Novo abrigo para venezuelanos vai manter imigrantes não-indígenas, afirma a Defesa Civil de Roraima
Indígenas serão remanejados ao Centro de Referência ao Imigrante. Cerca de 380 venezuelanos foram levados ao novo abrigo em 28/10/17
Abrigo funciona dentro de ginásio poliesportivo na zona Oeste de Boa Vista (Foto: Jackson Félix/G1 RR)
O coordenador da Defesa Civil de Roraima, Doriedson Ribeiro, disse ao G1 em 29/10/17 que o novo abrigo para refugiados venezuelanos no bairro Tancredo Neve, zona Oeste de Boa Vista, deverá alojar somente imigrantes não-indígenas sem moradia.
A expectativa é que o remanejamento de indígenas seja realizado até quarta-feira (1º) para o Centro de Referência ao Imigrante, no bairro Pintolândia, também na zona Oeste da capital.
Em 28/10/17, cerca de 380 venezuelanos adultos e crianças que viviam em acampamento improvisado na área externa da Rodoviária de Boa Vista foram levados ao novo abrigo por meio de uma operação integrada entre a Defesa Civil e a Polícia Militar.
Desde 2016, milhares de venezuelanos vêm cruzando a fronteira com o Brasil por Roraima, fugindo da crise política e econômica que assola o país governado pelo presidente Nicolás Maduro.
De acordo com Ribeiro, o abrigo já era utilizado pela Defesa Civil para atender pessoas em situação de vulnerabilidade e emergência, como ocorreu com a cheia do Rio Branco em Junho de 2017
Cinco barracas da Defesa Civil foram montadas neste domingo (26) (Foto: Jackson Félix/G1 RR)
O coordenador da Defesa Civil informou ainda que, apesar de já estarem chegando imigrantes ao local, o ginásio deve passar por algumas adequações estruturais para receber os venezuelanos, como limpeza e instalação de barracas.
“Vamos fazer a improvisação de alguns jirais para que sejam utilizados para a lavagem de roupas, a instalação de mais barracas e a limpeza do local”, disse.
Neste domingo começaram a ser montadas as primeiras barracas com capacidade para seis pessoas. Inicialmente foram erguidas cinco delas. Ao longo da semana devem ser montadas outras dez, pois, segundo Doriedson Ribeiro, alguns venezuelanos estão apenas de passagem por Boa Vista.
No primeiro momento o gerenciamento será de responsabilidade da Defesa Civil e contará com apoio de ONG’s que fornecerão alimento e ajuda humanitária.
Abrigo deve alojar imigrantes não-indígenas (Foto: Jackson Félix/G1 RR)
Pedidos de refúgio
O número de solicitações de refúgio em Roraima chegou a 12193 de Janeiro a Setembro de 2017 . Com o aumento da crise econômica e política no país vizinho neste ano, a procura é quase cinco vezes maior que a soma de todos os pedidos feitos de 2014 a 2016.
Venezuelanos em Roraima
O governo do estado estima que 30 mil venezuelanos entraram em Roraima desde 2016. A imigração cresce conforme a crise na Venezuela se alastra nos setores de emprego, alimentos e remédios.
Conforme dados divulgados pela Polícia Federal em Roraima, a maioria dos venezuelanos que migram para o estado são de Caracas, capital do país. Mais de 58% são homens e jovens entre 22 e 25 anos. A maior parte deles são estudantes (17,93%), seguidos por economistas (7,83%), engenheiros (6,21%), e médicos (4,83%).
Nas filas para entrarem no Brasil, em Pacaraima, os imigrantes relatam que deixam o país vizinho devido a fome e ao desemprego. Muitos deles buscam recomeçar a vida no Brasil.
Nas ruas de Boa Vista muitos deles estão em busca de trabalho. Nos últimos sete meses o Ministério do Trabalho no estado (MTE-RR) registrou um recorde de emissão de carteiras de trabalho a imigrantes venezuelanos. Nesse período, foram entregues quase 3000 CTPS a venzuelanos. Em 2015 foram emitidos apenas 257 documentos, já em 2016 esse número saltou para 1.331.
Fonte: G1
Na Venezuela, a vida real num país arruinado
As privações passaram a fazer parte do dia a dia de uma sociedade atingida pela maior crise dos últimos 20 anos. Como vivem os venezuelanos que não têm militância política e lutam pela sobrevivência num país destruído pelo chavism

Os olhos de Fátima Rodrigues, de 63 anos, só se enchem de água ao falar de duas coisas: a impossibilidade de tomar seus remédios de uso contínuo e a falta que sente das viagens, uma grande paixão. Hoje, o dinheiro da pensão dela e do marido, aposentados, mal cobre a comida e os gastos com água e luz. Hipertensa e com problemas cardíacos, desde dezembro Fátima não toma os remédios de que precisa ou porque não os encontra ou porque, quando aparecem, os preços são proibitivos. “Consegui faz uns dias uma caixa de Glucofage, mas só”, diz. As viagens ao exterior se tornaram coisas ainda mais rarefeitas na vida de Fátima. As últimas incursões foram ao Equador e à Colômbia, há mais de dez anos. Quando jovem, ela conta que trabalhava três ou quatro meses em um emprego temporário, como secretária ou telefonista, e juntava o suficiente para uma de suas jornadas para fora. “Fui duas vezes aos Estados Unidos. Conheço a Europa, fui várias vezes a Portugal, Espanha, Itália, Panamá, México, Austrália, Brasil, África do Sul. Tudo isso pude conhecer, mas era outro momento”, diz, na sala da casa em que mora com o marido, José Miguel, de 66 anos, e o filho mais novo, comprada com o dinheiro de uma pequena herança deixada pela mãe.
Nos últimos meses, a Venezuela entrou em convulsão. Uma grave crise contrapõe o governo de Nicolás Maduro à oposição e tem transbordado diariamente para as ruas da capital Caracas. Os confrontos entre manifestantes armados de coquetéis molotov e um forte aparato de repressão policial se tornaram cotidianos e já causaram pelo menos 70 mortes. O impasse também é institucional. Na crise, Maduro aprofundou a natureza autoritária do governo. Na semana passada, o Tribunal Supremo de Justiça, controlado pelo Executivo, diminuiu os poderes da procuradora-geral, Luísa Ortega Dias, uma das principais vozes dissidentes contra o regime. Uma inflação avassaladora, projetada para ultrapassar os 1.000% até o fim do ano, corrói a renda das famílias, transfere o dinheiro dos pobres para os muito ricos e passou a afetar a alimentação no dia a dia. Adicionem-se a esse quadro sombrio índices altíssimos de violência – em Caracas, a taxa de homicídios alcançou 91,8 para cada 100 mil habitantes, de acordo com a ONG Observatório Venezuelano de Violência. São números de guerra civil. Sem perspectiva de melhora, os venezuelanos de classe média, como Fátima e José Miguel (foto abaixo), tentam manter, aos trancos e barrancos, alguma rotina de normalidade em meio ao caos.

No imóvel do casal, a decoração é feita de imagens de Nossa Senhora de Fátima e quadros com a técnica de pontilhismo, obras de José Miguel. As telas registram as paisagens de Macuto, a cidade onde Fátima e José Miguel vivem, uma espécie de Paraty da Venezuela, com suas pequenas casas de fachadas coloniais pegadas umas às outras. O município fica em Vargas, estado caribenho a uma hora de Caracas. A casa está em obras faz quatro anos, mas há mais de um ano o casal não consegue dar continuidade à reforma. “Quando há dinheiro, não há cimento, quando há cimento, não há dinheiro.” Em meio ao entulho da garagem, há um carro, coberto por uma lona. Sem peças de reposição, o veículo não roda há três anos. O andamento trôpego da reforma está longe de ser a questão mais aflitiva para a família. Fátima diz que, desde 2014, o dinheiro começou a rarear a ponto de não dar mais para comprar comida para as três refeições. “De manhã, tomamos café preto sem leite e uma fatia de pão, quando há”, diz Fátima. “Se comemos bem pela manhã, não há comida para jantar.”
Nos últimos dois anos, José Miguel perdeu 20 quilos e Fátima 8. “Chamamos isso aqui de dieta Maduro”, diz José Miguel, numa alusão ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Com as aposentadorias de professora primária de Fátima e de funcionário público de José Miguel, a renda familiar mensal chega a 440 mil bolívares, mais ou menos US$ 70, o equivalente a R$ 230. “Antes fazia compras quinzenais, com carne e frango. Hoje, 1 quilo de carne, no mercado do preço controlado, custa 10 mil bolívares. É impossível”, diz Fátima, que cresceu na cidade de La Guaíra numa família de imigrantes portugueses que vieram para a Venezuela entre os anos 1940 e 1950 e levavam uma vida de classe média, sem luxos, mas também sem privações. “Na minha casa, era sempre primeiro a comida”, diz. “Tínhamos educação pública e outras pequenas coisas, mas meu pai era obcecado por comida. Provavelmente porque viveu a guerra.” Hoje, Fátima deseja que os filhos emigrem. A filha, advogada, conseguiu tirar a cidadania portuguesa e pensa em deixar o país em breve. Fátima tenta juntar dinheiro suficiente para que o filho, técnico em informática, faça o mesmo. “Nós não podemos ir embora, mas meus filhos sim, eu gostaria que fossem, porque acho muito difícil conseguirem prosperar aqui.”
Em Vargas, em março, a organização católica Cáritas causou furor ao divulgar que mais de 50 crianças em diferentes comunidades carentes da região apresentavam um quadro severo de desnutrição. Em 2016, a Pesquisa Nacional de Condições de Vida na Venezuela (Encovi) registrou que 93,3% dos venezuelanos, à semelhança de Fátima e José Miguel, não consideravam sua renda suficiente para comprar comida. Entre os entrevistados, 73% declararam ter perdido em média 8,7 quilos no último ano. Nesse quadro de insegurança alimentar, a escassez de remédios é um flagelo adicional. Em janeiro, a Federação Farmacêutica da Venezuela calculava que no país faltavam 85% dos medicamentos básicos.
A crise com contornos humanitários é paradoxal porque a Venezuela é dona das maiores reservas de petróleo do mundo. A riqueza tornou-se, porém, uma espécie de maldição para os venezuelanos – o país tornou-se cronicamente dependente das exportações do recurso natural. Estruturado no século XX, o modelo econômico foi mantido por todos os governos. Quando ascendeu ao poder em 1999, o presidente Hugo Chávez prometeu que usaria as divisas do petróleo para diversificar a economia e redistribuir renda por meio de programas sociais. Enquanto os preços do barril do petróleo experimentavam um boom durante os primeiros anos deste século (chegaram a mais de US$ 100 entre 2011 e 2014), Chávez ficou com os cofres cheios e cumpriu a segunda promessa – o que vale, até hoje, a gratidão de um grande contingente de venezuelanos mais pobres aos herdeiros do chavismo.
Ao mesmo tempo, com o lema do “socialismo do século XXI”, Chávez interveio pesadamente em setores da economia privada, desarticulando-os, e aumentou a dependência do país do petróleo, que passou a corresponder a 96% das exportações da Venezuela (em 2009, esse número era de 80%). De um lado, o controle de preços e os supermercados estatais quebraram os pequenos comerciantes – caso clássico de um governo que, no discurso, defende os menos favorecidos, mas, na prática, cria políticas que contra os mais pobres. De outro, ao usar a estatal PDVSA para programas sociais e fins políticos, Chávez desestruturou a empresa. A petroleira perdeu quadros técnicos para a Colômbia e o Equador e está no quarto ano consecutivo de queda da produção. “Continuamos com a mesma base da economia e a política do chavismo agravou nossos problemas. Em vez de mudar a economia, exacerbou o modelo anterior, porque exacerbou o estatismo”, diz Margarita López Maya, historiadora e autora do livro El ocaso del chavismo. “Nosso aparato produtivo está colapsado.”
Sem uma base econômica variada – e, portanto, mais vulnerável às variações de preço de seu principal produto –, a Venezuela degringolou a partir de 2014, quando a cotação do barril do petróleo iniciou uma queda rumo aos atuais US$ 40. A escassez de dólares freou a importação de alimentos e de insumos produtivos. Com a escassez de produtos, veio a subida irrefreável de preços. Até abril deste ano, a inflação acumulada chegava a 92,8%, de acordo com o Índice de Preços do Consumidor da Assembleia Nacional. O câmbio controlado pelo governo virou ferramenta de enriquecimento – quem tem acesso a dólares troca seus bolívares no mercado paralelo, um incentivo à corrupção. “Você pode ficar milionário se consegue o dólar oficial a 10 bolívares e o troca no mercado paralelo [hoje, o dólar nas ruas se aproxima de 8 mil bolívares]”, diz López Maya. “Imagine os negócios que estão fazendo.” Como ocorreu no Brasil dos militares, a inflação alta atua como um poderoso concentrador de renda.
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Na classe média venezuelana, o declínio do padrão de vida passou a ser sentido também pelos animais. Com a crise, os casos de abandono de cães nas ruas se multiplicaram, enquanto cada vez menos gente se dispõe a adotá-los, diz Maria de los Angeles, de 55 anos, dona de um abrigo para cachorros na zona de Carrizal, nos Altos Mirandinos, um subúrbio ao sul de Caracas. Maria diz que um saco de 25 quilos da ração mais barata custa 70 mil bolívares, praticamente o salário mínimo hoje na Venezuela, o que torna o sustento de um cachorro caríssimo.
No mês de dezembro, segundo Maria, chegaram a seu abrigo 40 cães poodle. “São cachorros que as pessoas compraram. Não vêm da rua”, diz. “Eu entendo que é a crise, mas não justifico. Se dois ou três passam fome em uma casa, passa fome também o cachorro. Na rua é pior, porque passa fome e ainda sofre pelo abandono.” Para Maria, os casos de abandono aumentaram não só pelos custos da alimentação, mas porque muitos venezuelanos estão indo embora do país e não levam os animais na mudança. “É custoso e difícil”, reconhece. No começo de junho, um dálmata cabisbaixo fora encontrado em frente ao abrigo, amarrado a um bambu, com uma tigela de água e um bilhete: “Meu nome é Brandon e eu tenho 16 anos”.
Em Caracas, os 6 milhões de habitantes incorporaram hábitos como sair mais cedo ou chegar mais tarde ao trabalho nos dias em que as manifestações trancam as ruas. À noite, poucos carros transitam e as ruas ficam vazias porque os caraquenhos, temerosos da violência, evitam sair de casa. De dia, acostumaram-se a fazer fila em busca de mantimentos básicos.
Nas portas da padaria Carroza del Pan, idosos jogam conversa fora nas mesas da varanda, sem consumir nada. A 1 quilômetro dali, dez caminhões da Guarda Nacional Bolivariana e outros quatro do destacamento de operações especiais marcam presença na entrada do subúrbio de San Antonio de los Altos. Ali, em maio, o biólogo Diego Arellano, de 31 anos, fora morto à bala num protesto. Depois da morte de Arellano, a presença policial na região se intensificou, e o clima entre os moradores é de temor.
Hildemaro Rodrigues Fernandes, de 34 anos, um dos donos da padaria (abaixo), não come pão há 15 dias. A farinha, cuja distribuição é controlada pelos militares, chegou há um mês e foi suficiente apenas para uma semana de produção – uma nova leva só no mês que vem. “No auge da padaria, nos anos 1990, recebíamos 200 sacos de farinha por mês, equivalentes a 900 quilos. Há duas semanas, nos chegaram 30 sacos. Nos disseram que, dentro de um mês, chegarão outros 30 sacos. E fazia um mês que não chegava nada.” O negócio familiar é tocado por três irmãos portugueses e seus filhos – entre eles, Hildemaro. Quando há farinha, ocorrência cada vez mais rara, a demanda por pão é tão grande que a fila da padaria dobra a esquina. Nesses dias, é distribuída a cada cliente uma senha que dá direito a uma baguete padronizada de 230 gramas, chamada de “canilla”. Quando não há farinha, Hildemaro e os outros sócios preenchem as prateleiras da padaria com produtos industrializados.

“Dá tristeza pensar em perder um negócio dos nossos pais, de mais de 20 anos. Para sobreviver, vendemos embutidos, cigarros, sucos, mas isso nem sequer permite pagar os gastos normais do negócio. Vamos vivendo com o que manda o governo e com o que conseguimos por aí, bachaqueado”, diz Hildemaro, usando o vocábulo, por excelência, da crise venezuelana. Bachaquero é a alcunha dada às pessoas que compram produtos nos mercados regulados pelo governo e revendem mais caro nas comunidades. Ao lucrar com a crise, são a personificação da inflação, e como tal são desprezados pela maioria dos venezuelanos. Bachaqueado é o produto comprado nesse mercado paralelo. A farinha que chega pelo governo vem ao preço regulado de 15 mil bolívares a saca. No mercado paralelo, o mesmo produto pode chegar a 350 mil.
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O impacto do desabastecimento é maior entre as pessoas mais pobres ou de classe média baixa, que, mesmo com acesso a programas sociais, tiveram o pequeno poder de compra corroído pela inflação. Moradora de Petare, uma das maiores favelas da América Latina, Gretty Toval, de 43 anos, perdeu 15 quilos em 2016, ano que qualifica como “tétrico”. “Foi terrível para nós. Filas por todos os lados, bachaqueros cobrando caro…”, diz Gretty. Petare lembra um morro carioca – as casas são sem reboco, as construções sobem a montanha e a “raspa canilla”, uma salsa mais intensa à base de teclados, soa alta durante todo o fim de semana. Num domingo de junho, carros velhos enfileirados tomavam quase toda uma rua de acesso à favela. Os moradores se reuniam sobre porta-malas fechados e avaliavam a condição das peças dos carros. Com a dificuldade de importar partes e comprar veículos novos, a ressolda e o conserto de peças quebradas se tornaram a única maneira de manter os carros rodando.
Na casa vizinha de Gretty, um cartaz propagandeia a venda de café “100% criollo” por 1.500 bolívares o quilo – uma pechincha. “O ano passado foi o da mandioca. Era a única coisa que conseguíamos comprar. Então fazíamos cozido de mandioca, mandioca frita, arepa de mandioca…”, diz Gretty, referindo-se ao tradicional prato venezuelano. A arepa é normalmente feita com farinha de milho, outro produto em falta e caro. Sem essa farinha, os venezuelanos recorreram à criatividade e aprenderam a fazer arepa com abóbora, mandioca e banana. As invenções motivadas pela premência de dar conta das necessidades básicas dentro do orçamento cada vez mais restrito viraram anedota recorrente entre os venezuelanos.
Mãe de uma menina de 16 anos e de um menino de 2, Gretty (abaixo) perdeu o emprego como auxiliar administrativa em dezembro. A empresa importadora de alimentos em que trabalhava fechou as portas e demitiu todos os funcionários. Desde então, Gretty sobrevive de bicos de enfermeira e faxineira, que pagam metade do salário, já baixo, que recebia. “Em meu emprego, eu ganhava um pouco mais que o mínimo [hoje na faixa dos 80 mil bolívares, equivalentes a US$ 10]. Agora, quando consigo bicos, faço 12 mil.” A filha, Giancarlit, deixara de estudar em colégio particular há dois anos, por falta de dinheiro. Daniel Matias, o menino, foi desfraldado mais cedo do que Gretty pretendia, com 1 ano e meio, porque a mãe não tinha como comprar fraldas. Além deles, Gretty sustenta a avó de 84 anos, vítima de um AVC e diabética, que precisa comer ao menos três vezes ao dia. Os quatro dividem um cômodo num sobrado onde moram outros familiares.

No ano passado, Gretty manejava a situação como podia e cortava de suas refeições para dar conta de alimentar a casa. Ela diz que a situação melhorou um pouco nos últimos meses, depois que o governo Maduro começou a distribuir as “caixas” dos Comitês Locais de Abastecimento e Distribuição, conhecidos como Clap. “Agora temos um pouco mais de comida. Não é tão fácil, mas não é como o ano passado.” A cesta básica subsidiada, ao custo de 10 mil bolívares, é composta essencialmente de produtos importados e vem com 1 quilo de açúcar, uma lata de óleo, lentilha, massa e um saco de leite. As cestas foram a resposta do governo Maduro para tentar mitigar o desabastecimento nas comunidades populares, a principal base de apoio do chavismo no país. Coordenada pelos militares, responsáveis pela administração dos alimentos no país, a distribuição dessas cestas é permeada por acusações de corrupção.
“Sei que há muita corrupção, era preciso ter uma mão mais dura e gente mais qualificada”, diz Gretty. Ela não gosta de Maduro, “que não é um líder como Chávez”, cujo governo, nos tempos áureos, promovia programas como “Barrio Adentro” e “Barrio Tricolor”, com distribuição de medicamentos e até venda de celulares subsidiados. A fachada da casa de Gretty foi reformada pelo “Barrio Tricolor” e a varanda foi pintada e gradeada. Um grafite com os olhos de Chávez (onipresentes em Caracas) ilustra o muro da frente. Apesar das ressalvas a Maduro, Gretty diz que “os ganhos da revolução precisam ser resguardados” e ecoa o discurso do governo de que o país sofre uma “guerra econômica” promovida pelos Estados Unidos e seus aliados – a narrativa populista que atribui os problemas internos de um país a um inimigo externo. “Eles não sabem o que estão fazendo. Ficam gritando na rua que vivemos sob uma ditadura. Não estamos vivendo numa ditadura. O que eu ouvia do meu avô sobre Pérez Jiménez [ditador da Venezuela entre 1952 e 1958] não é nada comparável.” Gretty também subscreve a narrativa do governo sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte para reescrever a Constituição. “Dará mais poder ao povo e vai resolver esta crise.”
A crença de boa parte dos venezuelanos de que o governo chavista é democrático ajuda a lhe dar sustentação, apesar da crise e dos largos passos rumo ao autoritarismo. A convocação da Constituinte foi a manobra encontrada por Maduro para tentar contornar o impasse aberto pela decisão do Tribunal Superior de Justiça venezuelano de cassar os direitos legislativos da Assembleia Nacional, controlada pela oposição. Diante de imensa reação negativa, o Tribunal recuou na decisão – e Maduro sacou a ideia da Constituinte. A iniciativa não aplacou a oposição, que passou a realizar protestos diários contra o governo, com a reivindicação de convocação de eleições nos estados (adiadas desde o ano passado) e para a Presidência. A Constituinte, diz a oposição, que anunciou boicote às eleições do dia 30 de julho, é apenas um subterfúgio do chavismo para se aferrar ao poder. Os preparativos por parte do governo, no entanto, seguem. Na primeira semana de junho, tendas montadas por coletivos que apoiam Maduro recolhiam, em diferentes pontos de Caracas, assinaturas de interessados em candidatar-se a uma das 545 cadeiras previstas na Assembleia. Em uma delas, lia-se em letras garrafais “Revolução = Paz”.
A escalada na crise política teve seu episódio mais bizarro na terça-feira (27 de junho), quando um oficial da polícia científica de Caracas sequestrou um helicóptero e sobrevoou o Tribunal Supremo de Justiça e o Ministério de Interior e Justiça. O governo chamou o ato de terrorismo e acusou o responsável Óscar Perez de disparar contra os prédios públicos. Perez, até o momento foragido, se diz parte de um grupo de servidores civis “que querem restaurar a ordem institucional” do país.
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De acordo com uma pesquisa da Universidade Central da Venezuela (UCV), nos últimos 15 anos, 2 milhões de venezuelanos emigraram do país. A fuga de talentos e jovens nos últimos anos também atingiu o Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis, conhecido como El Sistema, um dos maiores orgulhos venezuelanos. Fundado na década de 1970 pelo lendário maestro José Antonio Abreu como um programa para treinar crianças e adolescentes em música clássica, El Sistema se tornou reconhecido mundialmente por ser um veículo de ascensão social para jovens de comunidades carentes e pela qualidade dos músicos que forma, entre eles o maestro Gustavo Dudamel, hoje titular da Filarmônica de Los Angeles.
O trombonista Jesus Alberto Guerrero Lugo, de 21 anos, está no Sistema desde os 9 e diz que pelo menos dez amigos próximos da orquestra deixaram o país no ano passado em busca de melhores oportunidades. “Antes, uma bolsa dava conta de comprar cinco pares de sapato, roupa, saia, comida na rua, sair para comer com sua namorada, fazer compras para casa e ainda sobrava algum dinheirinho para gastar. Agora, mal paga a passagem de ônibus.”
Jesus diz que a redução no poder de compra da bolsa passou a comprometer a dedicação exclusiva dos músicos. “Há muitos músicos bons que têm de largar a música para trabalhar em enfermaria ou em loja porque a coisa não está boa. Quando eu entrei, El Sistema era uma coisa linda, essas coisas não aconteciam. Fazíamos um seminário da manhã até a tarde e te davam almoço, refrigerante. Agora não dão nem água.”
Entre os jovens maestros, que participam da formação de adolescentes nos núcleos do Sistema, a preocupação é com a grande evasão de instrutores, que formam a próxima geração de crianças. Eles calculam que, em 2016, 3 mil professores deixaram o El Sistema e foram para o México, o Equador e os Estados Unidos. “A Orquestra de Jalisco, no México, hoje é metade feita de venezuelanos”, diz um maestro.
Jesus (foto abaixo) pretende ficar em Caracas por mais um ano, mas quer deixar o país – em busca do sonho de se tornar famoso como cantor de salsa. Ele toca com bandas na noite de Caracas como forma de ter uma renda adicional. Em agosto, seu celular foi roubado quando deixava um dos shows pela manhã. Não comprou um novo desde então. Acha muito caro. “Com os roubos, sequestros, assassinatos, você tendo ou não, te matam. Minha esperança é que a coisa melhore. Mas isso leva tempo. É triste.”

“Todos os jovens que podem agarram sua mala e vão. E seus pais vão dizer que fiquem? Para quê?”, diz a antropóloga Adelaida Struck, diretora da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da UCV. “Na semana passada, tivemos a formatura de 423 estudantes. Em meu discurso, eu pedi: não vão embora da Venezuela, vocês são o futuro. Para um país que chega assim, ao fundo do poço, nós sabemos que, para recuperar, é preciso, no mínimo, uma geração.” Detrás de sua mesa, um retrato de Simon Bolívar espia seu amplo escritório no 8º andar do edifício central da faculdade.
Struck diz que a crise agravou um quadro orçamentário que já era ruim. “Meu orçamento mensal para toda a faculdade de administração, que tem 3.500 alunos, está em 10 mil bolívares [pouco mais de US$ 1], mais uma resma de papel, que vale 30 mil.” Segundo ela, boa parte das atividades da universidade está inviabilizada – os diretores flexibilizam o currículo e permitiram aulas à distância para lidar com as restrições de dinheiro e, recentemente, com os protestos.
Apesar da polarização política, Struck diz que o diálogo entre chavistas e oposição é possível. “Essa faculdade tem o maior número de chavistas da universidade. Vou cumprir cinco anos de decana e todo o meu trabalho, diário, foi para fomentar o diálogo e baixar a violência. Creio que esse é o mesmo trabalho que precisa ser feito junto à população. Uma vez que nós voltemos a ser um país livre, democrático e plural, a história não se apagará e simplesmente vamos ter o chavismo na oposição no governo.”
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Na segunda-feira (5 de junho), a coalizão de oposição Mesa de Unidade Democrática convocou uma paralisação geral em vários pontos de Caracas. A MUD é um amálgama de legendas que abarca desde partidos de centro-esquerda até de ultradireita. Ela voltou a ganhar tração em março e organiza o esforço contra a Constituinte de Maduro. O centro nervoso das manifestações são as imediações da Plaza Altamira, no distrito de alta renda de mesmo nome. Logo de manhã, relatos truncados, pelo telefone e pelas redes sociais, mencionavam uma repressão da polícia à concentração para o ato, nas primeiras horas do dia. No meio da tarde, a região ainda pegava fogo – literalmente. O governo tenta desqualificar os protestos como restritos “aos ricos burgueses” e “à direita”. Mas as tentativas de manifestações em La Vega e Valle, dois bairros populares de Caracas, ambos brutalmente reprimidos, são uma indicação de que a insatisfação penetra, devagar, entre as classes populares.
A duas quadras da Plaza Altamira, um senhor com uma espessa e quixotesca barba, munido de uma bandeira cubana feita de papelão, esbraveja com dedo em riste na direção dos presentes ao protesto – àquela altura, mais jornalistas do que manifestantes. “Digam ao senhor Maduro que a Venezuela não é Cuba, aqui é um país de gente decente.” Enquanto o senhor fala, três ou quatro chamos (moleque, na gíria venezuelana) tratam de tentar atear fogo à bandeira pintada. Uma, duas, três tentativas depois, queimam parte da bandeira. O papelão pintado resiste ao fogo.
Os chamos, adolescentes magros, morenos, de camiseta e jeans surrados, que denotam a origem nos “barrios”, as comunidades pobres concentradas no oeste de Caracas, chamam a atenção entre os manifestantes – em sua maioria, senhores e senhoras e jovens bem-vestidos, de classe média e alta, com bonés com a bandeira venezuelana. Nos protestos, eles costumam cobrir a cara e levam garrafas com gasolina para coquetéis molotov. As explicações para sua presença são múltiplas. Entre os manifestantes, há quem os saúde e há quem reclame que são infiltrados contratados pelo governo para causar confusão. Entre os chavistas, a versão é que a própria oposição os paga para ficarem na linha de frente contra a polícia e a Guarda Nacional Bolivariana. O fenômeno, no entanto, guarda semelhança com o visto em protestos no Brasil, em que jovens de periferia aderem às violentas táticas black bloc para manifestar sua insatisfação.
Na manifestação daquela segunda-feira, o médico oncologista Vladimir Galavis, de 56 anos (foto abaixo), levou uma bomba de gás lacrimogêneo nas costas. De capacete, saiu mais ou menos ileso, com um hematoma. Não fora a primeira vez que Galavis fora agredido pelo aparato de segurança. Em maio, o médico ficara famoso depois que uma foto em que aparecia abraçado a um policial durante um protesto foi publicada na internet. “Foi um impulso. Estávamos encurralados e eu comecei a gritar: não nos batam. Você fala isso para seu pai quando é criança. Eu comecei a caminhar na direção do policial e ele percebeu que não estava agressivo. Então, eu o abracei. Foi um abraço de compaixão, humano, e ele me abraçou também. Ele me disse: fica aqui comigo.” Momentos depois, Galavis foi derrubado por um jato do tanque de água da polícia.

Na mesa de seu consultório, o médico exibe uma coleção imensa de santos e miniaturas, lembranças dos pacientes, ele explica. Algumas foram dadas ao final do tratamento, como prova de gratidão. Outras foram deixadas para trás por aqueles que não sobreviveram. O médico diz que está protestando há quase 20 anos porque discorda da vasta maioria das políticas do chavismo, embora afirme não estar vinculado a nenhum partido da oposição. “O que eu quero é saúde e trabalho para meus pacientes.”
O médico diz que a situação da saúde dos venezuelanos é calamitosa. “Faltam medicamentos básicos, como antibióticos; 80% da medicação é inexistente.” Para os pacientes de câncer, o diagnóstico é ainda pior. “Pela falta de equipamentos, levamos um mês para diagnosticar o paciente e outros dois ou três para ver se conseguimos começar o tratamento. Não temos as doses de quimioterapia suficientes. Os protocolos não são cumpridos. O que isso quer dizer para pacientes oncológicos? Que não estão sendo tratados. Que morrem. Ou que vão reincidir. Não há morfina na Venezuela; 90% dos pacientes que morrem com câncer morrem com dor.”
Depois de uma hora de conversa, Galavis pede desculpas, mas diz que precisa sair. Vai para mais uma manifestação. Apesar das agressões sofridas, diz que se manterá nas ruas. “As pessoas não vão sair das ruas. Quantas semanas ainda levará? Não sei. Mas tem de haver um diálogo. Não há desfecho sem negociação e diálogo”, diz. “O problema é que não há interlocutor. Eles querem negociar uma Constituinte e nós queremos a transformação da Venezuela em um país democrático. É um drama.”
Fonte: Época
Crise humanitária da Venezuela se espalha e chega ao Brasil, diz relatório sobre direitos humanos
Organização internacional pede ajuda imediata ao estado brasileiro
Venda de alimentos à Venezuela puxa exportações de RR e em 6 meses estado tem aumento de 213% no setor, diz Seplan
Números da Seplan indicam que mais de US$ 8,2 milhões foi exportado por Roraima nos primeiros seis meses deste ano. Desse total, metade foi da venda de açúcar e arroz para a Venezuela.
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Principais produtos exportados pelo estado foram o arroz (33%), o açúcar (19%) e a madeira (13%), apontam números da Seplan (Foto: Seplan/Reprodução)
Com esse aumento, sentido principalmente a partir de feveiro, o estado teve o melhor saldo superavitário dos últimos três anos registrando US$ 4,3 milhões na balança comercial. Ou seja, neste ano, o estado exportou mais do que importou, explica o enconomista responsável pelo levantamento da Seplan, Fábio Rodrigues Martinez.
De acordo com ele, o número contrasta com o da a balança comercial do primeiro semestre de 2016, quando foi registrado o défict de US$ 1 milhão. Na época, a Venezuela não importava alimentos de Roraima.
“Neste primeiro semestre, as exportações para a Venezuela representaram 77% do total de exportações de Roraima neste período. Ou seja, quase 80% do que Roraima exportou foi para a Venezuela. E a maior parte dessa venda foi de itens como arroz, açúcar, óleo e também materiais de higiene”, destaca.
Ele explica que com esses resultados, Roraima passa a ocupar o posto de principal fornecedor de arroz à Venezuela, vendendo mais ao país do que os principais produtores do cereal no Brasil.
“Agora Roraima é o maior fornecedor brasileiro de arroz para a Venezuela. Quer dizer, Roraima vende mais arroz à Venezuela que o Rio Grande do Sul, que é o maior produtor de arroz do Brasil”, afirma.
Apesar de servir para aquecer o comércio local e fortalecer a geração de empregos, o aumento nas exportações tem um lado negativo. Segundo o economista, o crescimento da exportação pode resultar no aumento dos preços de itens alimentícios aos consumidores do estado.
“A gente ainda não está vendo isso [aumento no preço dos alimentos], até porque o preço da cesta básica tem caído. No entanto, se Roraima não for abastecido com itens alimentícios pode sim haver um aumento nos preços. Existe essa possibilidade, mas acredito que as empresas locais estão preparadas para esse aumento das exportações”.
Com o resultado positivo, que não inclui a soja cultivada em Roraima, a expectativa é que o número de exportação cresça ainda mais no segundo semestre com início da colheita do grão. “Pode ser que o valor de exportação aumente no segundo semestre, quando começa a venda de soja”, finaliza Martinez.
Fonte: G1

“O sistema de saúde de Roraima já estava sobrecarregado antes da chegada deles”, explica o pesquisador César Muñoz, responsável por elaborar o relatório.
Mais de 7 mil pessoas cruzaram as fronteiras só em 2016, vivendo nas ruas ou em abrigos em Boa Vista. A HRW estima 12 mil venezuelanos no Brasil desde 2014. À organização, os refugiados afirmam terem deixado o país por falta de medicamentos, alimentos e medo do aumento da criminalidade. O Hospital Geral de Roraima calcula receber, em média, 300 venezuelanos por mês. O aumento da demanda gerou uma crise no sistema de saúde público local.
Os pacientes dão entrada com doenças como pneumonia, malária e tuberculose, normalmente acompanhadas de complicações devido à escassez de recursos ou falta de medicamentos. Muitos aguardam atendimento nos corredores por falta de leitos nos hospitais. Alguns dos entrevistados pela organização disseram vir ao Brasil apenas para ter acesso a remédios ou determinados tipos de tratamento.
Em dezembro passado, a governadora de Roraima, Suely Campos, decretou emergência na saúde para receber auxílio do governo federal. No entanto, até fevereiro deste ano, alega não ter recebido qualquer tipo de ajuda.
Para a HRW, o governo brasileiro relatou ter recebido 2.595 pedidos de refúgio só em 2016. Em 2013, eram apenas 54 pedidos. A demora na deliberação das decisões gera atraso em outras análises, aumentando a quantidade de imigrantes que aguardam regularização de sua situação no país. De 4.600 pedidos de refúgio, apenas 89 casos foram decididos.
A Polícia Federal calcula cerca de 200 agendamentos diários de venezuelanos que desejam continuar no Brasil – a fila de espera dos atendimentos vai até 2018. Aqueles que aguardam se encontram em um limbo jurídico, sem acesso a direitos como o uso da carteira de trabalho. A situação irregular, para a organização, propicia a vulnerabilidade a abusos. Muitos encontram trabalhos exploratórios e não denunciam por medo de serem deportados.
O relatório também menciona que, diante da grande quantidade de venezuelanos em Roraima, novos imigrantes estão se dirigindo a Manaus.
Para a HRW, o presidente venezuelano Nicolás Maduro precisa reconhecer a crise e permitir entrada de ajuda no país. “A única maneira de resolver o problema é aumentando a pressão internacional”, afirma Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil.
A Venezuela vendo sendo pressionada por diversos países e organizações para reconhecer a situação de calamidade na saúde, causada pela escassez de alimentos e medicações. Os estados membros da Organização de Estados Americanos (OEA), em março deste ano, votaram por debater a situação de crise no local. Por outro lado, Maduro alega que a discussão seria uma forma de intervenção nos problemas internos locais. As críticas ao presidente aumentaram após o Tribunal Supremo assumir o papel do Legislativo, retirando a imunidade parlamentar dos membros da Assembleia Nacional (AN) na Venezuela. A decisão foi revogada, embora, segundo a HRW, alguns poderes ainda estejam restritos.
Na última segunda-feira, Maduro anunciou expansão de milícias para 500 mil membros no país. A dois dias de uma manifestação pacífica organizada pela oposição, o chefe de Estado alegou necessidade de “preservar a soberania da Pátria” e deu demonstrações de força ao convocar o exército a marchar pelas ruas da capital Caracas. Onze países da América Latina, incluindo o Brasil, pediram que a Venezuela garanta o direito ao protesto daqueles que discordam de Maduro.
CRISE POLÍTICA OFUSCA SITUAÇÃO HUMANITÁRIA
Tanto César Muñoz quanto Maria Laura Canineu enxergam os atuais problemas de escassez como parte de um contexto político, econômico e social vivido pela Venezuela nos últimos anos. “A situação humanitária só alcançou esse nível de gravidade em razão ao fechamento do país à observação internacional, por ter ignorado todos esses anos uma situação econômica que só se agrava, pela concentração de poderes, e pela falta de liberdade de expressão de jornalistas nacionais e estrangeiros”, explica a diretora da HRW.
“As pessoas tendem a ignorar que a crise política também resulta no agravamento da situação das pessoas, que ficam sem acesso a medicamentos num país rico e que tem muitos recursos naturais”, acrescenta.
Crítica ao governo de Maduro, Canineu afirma que a HRW enxerga quatro questões que precisam ser modificadas para melhorar a situação da Venezuela: o reconhecimento interno da crise e abertura do país para receber ajuda externa, a libertação de presos políticos, a fixação de um calendário eleitoral e a independência do Poder Judiciário.
“Vários médicos, enfermeiros e profissionais de saúde foram demitidos, ameaçados ou mesmo presos por criticar a situação de saúde no país”, lamenta a diretora
Fonte: O Globo
Venezuela sofre pressão internacional após ‘golpe’ de Maduro

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusado pela oposição de dar um “golpe de Estado”, foi alvo de uma avalanche de críticas da comunidade internacional nesta quinta-feira, após o Tribunal Supremo de Justiça assumir as funções do Parlamento.
“Na Venezuela, Nicolás Maduro deu um golpe de Estado”, denunciou o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, ao rasgar diante de jornalistas o documento com a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ).
Brasil, Estados Unidos, União Europeia, OEA, Colômbia, Chile, Peru, Argentina e México denunciaram imediatamente a decisão do Supremo venezuelano, enquanto a oposição anunciava protestos a partir de sábado.
Já o deputado Diosdado Cabello, um dos principais líderes do chavismo, pediu a seus seguidores que se preparem para “defender” nas ruas a Venezuela diante de uma eventual intervenção militar estrangeira.
“Vamos nos preparar para defender o país (…), para defender, inclusive, as pessoas da oposição, que está como louca pedindo que um Exército intervenha na Venezuela, que a Organização dos Estados Americanos (OEA) intervenha”.
– Golpe diplomático –
Em nota do Itamaraty, o governo brasileiro repudiou “a sentença do Tribunal Superior de Justiça da Venezuela, que retirou da Assembleia Nacional suas prerrogativas, em uma clara ruptura da ordem constitucional”.
Os Estados Unidos advertiram que “esta ruptura das normas democráticas e constitucionais prejudica enormemente as instituições democráticas da Venezuela e nega aos venezuelanos o direito a dar forma ao seu futuro através de seus representantes eleitos”.
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, denunciou o que chamou de “autogolpe” com as sentenças proferidas pelo TSJ que retiram a imunidade parlamentar dos membros da Assembleia Nacional e entregam o papel do Legislativo ao Supremo.
“Aquilo contra o que advertimos infelizmente se concretizou”, acrescentou o diplomata, fazendo referência a relatórios de maio de 2016 e março de 2017 nos quais chamou atenção para uma tendência antidemocrática na Venezuela.
O TSJ, acusado pela oposição de servir ao governo de Nicolás Maduro, declarou o Legislativo em desacato no início de 2016, devido à posse de três deputados opositores cuja eleição foi suspensa por suposta fraude. Por isso, cancelou todas as decisões parlamentares.
Embora a câmara tenha desvinculado estes deputados posteriormente, o Tribunal considera que o ato não foi formalizado.
Alegando o desacato, o TSJ já havia retirado a imunidade dos deputados, o que abriu a possibilidade de processá-los, inclusive ante tribunais militares.
– “Golpe de Estado” –
Após a divulgação da nova decisão do TSJ, o opositor Henry Ramos Allup afirmou que os parlamentares “devem seguir cumprindo seus deveres (…) e continuar exercendo, a qualquer preço, suas funções, porque para nós uma pessoa não nos deu um título de deputados, nós fomos eleitos”.
“Na Venezuela, Nicolás Maduro deu um golpe de Estado”, afirmou o presidente da Assembleia, Julio Borges, em uma declaração na qual anunciou que o Legislativo desconhece a decisão do TSJ, classificada de “lixo”.
“A Força Armada venezuelana não pode seguir calada diante da ruptura da Constituição. Sabemos que a imensa maioria dos oficiais (…) é contrária ao caos que ocorre na Venezuela”, desafiou Borges.
Um dos principais líderes da oposição, Henrique Capriles, denunciou que uma ditadura está em curso na Venezuela com a sentença do TSJ.
“A comunidade internacional precisa de que mais provas para terminar de fixar uma posição unânime e firme de que na Venezuela temos um governo à margem da Constituição?! Na Venezuela já há uma ditadura” – afirmou Capriles, ex-candidato presidencial e atual governador do estado de Miranda (norte).
“Este é um momento de gritar socorro para a comunidade internacional”, afirmou durante coletiva em Bogotá para pedir ajuda humanitária pela crise social e econômica na Venezuela.
Capriles destacou também que “um país que desconhece o Parlamento, que é a instituição mais representativa da democracia” está, então, “sepultando a democracia”.
Além da crise política em que se encontra mergulhada, a Venezuela sofre uma complicada situação econômica em que faltam 68% dos produtos básicos e a inflação atingirá 1.660% em 2017, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
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