de minorias sexuais, teve mais sucesso — ela conseguiu emprego para 15 pessoas transgênero ao longo do último ano.

    — As empresas estão ficando mais abertas e falando mais sobre estes assuntos, mas a integração ainda não é parte de seu DNA — disse Shubha Chacko, diretora executiva da Solidarity Foundation.

    Chacko citou o caso de uma pessoa transgênero detida na entrada do escritório por guardas de segurança no seu primeiro dia de trabalho.

    — O maior desafio na Índia é a mentalidade. Eles conectam os transgêneros a pessoas que mendigam nas ruas, trabalham na indústria do sexo ou cantam em casamentos — disse Vikram, da Community Business. – Ainda temos um longo caminho a percorrer. Muito trabalho ainda precisa ser feito.

    Fonte: O Globo