Região síria enfrenta pior crise de desnutrição infantil desde 2011

11,9% dos menores de 5 anos sofrem de desnutrição severa, diz relatório.


 

Criança de Guta recebe atendimento médico no dia 12 de novembro (Foto: Ghouta Media Center via AP)Criança de Guta recebe atendimento médico no dia 12 de novembro (Foto: Ghouta Media Center via AP)

Criança de Guta recebe atendimento médico no dia 12 de novembro (Foto: Ghouta Media Center via AP)

As crianças de Guta Oriental, uma região rebelde sitiada pelo regime sírio na periferia de Damasco, sofrem da pior crise de desnutrição na Síria desde o início da guerra em 2011, informou a Unicef nesta quarta-feira (29).

Cerca de 400 mil pessoas estão presas nessa região situada a leste de Damasco, sitiada pelo regime sírio desde meados 2013 e que é um dos últimos redutos dos rebeldes na Síria. A metade deles é de crianças.

“Um recente estudo na Guta Oriental no início de novembro revela que a taxa de menores de cinco anos que sofrem de desnutrição severa é de 11,9%, isto é, a maior taxa jamais registrada na Síria desde o início da guerra”, indicou em um comunicado o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

A agência da ONU diz que essa taxa era de 2,1% durante um estudo anterior realizado em janeiro em Guta.

“A violência, a falta de acesso humanitário e os preços exorbitantes dos produtos alimentícios agravaram a desnutrição entre as crianças de pouca idade”, diz o comunicado.

A Unicef indica ainda que as mães das crianças menores tivera de reduzir e interromper, inclusive, a lactância por culpa de sua própria desnutrição.

Fonte: G1

Acordo de cessar-fogo entra em vigor no sudoeste da Síria

O acordo de cessar-fogo no sudoeste da Síria, concluído na sexta-feira (7) entre Estados Unidos, Rússia e Jordânia, entrou em vigor ao meio-dia deste domingo (9) pelo …O anúncio da trégua ocorreu à margem da cúpula do G20 em Hamburgo, após o encontro entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e americano, Donald Trump. O chanceler russo, Serguei Lavrov, esclareceu que “a segurança em torno da zona será garantida por forças e meios da polícia militar russa em coordenação com os jordanianos e os americanos”.

O secretário de Estado americano, Rex Tillerson, disse que o compromisso demonstra que os Estados Unidos e a Rússia podem trabalhar juntos na questão síria e que vão continuar cooperando no futuro, uma vez que o grupo Estado Islâmico seja derrotado.

REUTERS/Alaa al-Faqir© Fournis par France Médias Monde REUTERS/Alaa al-Faqir

O Departamento de Estado americano considera o cessar-fogo como um “o primeiro passo de um processo mais longo”. Os Estados Unidos continuam sendo “modestos” e “realistas” em seus objetivos, por conta dos fracassos em tréguas anteriores.

Rússia e Irã, aliados de Damasco, e Turquia, que apoia os rebeldes, adotaram em maio o princípio de criação de quatro zonas de segurança para instaurar uma trégua duradoura em várias regiões. No entanto, ainda não chegaram a um acordo sobre a forma como estas zonas serão administradas.

Moscou considerava que uma dessas zonas de “desescalada”, no sul do país, só poderia ser estabelecida com o consentimento dos Estados Unidos e da Jordânia, país fronteiriço com a Síria, o que aconteceu. As outras três zonas se encontram na região de Idleb (noroeste), na província de Homs (centro) e no enclave rebelde de Ghouta Oriental, perto de Damasco.

Na semana passada, as últimas rodadas de negociação organizadas em Astana para criar zonas de distensão na Síria foram concluídas sem um acordo.

Fonte:MSN

Depois da tragédia com armas químicas, Trump e Putin inauguram uma nova e belicosa era no cenário político internacional. Agora o mundo teme o pior

A insustentável SíriaTRAGÉDIACrianças vítimas de arma química: imagens chocantes de uma guerra que não tem fim

 

Na manhã da sexta-feira 7, poucas horas depois do ataque americano contra uma base militar síria, o primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, publicou um post em seu Facebook que denuncia os tempos sombrios que o mundo está prestes a viver. “Os Estados Unidos chegaram a um passo de um confronto com a Rússia”, escreveu Medvedev. Vladimir Putin, presidente do país e líder de fato da nação, afirmou que “os ataques causam um dano considerável nas relações entre os dois países, que já se encontram em um estado lamentável.” Por mais que pareça improvável e de certa forma surreal, em pleno século 21, falar em um conflito armado entre duas das maiores potências do planeta, os eventos trágicos dos últimos dias e as reações insidiosas dos envolvidos na questão levam a supor que a paz está, sim, ameaçada. Os agravantes trazem ainda mais indícios de que o planeta está exposto a uma nova era de violência. Trump e Putin são tão imprevisíveis quanto irascíveis, tão beligerantes quanto irresponsáveis. Como ensina a história, os países que eles comandam têm o infeliz hábito de subjugar alguém que consideram diferente e se tornaram temidos exatamente por essa vocação.

Míssil norte-americano ilumina bandeira dos EUA. Era o início do ataque contra o ditador sírio Bashar al-Assad.
Míssil norte-americano ilumina bandeira dos EUA. Era o início do ataque contra o ditador sírio Bashar al-Assad.

A foto que aparece na primeira página desta reportagem escancara o que a insanidade é capaz de perpetrar. Crianças mortas por asfixia e com os corpos retesados, como se tivessem partido no instante exato em que dispararam um grito de horror, jamais poderão ser esquecidas – e nunca mais toleradas. Se o ditador sírio Bashar al-Assad se permite cometer atrocidades como disparar gás venenoso contra jovens inocentes, o que resta ao mundo a não ser reagir para que o mal não se perpetue? Foi o que fez Donald Trump ao atacar as bases sírias na quinta-feira 6, e é difícil não se sensibilizar com suas palavras. “Mesmo lindos bebês foram assassinados com este ataque bárbaro. Nenhum filho do Senhor jamais deveria sofrer esse horror.” Mas será o louco, preconceituoso e radical Trump o homem que colocará fim à barbárie? Não é preciso ser um especialista em questões geopolíticas para responder a essa pergunta: “Não, não e não.”

Abu Ivanka al-Amriki, ou “Pai de Ivanka, o Americano”. Este é o apelido que o presidente Donald Trump ganhou entre os árabes nas redes sociais depois que o governo dos Estados Unidos lançou os 59 mísseis sobre a Síria, em represália ao ataque com armas químicas dois dias antes. Resume bem o novo capítulo da crise que desaba sobre o Oriente Médio: Trump entrou na guerra. Está contra o ditador sírio Bashar al-Assad. Mais do que isso. Ao lançar os mísseis, atingiu o coração da Rússia, até então sua aliada, que ajuda Assad a oprimir a oposição que quer derrubá-lo a qualquer custo. Com os desdobramentos da semana passada, a Síria se torna agora palco da batalha direta entre Rússia e EUA, as duas maiores potências bélicas mundiais.

Militares se preparam para a ofensiva
Militares se preparam para a ofensiva

A situação é mais complexa do que aparenta ser. A Síria vive uma crise política e humanitária há seis anos, com disputas dilacerantes que envolvem protagonistas dispostos a morrer por uma causa, além de estar no centro de uma série de ataques, bombardeios e atentados, e de abrigar um tipo de fundamentalismo que não se incomoda em destruir o outro com requintes de crueldade. Resultado: nos últimos anos, um mundo anestesiado acostumou-se com as imagens mórbidas de casas e bairros inteiros destruídos – e milhares de vidas perdidas. Estima-se em 400 mil pessoas assassinadas desde que a guerra civil começou e mais de 5 milhões de refugiadas pedindo asilo ao redor do mundo. A Síria é também o berço do Estado Islâmico, o maior e mais ativo grupo terrorista da atualidade. É na Síria que são disparadas as armas químicas, consideradas crime de guerra, como no reincidente ataque na terça-feira 4 – em 2013, outro atentado ordenado pelo governo matou 350 pessoas e deixou mais de 1.000 feridas. A Síria está no epicentro do maior confronto desde a Segunda Guerra Mundial. É, acima de tudo, um país dizimado e humilhado por bárbaras lideranças locais e atores globais com sede de guerra.

TERCEIRA GUERRA

Se o mundo teme as consequências de uma Terceira Guerra Mundial, os sírios têm a certeza de que o drama só vai piorar. Na opinião do professor de Relações Internacionais e pesquisador do Instituto Alemão de Estudos Globais, Kai Michael Kenkel, o ditador Assad vai tomar medidas mais drásticas a partir de agora, e a Rússia irá protegê-lo. “Isso vai acontecer mesmo havendo violações de direitos humanos”, afirma. A intenção do líder russo, diz o especialista, é não acabar com o conflito. Para Kenkel, a  Síria é usada como um jogo de xadrez entre os presidentes e, neste caso, o russo está ganhando. “Putin é racional e sabe o que está fazendo. Tem um entendimento muito maior de política internacional do que Trump.” A questão é que as duas nações expressam política e culturalmente o que em termos filosóficos se chama de “ethos guerreiro”, a necessidade de vencer e destruir o adversário. Ressalte-se que os dois países estiveram envolvidos nos maiores conflitos armados da história. Detêm os maiores orçamentos militares e discutem o tema da guerra e dos ataques de maneira recorrente.

Do ponto de vista estratégico, um ataque imediato da Rússia contra os Estados Unidos não seria viável. Para os especialistas, o que poderia ocorrer seria um bombardeio russo nos países que pertenceram à União Soviética e hoje integram a União Europeia. “Seria uma medida intermediária”, diz Héctor Luis Saint-Pierre, diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e líder do Grupo de Estudo de Defesa e Segurança Internacional. Para ele, o objetivo maior do ataque foi reafirmar o poderio bélico diante da China, que vem fortalecendo sua atuação como potência militar. “Trump quis chamar a atenção da opinião pública internacional, mostrando que pode ir até as últimas consequências. Isso daria mais credibilidade aos Estados Unidos nas relações bilaterais com o gigante asiático”.

“Até mesmo lindos bebês foram cruelmente assassinados neste ataque bárbaro. Nenhum filho de Deus deveria jamais sofrer horror tão terrível” Donald Trump, presidente dos Estados Unidos
“Até mesmo lindos bebês foram cruelmente assassinados neste ataque bárbaro. Nenhum filho de Deus deveria jamais sofrer horror tão terrível” Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Também está em jogo o controle geopolítico dessa parte do Oriente Médio, que é estratégica por conter zonas de passagem de gasodutos e oleodutos e ficar próxima a regiões petrolíferas, segundo a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Soreanu Pecequilo. “Quanto mais se prolonga um processo de instabilidade, pior é para a população”, diz ela. “Nesse vácuo de poder que propõe os Estados Unidos ao tentarem derrubar Assad, quem se fortalece é o Estado Islâmico”. Para o mundo, os perigos que o conflito trás é o prolongamento da violência, a ausência de negociação política e a possibilidade de que a Rússia também passe a agir unilateralmente. “A Síria pode se tornar um palco para a guerra entre esses países, uma espécie de mini Guerra Fria, só que cada vez mais quente”, completa a professora.

“Esta ação de Washington causa um dano considerável nas relações russo-americanas, que já se encontram em um estado lamentável” Vladimir Putin, presidente da Rússia
“Esta ação de Washington causa um dano considerável nas relações russo-americanas, que já se encontram em um estado lamentável” Vladimir Putin, presidente da Rússia

A ofensiva bélica escancarou a impotência da Organização das Nações Unidas (ONU) como organismo responsável pela diplomacia mundial. “Foi um gesto semelhante ao de George W. Bush quando declarou guerra sem o consentimento da entidade, usando como justificativa a questão da segurança nacional”, diz o professor Saint-Pierre, da Unesp. Aqui o problema ganha novas dimensões. Se cada país decidir adotar a medida que julgar adequada, como fizeram os Estados Unidos no ataque à Síria, muitas ameaçam estão por vir. “A confiança mínima entre as potências que vinha se construindo acabou de ruir”, diz Saint-Pierre. Agora, a ONU tenta mitigar os danos. Antonio Guterres, secretário-geral do órgão, pediu moderação para evitar que o sofrimento do povo sírio aumente e disse que não existe outro caminho para por fim ao conflito a não ser o político. Na contramão, diversos países expressaram apoio à ofensiva americana. Entre eles, Alemanha, França, Reino Unido e Turquia. Os dois primeiros divulgaram um comunicado conjunto afirmando que Assad tem plena responsabilidade pela represália. Theresa May, primeira-ministra britânica, declarou que a ação foi uma resposta apropriada à agressão selvagem da arma química. A Turquia, inimiga de Assad, considerou uma “resposta positiva” e defendeu a saída imediata do ditador sírio. A União Europeia também se manifestou institucionalmente, ressaltando que trabalhará ao lado dos Estados Unidos.

Seria ingênuo acreditar que Trump atacou a Síria apenas para evitar novas atrocidades. Ele tem interesses particulares no assunto. As últimas semanas foram especialmente difíceis para o presidente americano, que enfrentou um Congresso reativo aos seus projetos e que até insinuou a possibilidade de um processo de impeachment. Na política, em se tratando de uma pessoa como Trump, é preciso analisar todas as dimensões do fato em questão. Ao atacar um país disposto a lançar armas químicas, o que é indefensável sob todos os aspectos, Trump se fortalece no ambiente doméstico.

DESTRUIÇÃO Mohammed Mohiedin Anis em seu quarto após um bombardeio na cidade síria de Aleppo
DESTRUIÇÃO Mohammed Mohiedin Anis em seu quarto após um bombardeio na cidade síria de Aleppo

Popularidade em alta

Durante a campanha presidencial, ele foi criticado pela aproximação com a Rússia. Chegou a ser chamado de “fantoche de Putin” pela rival democrata Hillary Clinton. Depois dos ataques, especialistas acreditam que sua popularidade tende a subir. “É óbvio que há uma questão de ganho de imagem”, diz Carlos Gustavo Poggio Teixeira, coordenador do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade de São Paulo. “A preocupação humanitária com as crianças não apareceu na retórica dele antes. É uma cortina de fumaça para abafar outras questões.” Trump também usou o ataque para marcar uma posição oposta ao do antecessor Barack Obama. O ex-presidente disse que armas químicas romperiam uma linha vermelha, mas ele nada fez quando, em 2013, Assad lançou ataques idênticos aos da semana passada.

Ainda que nunca tenha agido diretamente dentro do conflito, Obama contribuiu significativamente para a crise na Síria, armando os fundamentalistas islâmicos violentos, os jihadistas, em aliança com a Arábia Saudita e outras nações petrolíferas árabes contra a ditadura de Assad. “A guerra civil tem sido patrocinada pelos Estados Unidos e forneceu um contexto essencial e fértil para a ascensão, inclusive, do Estado Islâmico. Centenas de milhares de sírios morreram devido à determinação de Washington de enfraquecer e, finalmente, derrubar o regime de Assad”, afirma o escritor americano Paul Street, autor de sete livros sobre a política americana. “Os jihadistas estão sendo derrotados agora principalmente graças à intervenção da Rússia e do Irã. A Síria é uma grande marca negra no registro de Obama.”

HORROR Integrantes do Estado Islâmico, grupo envolvido em conflitos no Oriente Médio e responsável por ataques terroristas em todo o território
HORROR Integrantes do Estado Islâmico, grupo envolvido em conflitos no Oriente Médio e responsável por ataques terroristas em todo o território

Ataques covardes

Usado como argumento por Trump para atacar Assad, os atentados com substâncias tóxicas são condenados internacionalmente por causa de seu caráter destrutivo e covarde, diferentemente de um confronto convencional, em que tropas, soldados e ofensivas estão delimitados. “Os compostos usados não tem cheiro nem cor, somem no ar, é um ataque que não se pode ver”, afirma Camilla Colasso, bioquímica especialista em armas químicas e autora do livro “Armas Químicas: o Mau Uso da Toxicologia”. “Ao se dar conta do que aconteceu a pessoa já está passando mal, sem chance de sobreviver.”
Para o especialista em questões de segurança no Oriente Médio, Rodger Shanahan, do Instituto Lowy de Política Internacional, a grande questão é por que esse tipo de ataque continua a acontecer. A Síria assinou acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) em 2013, logo após o primeiro grande ataque com arma química, se comprometendo a destruir todo o estoque de sarin. Foi o 189º a fazer parte da convenção sobre o tema, da qual apenas Coreia do Norte, Sudão do Sul e Egito não são signatários. “Seria preciso descobrir quem realmente autorizou o ataque. Uma arma química teria que ter sido deliberadamente movida para uma base aérea e carregada para uma aeronave. Isso foi ordenado pelo governo? Foi uma mensagem aos rebeldes ou a intenção foi constranger Assad? Há muitas possibilidades e poucas respostas”, diz Shanahan, que acredita que, para evitar futuros ataques, seria preciso provar quem foram os responsáveis e puni-los. Foi o que fizeram os Estados Unidos mesmo sem aval da votação do Conselho de Segurança. Nas últimas horas, as tensões ganharam intensidade. Os russos disseram que o plano americano de lançar mísseis foi elaborado antes dos ataques químicos. Logo depois, a embaixadora americana Nikki Haley afirmou que seu país está “preparado para ir mais longe.” O mundo espera que não seja longe demais.

POR QUE A GUERRA SÍRIA TEM IMPACTO MUNDIAL

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> O país está no coração de uma área de conflitos historicamente influenciada pelas potências mundiais

> O ataque americano coloca duas mais importantes – Rússia e Estados Unidos – em confronto direto.
O governo de Vladimir Putin é aliado do ditador Bashar Al-Assad

> Também torna incerta a reação do Irã, outro país aliado de Al-Assad, inimigo de Israel e com forte presença no Golfo Pérsico

> Deixa em discussão o combate ao grupo extremista Estado Islâmico, que hoje controla boa parte do território sírio, na região mais próxima da Turquia. Uma coalisão internacional integrada também pela Síria, Estados Unidos e Rússia luta contra
os extremistas

> Deve agravar a crise de refugiados, a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Grande parte das pessoas que procuram abrigo na Europa são sírios fugindo da guerra, que já dura 6 anos e é uma das mais cruéis dos tempos modernos

Fonte: Isto É

Veja abaixo como está a situação em algumas cidades sírias:

 

  • Daraa: O controle da cidade onde começou a revolta contra o governo foi retomado pelas forças de Bashar Al-Assad mas ainda tem presença de rebeldes e é palco de alguns atentados.
  • Damasco: A capital é o principal reduto do regime. Mantém embaixadas de governos estrangeiros e vida social ativa. É poupada dos grandes combates, mas também é alvo de atentados. O último, deixou 74 mortos e é reivindicado pela Frente Fateh al-Sham, ex-facção da Al-Qaeda
  • Palmira: A cidade histórica, com mais de 2.000 anos de antiguidade e considerada Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco, foi tomada em dois momentos pelo grupo Estado Islâmico. Primeiro, em maio de 2015. Dez meses depois foi expulso pelos soldados sírios, apoiados pela aviação russa. Depois, em dezembro de 2016
  • Raqqa: É considerada a “capital” do Estado Islâmico no país e do califado que o grupo criou na Síria e no Iraque, e onde aplica a lei islâmica (sharia). É alvo de bombardeios aéreos da coalizão comandada pelos EUA e de incursões da Força Aérea Russa.
  • Aleppo: Foi retomada das mãos dos rebeldes em Dezembro de 2016, após mais de quatro anos de combates, o que foi considerado a maior vitória do governo desde o início da guerra. A segunda maior cidade do país era a capital econômica, mas tem grande parte destruída.

 

 

Assad no poder

 

Além de perder territórios, os grupos rebeldes também perderam força simbolicamente e já não mais apresentam a possibilidade de substituição do governo, como o Exército Livre da Síria chegou a ser visto no início do conflito.

Portanto, a guerra completa seu sexto ano com uma previsão pouco provável em anos anteriores: a ideia de que Bashar Al-Assad continuará no poder. “Apesar de Bashar ter cometido crimes de guerra, assassinato de civis e tortura, ele acabou virando uma espécie de único agente possível”, diz Brancoli, da UFRJ.

Pio Penna, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), concorda que a fase mais sangrenta da guerra passou, mas alerta para a violência que deverá ocorrer quando os governos sírio e russo focarem na derrota do grupo extremista Estado Islâmico.

“Não quer dizer que não teremos novos episódios sangrentos. Quando chegar a vez de Raqqa, não será agradável”, afirma sobre o que pode ocorrer na cidade que é considerada a “capital” no EI na Síria. “Outro tipo de violência, que não é a da guerra e a do combate, é a violência do próprio regime contra todos que considera opositores, como as violações de direitos humanos em prisões e torturas”, acrescenta.

 

Negociações de paz

 

Os diálogos de paz, que antes eram realizadas na Suíça com organização da ONU, em 2017 passaram a ser feitos no Cazaquistão, patrocinados por Rússia e Irã, principais aliados do governo de Bashar al-Assad, e Turquia, que respalda os grupos rebeldes.

Até o momento, as conversas não produziram nenhum avanço significativo, mas a mudança de local e da organização indica a vontade da Rússia de atuar de maneira mais enfática.

Após diálogo de paz sobre a Síria em Astana, o ministro de relações exteriores da Turquia, Sedat Onal (esq.), aperta a mão do ministro das relações exteriores do Cazaquistão, Kairat Abdrakhmanov, enquanto o enviado especial russo para a Síria Alexander Lavrentiev aperta a mão do ministro de relações exteriores do Irã Hossein Jaber Ansari (à dir.); entre eles, o enviado especial da ONU para a Síria Staffan de Mistura (Foto: Sergei Grits/AP)

A mudança “indica uma movimentação de quem tem capacidade e quem tem certo capital simbólico na Síria hoje em dia. A ideia de mudar geograficamente inclusive a área de negociação e de quem decide quem vai também denota essa modificação no conflito”, afirma Brancoli.

Os Estados Unidos, por sua vez, tiveram um certo distanciamento em relação ao conflito com a eleição de Donald Trump, segundo apontam os especialistas. Desde sua campanha, Trump tem mostrado que seu foco é combater o EI, e nem tanto tirar Assad do poder, como defendia Obama.

“As declarações e as ações de Trump indicam uma postura favorável a uma solução pragmática para a Síria, sem um grande envolvimento dos EUA. Isso se combina com suas sinalizações a respeito de Putin e da Rússia, que são hoje os fiéis da balança na Síria”, diz Salem Nasser, da FGV.

 

Como começou a guerra

 

Inspirados pelas revoluções da Primavera Árabe, protestos começaram em março de 2011 em Daraa reagindo à prisão e tortura de dois adolescentes que tinham grafitado o muro de uma escola. Os protestos tinham um caráter pacífico, com a maioria sunita -que se considera prejudicada pelo governo- e a população em geral reivindicando mais democracia e liberdades individuais.

No fim de julho do mesmo ano, centenas de milhares de sírios saíram às ruas em todo o país exigindo a saída de Assad.

Aos poucos, com a repressão violenta das forças de segurança, os protestos foram se espalhando pelo país e se transformando em uma revolta armada com o objetivo de derrubar o regime e apoiada por militares desertores e por grupos islamitas como a Irmandade Muçulmana, do Egito, e radicais como o grupo Al-Nursa, “franquia” da rede terrorista da Al-Qaeda, e mais tarde o Estado Islâmico. Atualmente, dezenas de grupos armados atuam na guerra.

Assad se recusou a renunciar, mas fez concessões para tentar aplacar os manifestantes. Ele encerrou o estado de emergência, que durava 48 anos, fez uma nova Constituição e realizou eleições pluripartidárias. Mas as medidas não convenceram a oposição, que continuou combatendo e exigindo sua queda.

Jihadistas do Estado Islâmico exibem suas armas e bandeiras do grupo em comboio em uma estrada de Raqqa, na Síria, em maio de 2015 (Foto: Militant website via AP)

A guerra se tornou ainda mais complexa na medida em que potências estrangeiras passaram a apoiar ambos os lados. Estados Unidos, Turquia e Arábia Saudita apoiam rebeldes. Os EUA, junto com Reio Unido e França, também realizam ataques aéreos. Rússia, Irã e o movimento Hezbollah no Líbano são aliados do governo sírio. Em 2016, o jornal “Washington Post” descreveu o conflito como uma “miniguerra mundial”.

O número de mortes não é consenso. Segundo o enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, a guerra deixou 400 mil mortos. Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), ONG com uma ampla rede de contatos no país, fala em 320 mortos. Já o Centro Sírio para Pesquisa Política, estima 470 mil mortos.

Pessoas vasculham os destroços de um prédio após um bombardeio na cidade síria de Idlib, controlada por rebeldes

Com família dividida entre 5 países, jovem sírio ganha ‘irmão’ brasileiro em SP

O estudante de engenharia Hakam vendeu água mineral na rua, trabalhou em loja e, depois de acolhido por brasileiro, voltou à universidade; guerra completa 6 anos nesta quarta.


 

Como fez com tantas outras famílias, a guerra da Síria separou o jovem Mohammed Alhakam Elyoussef, de 24 anos, de todos os seus parentes mais próximos. O pai, a mãe e uma irmã estão na Turquia. Outra irmã está na Suécia e uma terceira, na Arábia Saudita. O irmão está na Jordânia. Já Hakam, como é conhecido, mora em São Paulo, no Brasil.

Ele chegou aqui sozinho, no início de 2014, sem conhecer ninguém nem falar uma palavra de português. Estava fora de seu país desde 2012, segundo ano do conflito que nesta quarta-feira (15) completa seis de duração.

Sua casa na cidade de Homs e a faculdade onde estudava engenharia aeronáutica haviam sido destruídas por bombas. Seu pai, um engenheiro civil dono de uma construtora, perdeu tudo o que construiu ao longo da vida. Primos de Hakam haviam morrido no conflito e ele teria que entrar para o exército. “Eu não queria matar ninguém e também não queria que ninguém me matasse”, conta. “A situação ficou muito difícil e tive que sair de lá.”

 

“Eu não queria matar ninguém e também não queria que ninguém me matasse. A situação ficou muito difícil e tive que sair da Síria”

 

O jovem foi para o Egito e sua família tentou se reunir com ele lá, mas os vistos foram negados. Todo mundo foi então para a Jordânia, mas dessa vez foi Hakam que teve a entrada negada. Sem uma vida estável nem perspectiva de voltar a estudar, ele resolveu sair do Egito, mas não tinha para onde ir. Nenhum país dava visto para os sírios e ele não tinha dinheiro para enfrentar a perigosa e cara travessia clandestina de barco até a Europa.

Um dia, Hakam passou em frente ao consulado do Brasil no Cairo com um amigo e resolveu entrar. A experiência foi tão marcante que ele lembra até hoje o endereço exato do lugar. “O cônsul estava tomando café e nos chamou para conversar. Foi a primeira vez que tomei café com um oficial de governo. Consegui o visto”, diz.

Chegando a São Paulo, passou a vender garrafas de água na porta de um metrô para sobreviver. Trabalhou em uma loja de Florianópolis por um tempo, mas queria mesmo era validar seu diploma para continuar a universidade. Tentou em Porto Alegre, sem sucesso, até que voltou para São Paulo, desanimado.

 

‘Irmãos’

 

Foi quando conheceu, em uma farmácia, André Suaiden, de 36 anos, logo após ter cortado a mão e não ter sido atendido adequadamente em um hospital público. Farmacêutico, André conversou com ele em inglês, escreveu uma carta em português explicando o problema e o encaminhou a outro hospital. Depois, vendeu a ele o remédio certo e os dois emendaram uma conversa sobre a vida de Hakam.

“Vi que ele tinha uma inteligência fora do comum. Fala inglês e francês fluente, árabe, estava aprendendo português. Ele me contou que chegou a morar na rua aqui no Brasil. Falei: você vai para minha casa morar comigo”, conta o brasileiro.

O estudante de engenharia Hakam chegou no Brasil em 2014; hoje, dá aulas de inglês e árabe e ensina português para conterrâneos

Os dois se tornaram amigos – ou melhor, “irmãos”, como salienta Hakam. “Eu nunca tive irmão mais velho, e agora o André é meu irmão mais velho”, diz ele, que frequenta a casa do brasileiro em São José do Rio Preto (interior de SP) e considera seus pais e irmãos como se fossem sua familia também.

Segundo o sírio, que hoje fala português fluente e tem uma namorada brasileira, André foi a pessoa que o ajudou a se levantar. “Quando eu cheguei aqui, sofri muito. O André foi a pessoa que pegou na minha mão e falou: ‘agora você vai se fortalecer’. Ele me disse: ‘cara, você tem capacidade, tem que voltar a estudar’. E eu consegui me estabilizar. Parece que a vida está começando de novo. O povo sirio quer viver, a gente saiu da guerra para viver, construir um futuro bom para a gente e para as nossas famílias”, diz.

 

“Quando eu cheguei aqui, sofri muito. O André foi a pessoa que pegou na minha mão e falou: ‘agora você vai se fortalecer’. E eu consegui me estabilizar. Parece que a vida está começando de novo”

 

Hakam voltou para a universidade neste ano. Estuda engenharia mecânica e pretende fazer uma pós-graduação em aerodinâmica. Para ganhar a vida, dá aulas particulares de inglês e árabe, além de dar aulas de português gratuitas para outros refugiados sírios.

Ele e André acolhem com frequência outros sírios em casa, e atualmente dois conterrâneos de Hakam moram com eles – um é chef de cozinha e o outro conserta celulares na rua 25 de Março. Este último, Raed Almardini, de 28 anos, diz que também considera André um irmão. “Ele ficou feliz quando eu vim para cá. Chegava do trabalho depois das 10 da noite e me dava aula de português todo dia, para eu não me perder, para eu me virar”, lembra.

 

Prisão, tortura e trauma

 

Hakam também luta para se livrar de um trauma que o acompanha desde a guerra. Por causa de seu ativismo em direitos humanos, ele foi preso na Síria. “Fiquei 20 dias numa solitária e mais 15 sendo torturado. Só querem bater em você, querem te quebrar. Até agora não consigo sentir muito bem aqui [mostra o pulso] e não ouço bem de uma orelha. E ando um pouquinho torto”, diz.

A pior parte, segundo ele, foi o tempo na solitária. “Se você fechar os olhos agora, não vai conseguir entender o nível de escuridão que era lá dentro”, diz à repórter. “Você não sabe onde andam suas ideias, se está vivo ou morto, dormindo ou acordado. Quando abriram a porta meus olhos doíam por causa da luz. Achei que tinha ficado lá um ano”, descreve.

Mas o jovem repete várias vezes que quer seguir em frente. “Eu não quero que isso me afete pelo resto da vida. A dor física passa. O importante é que não tiraram minha dignidade. Não posso mudar o que aconteceu. Tenho que ter a cabeça erguida, olhar para a frente”, diz.

E olhar para a frente, para Hakam, significa focar em seu grande objetivo de se estruturar financeiramente para poder trazer a família para o Brasil, especialmente os pais. “Meu pai quase enlouqueceu quando perdeu tudo o que construiu durante a vida dele. Não quero que ele sofra mais. Nada mais. Quero que ele tenha a vida digna que ele me deu quando eu era criança”, afirma.

 

“Meu pai quase enlouqueceu quando perdeu tudo o que construiu durante a vida dele. Não quero que ele sofra mais. Quero que ele tenha a vida digna que ele me deu quando eu era criança”

 

Ele tem esperança de que o conflito em seu país acabe logo, mas não sabe se voltaria para lá, pois está muito apegado ao Brasil. Diz que não consegue explicar seu amor pelo país. “É só amor. O povo aqui é diferente. Ninguém me oprime ou me chama de terrorista, posso praticar a religião que quiser, namorar uma menina se eu quiser, fazer a minha vida do jeito que acho melhor. Aqui eu sinto que estou na minha casa”, completa.

 

Metade da população fora de casa

 

Metade dos sírios tiveram que deixar suas casas desde o início da guerra. Da população de cerca de 22 milhões no período pré-conflito, 6,3 milhões são hoje deslocados internos e ao menos 4,9 milhões se refugiaram em outros países, de acordo com dados de fevereiro de 2017 do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).

Os países vizinhos concentram o grande volume de refugiados vindos da Síria: só na Turquia são 2,9 milhões. No Líbano, os sírios que fugiram da guerra já são um quinto da população do país: são mais de 1 milhão de pessoas, no total.

Na Jordânia, os mais de 656 mil sírios já correspondem a 10% da população do país – nas áreas urbanas nesse país, 93% vivem abaixo da linha da pobreza. Os números podem ser maiores, já que correspondem apenas aos sírios com status oficial de refugiados.

Na Europa, mais de 884 mil sírios solicitaram asilo entre abril de 2011 e outubro de 2016. A maioria (64%) fez o pedido na Alemanha ou na Suécia.

Já o Brasil abriga 2.480 refugiados sírios, segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). O número absoluto é pequeno, mas proporcionalmente os sírios já são 1/4 de todos os refugiados admitidos no país, e a Síria se tornou o principal país de origem.

Fonte: G1