Brasil terá 73,5 milhões de idosos em 2060

Envelhecimento reduzirá a capacidade de expansão da economia

    Mãos de um idoso – Alamy/Latinstock

    Um terço da população brasileira será formada por pessoas com 60 anos ou mais em 2060. Serão 73,5 milhões entre os 218,1 milhões habitantes do país. Em 2045, a população brasileira já começará a diminuir, segundo as projeções do IBGE.

    O cenário de envelhecimento da população pode ser mais preocupante diante dos riscos de se perder o chamado bônus demográfico — quando há proporcionalmente mais jovens em idade ativa que crianças e idosos. Segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Ence/IBGE, o bônus deve começar a se fechar a partir de 2030, e o Brasil corre o risco de desperdiçá-lo. Com uma população envelhecida, há redução do contingente de pessoas no mercado de trabalho, o que reduz a capacidade de crescimento da economia.

     

    — O envelhecimento é um custo grande para a população. É quando não só muitos param de trabalhar, mas também precisam de cuidados. A tendência é de redução do ritmo de expansão da economia. Se o Brasil não enriquecer antes de envelhecer, não enriquece mais — afirma. 

    Ele lembra o exemplo do Japão, que se tornou uma das maiores economias mundiais até 1990 e parou de crescer após envelhecer. Só que o país estagnou em um patamar elevado.

    Um aspecto em particular torna o envelhecimento ainda mais complicado: a própria população idosa envelhecendo. Em 2000, 33% dos idosos brasileiros estavam no grupo entre 60 e 64 anos, e apenas 0,1% era de centenários. Considerando a projeção da Divisão de População da ONU, em 2100, apenas 15% dos 75 milhões acima dos 60 anos terão até 64 anos, enquanto 39% terão 80 anos ou mais. (Lucianne Carneiro)

    Reformas de previdência devem ser acompanhadas de oportunidades extras de trabalho, diz especialista

    Pesquisador do Boston College defende políticas de estímulo a emprego

      Pesquisador do Centro de Pesquisas para a Aposentadoria do Boston College, Matthew Rutledge, defende a necessidade de políticas para garantir que os profissionais mais velhos tenham postos de trabalho no futuro. Ele afirma que, se um país aumenta a idade de aposentadoria, deve dar oportunidades extras aos seus trabalhadores. Os Estados Unidos, diz ele, vão levar 44 anos, até 2027, na transição da idade de aposentadoria mínima de 66 para 67 anos. O país também permite uma aposentadoria precoce, aos 62 anos, mas neste caso há uma série de restrições para quem opta por sair da ativa mais cedo.

      O Brasil debate agora uma reforma da previdência. Acredita que reformas devem ser acompanhadas por políticas para garantir que as pessoas tenham trabalho quando estiverem mais velhas?

      Um problema que tivemos nos Estados Unidos ao reformar o sistema de segurança social, para encorajar as pessoas a trabalharem e não apenas recorrerem a benefícios, foi o desempenho da economia. A mudança funcionou bem quando a economia crescia, havia muitos empregos disponíveis para as pessoas. Mas não foi bem de maneira nenhuma no fim dos anos 1990, quando a economia não ia tão bem para os trabalhadores de baixa renda. Há muitas pessoas lá fora que não conseguem benefícios porque não são capazes de encontrar um emprego. Eles querem trabalhar, e sabem que, se conseguirem trabalhar, conseguirão aumentar os benefícios que recebem do governo, mas não há empregos disponíveis. Toda vez que você passa reformas que estimulam as pessoas a trabalharem mais, mas não oferece oportunidades extras, as pessoas acabam ficando numa situação pior do que a que tinham no sistema anterior. É preciso ser muito cuidadoso quando dizemos às pessoas que elas precisam trabalhar mais. Também precisamos garantir que elas podem trabalhar mais, ou seja, que haverá alguém disposto a contratá-las. Faz sentido para mim que, se vocês vão estender a idade de aposentadoria, é preciso garantir que essas pessoas mais velhas serão capazes de continuar trabalhando e não apenas de esperar pela idade de aposentadoria sem nenhuma fonte de renda.

      ‘”É preciso garantir que essas pessoas mais velhas serão capazes de continuar trabalhando e não apenas de esperar pela idade de aposentadoria sem nenhuma fonte de renda”’

      – MATTHEW RUTLEDGEPesquisador do Centro de Pesquisas para a Aposentadoria do Boston College

      A idade mínima de aposentadoria nos Estados Unidos vai chegar a 67 anos em 2027. Como se dará a transição?

      A reforma da Previdência foi feita em 1983. Ou seja, ao todo, o processo levará 44 anos. Eles queriam realmente um período longo de ajuste. Reformas de Previdência são daquelas medidas que os políticos gostam, mas os eleitores nem tanto. Os eleitores não querem receber benefícios menores, independentemente de quando vão se aposentar. É uma mensagem difícil. Mas medidas duras às vezes são necessárias de um jeito ou de outro. Ou se aumenta os impostos ou se corta os benefícios.

      É mais difícil para os trabalhadores mais velhos conseguirem emprego?

      É difícil dizer porque muitos dos que perdem o emprego perto da idade de se aposentar não se preocupam em procurar emprego. Não estamos certos se é porque eles estavam preparados para se aposentar, e viver de suas reservas financeiras de qualquer forma, ou se sentiram que a busca por um posto de trabalho seria muito difícil. Na Grande Recessão, as pessoas realmente queriam trabalhar e continuavam a procurar, mesmo que o tempo de busca fosse o maior da história. Parte disso foi porque se estendeu o período do seguro-desemprego. O governo federal também garantiu que as pessoas estivessem ativamente buscando emprego para manter o seguro-desemprego, seja preenchendo formulários ou enviando currículos. Em vez de se aposentar, estavam ativamente procurando por uma vaga.

       

      O que se considera perto da idade de se aposentar?

      Depende da pessoa. Nos EUA, a idade da aposentadoria precoce, quando se pode começar a receber algum benefício, é de 62 anos. Se você perde emprego com 62 anos, provavelmente vai preferir pedir a aposentadoria do que ficar só procurando emprego. Mesmo que vá receber um benefício menor por ter pedido antes a aposentadoria.

      Seu estudo mostrou como as opções de emprego se reduzem para os trabalhadores mais velhos. Como isso ocorre?

      Há alguns anos, economistas já mostravam que havia postos de trabalho com mais perfil para pessoas de idade, como seguranças e porteiros, por exemplo. O que nosso estudo encontrou é que isso não é mais verdade para quem está nos 50 anos, embora ainda seja uma realidade para quem passou dos 60. Esses ainda enfrentam alguma discriminação por causa da idade, do receio do custo com a saúde ou de falta de energia. Pelo menos, as opções para quem está na faixa dos 50 anos hoje são maiores.

      O que explica isso?

      Nossa percepção é que quem está fazendo o recrutamento hoje envelheceu. Ou seja, se você já tem por volta de 50 anos não terá preconceito com as pessoas de sua idade, vai olhar as pessoas de sua faixa etária de maneira mais positiva.

      Governo estuda regime especial para aposentado que trabalha

      Jornada seria menor, e empregadores não teriam encargos trabalhistas

        Longa permanência. Carlos Alberto Nolasco se aposentou aos 58 anos, mas trabalha ainda hoje, com 70 – Fernando Lemos

         

        O governo pode criar um regime especial de trabalho para o aposentado, nos mesmos moldes do estágio, sem custos trabalhistas para os empregadores. A ideia foi apresentada a assessores do Ministério da Fazenda e, segundo interlocutores, está sendo analisada com cuidado. Tem como partida projeto do professor de Economia da USP Hélio Zylberstajn.

        Pela proposta, os aposentados com mais de 60 anos poderiam ser contratados por empresas, com jornada reduzida (quatro ou seis horas diárias) e sem encargos trabalhistas (FGTS, INSS, 13º). Teriam direito apenas a férias, sem adicional de um terço. Aposentados por invalidez não seriam incluídos na nova regra.

        A iniciativa é vista como uma forma de aproveitar a força de trabalho mais experiente, além de oferecer renda adicional aos idosos, sem aumento de custos. Hoje, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) fixa jornada diária de oito horas e 44 semanais — o que inibe contratações por período menor, pelo risco jurídico.

        Políticas para incentivar o trabalhador a permanecer mais tempo na ativa e o empregador a contratar profissionais mais velhos têm sido uma prática em outros países — onde as reformas dos sistemas de previdência vêm se tornando cada vez mais frequentes por causa do envelhecimento da população.

        PRÁTICAS NO EXTERIOR

        Ainda assim, há quem afirme que as medidas são tímidas e a inserção no mercado de quem já passou dos 60 anos é um desafio.

         

        Segundo o economista-chefe de Previdência da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), Hervé Boulhol, países têm endurecido regras para a aposentadoria precoce e dado bônus para quem posterga a aposentadoria:

        — Só que isso não garante que as pessoas consigam vagas. É preciso acabar com discriminação, restringir políticas de aumento automático de salário por idade e melhorar programas de treinamento.

        A Austrália elevou incentivos para empregadores que mantenham ou contratem trabalhadores mais velhos. Os Estados Unidos tornaram ilegal a aposentadoria compulsória por idade. Alemanha, Finlândia e Bélgica lançaram subsídios a salários de trabalhadores a partir de 50 anos.

        — Os países da União Europeia adotaram muitas iniciativas para elevar a idade da aposentadoria, mas foram menos atuantes em políticas voltadas ao mercado de trabalho — diz Robert Anderson, da Fundação Europeia para Condições de Vida e Trabalho (Eurofound, na sigla em inglês).

        Na avaliação de Claudio Dedecca, professor de Economia da Unicamp, as medidas compensatórias foram adotadas em países ricos porque a chance de aceleração do crescimento ali é pequena. O Brasil, diz, tem potencial para se desenvolver muito, o que permitiria absorver a mão de obra em idade avançada sem estímulos. Ele ressalta, porém, que isso dependerá da capacidade do país de crescer e da mudança no perfil do mercado de trabalho:

        — A absorção dependerá de nossa capacidade de mudar a estrutura produtiva para aproveitar pessoas mais educadas e mais velhas. Se não formos capazes, os efeitos sociais serão ruins e precisaremos de medidas desesperadas de correção.

        No Brasil, o engenheiro Carlos Alberto Nolasco se aposentou aos 58 anos, por tempo de contribuição. Mas continuou à frente de uma empresa belga até completar 65, quando deixou a presidência devido ao limite de idade imposto aos executivos. A opção para se manter ativo foi abrir uma consultoria e tornar-se conselheiro de empresas.

        — Quando entrei na companhia, sabia da regra, mas não quis encerrar a carreira aos 65 anos. O mercado não é amigável. A percepção é que as pessoas dessa idade já perderam o brilho, não querem fazer sacrifícios nem têm energia para o batente. Mas eu estou pronto pra guerra — diz Nolasco, hoje com 70 anos.

        Regras mais iguais para homens e mulheres, rotinas ainda diferentes

        Equiparar aposentadorias exigirá creches públicas e licença-paternidade maior

          EC Rio de Janeiro (RJ) 15/08/2016 – Reforma da previdencia – Mulher que parou de trabalhar para cuidar dos filhos demora mais para se aposentar. Na foto a recepcionista de creche Val Lima. Foto Hermes de Paula / Agencia O Globo. – Agência O Globo

          A reforma da Previdência em discussão pelo governo prevê o fim gradual da diferença de idade na aposentadoria de mulheres e homens. O tema divide especialistas. Os que defendem a proposta se apegam ao argumento de que é uma tendência mundial e ao fato de que, no Brasil, as mulheres vivem mais e se aposentam mais cedo. Logo, recebem o benefício por mais tempo, mesmo contribuindo menos. Os contrários reconhecem que a dupla jornada e os cuidados com filhos e idosos sobrecarregam as mulheres. Por isso, elas mereceriam tratamento especial, já que são as principais responsáveis pela futura força de trabalho do país e zelam pelos mais velhos.

          De um lado ou de outro, especialistas concordam que, caso a proposta de igualar a idade mínima em 65 anos passe no Congresso, ela deve ser acompanhada de maior oferta de creches e adoção de outras medidas, como ampliação da licença-paternidade e melhora na estrutura para cuidado de idosos, de modo a permitir que a mulher não seja obrigada a abandonar o emprego para cuidar de filhos ou parentes mais velhos. Só assim, dizem, haverá igualdade de condições no mercado de trabalho que justifique um tratamento único na aposentadoria.

          Levantamento do Ipea com 176 países mostra que dois em cada três não fazem distinção de idade para a aposentadoria entre homens e mulheres. A diferença é mais comum em nações do Leste da Europa, América do Sul, Oriente Médio e Norte da África.

          — São países de desenvolvimento intermediário, mais machistas — diz o coordenador de Previdência do Ipea, Rogério Nagamine Costanzi.

          No Brasil, os números confirmam a desigualdade no mercado de trabalho e na rotina das famílias. Segundo o IBGE, entre 2004 e 2014, os homens viram sua jornada fora de casa cair de 44 horas semanais para 41 horas e 36 minutos. O resultado foi influenciado pela formalização do mercado de trabalho e pelo aumento do número de homens inativos. Mas o tempo extra não garantiu maior dedicação a afazeres domésticos. A jornada deles dentro de casa permaneceu em dez horas semanais. No mesmo período, as mulheres mantiveram o ritmo de trabalho fora de casa em 35 horas e meia. Dentro de casa, porém, a jornada delas chega a 21 horas e 12 minutos por semana, mais que o dobro da dos homens.

           

          — Subsidiamos o grupo das mulheres, ao darmos a elas a possibilidade de antecipação de aposentadoria, seja por idade ou por tempo de contribuição. As razões pelas quais fizemos isso, a maternidade e a dupla jornada, continuam valendo. É obrigação do país dar à mulher condições de se manter no mercado de trabalho, de maneira que a reforma da Previdência não represente um custo para elas — diz Luiz Eduardo Afonso, professor do Departamento de Atuária da FEA/USP. — Isso passa pelo aumento da oferta de creches públicas, com qualidade, e por outras políticas de proteção social relativas às mulheres, como o aumento da licença-paternidade.

          QUESTÃO DE ‘JUSTIÇA SOCIAL’

          O cuidado com os três filhos pequenos deixou a recepcionista da escola Criançartes, Val de Lima, 15 anos fora do mercado. Ela chegou a voltar a trabalhar após o fim da licença-maternidade da primeira filha, mas logo depois engravidou de novo. Somente com os filhos crescidos retornou ao trabalho. Aos 54 anos, ainda precisa trabalhar por mais 11 anos para se aposentar por tempo de contribuição, pelas regras atuais.

          — Foi um tempo em que me dediquei aos cuidados com eles. Só voltei a trabalhar há 12 anos, quando meus filhos já estavam independentes. Não sei agora como vai ser com essas mudanças (na Previdência) — preocupa-se.

           

          Para Claudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, unificar a idade mínima “seria uma injustiça social com as mulheres”:

          — Há desigualdade brutal nas responsabilidades domésticas entre homens e mulheres. Por isso, há legitimidade social na permanência da diferença de idade exigida na aposentadoria.

          Favorável à igualdade de idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres, Costanzi, do Ipea, defende que as desigualdades de gênero no mercado de trabalham sejam atacadas diretamente, evitando a necessidade de compensação na política previdenciária. Nos seus cálculos, as mulheres se aposentam, em média, aos 53 anos, quando ainda têm 29,5 anos de expectativa de vida. Os homens, por sua vez, aposentam-se aos 55 anos, em média, com expectativa de vida de 23,8 anos a partir daí. As mulheres, portanto, recebem o benefício por seis anos a mais que os homens.

          — É preferível ter políticas que ataquem as desigualdades no mercado de trabalho a continuar a ter políticas compensatórias — afirma Costanzi.

          META É AMPLIAR CRECHES

          O pesquisador ressalta, no entanto, que é fundamental assegurar oferta de creches públicas para que a equiparação de idade seja mais aceita na sociedade:

          — Isso evitaria que as mulheres mais pobres interrompessem sua trajetória no mercado de trabalho e pressionaria os preços das particulares para baixo, liberando para o mercado muitas mulheres que param de trabalhar porque o preço das mensalidades é tão alto que o ganho com o trabalho não compensa os custos com educação.

          Em 2014, apenas 24,6% das crianças entre zero e 3 anos estavam na escola. O próprio governo reconhece que é pouco. A meta é ampliar a fatia para 50%, no mínimo, até 2024.

          Formada em Ciências Contábeis, Erika Gato, de 33 anos, foi uma das vítimas do déficit de creches públicas. Após o fim de sua primeira licença-maternidade, há quatro anos, fez as contas e achou que não valia a pena gastar R$ 1.700 mensais de creche com a filha, quando ganhava pouco mais de R$ 2 mil. Nas creches públicas, soube que a fila chegava a 200 crianças e desistiu.

           

          — Na ponta do lápis, não valia a pena pagar escola para trabalhar. Decidi ficar em casa — conta Erika, hoje mãe de duas crianças e que ainda não voltou a trabalhar na sua área para cuidar da mais nova.

          Pesquisadora do Ipea, Ana Amélia Camarano é a favor da redução gradual da diferença entre homens e mulheres. Ela diz que as desigualdades já se reduziram no mercado de trabalho, embora a mulher permaneça como a principal cuidadora da família, seja das crianças ou dos idosos:

          — A diferença de cinco anos não se justifica: deve ser reduzida gradualmente até se equiparar.

          Fonte: O Globo