Para agências de risco, só impeachment não altera situação econômica do Brasil
Analistas afirmam que país precisa de ‘consenso político’
Analistas de agências de classificação de risco que participam da reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, informaram que o impeachment, em si, não mudaria a percepção do mundo sobre a situação econômica do Brasil. Falando sob sigilo, esses analistas afirmaram que, independente do governo que sairá depois da votação do impeachment no domingo, será necessário ver se o país obtém um “consenso político” para fazer o ajuste fiscal e fazer com que o país volte a crescer.
Estes analistas afirmaram que não observam a situação do país em um curto espaço de tempo, mas sim a trajetória e a expectativa em períodos de doze a dezoito meses. Eles afirmam que neste análise, por exemplo, será levado em conta a capacidade do Brasil voltar a crescer pois, do contrário, o ajuste fiscal não será sustentável. E que mais que um plano crível, o governo precisa provar que tem condições de implementá-lo.
Mas os analistas afirmam que há casos em que ocorre uma rápida reversão de expectativas, como aconteceu recentemente na Argentina, que em pouco tempo após a troca de governo conseguiu mudar o humor dos investidores e agentes financeiros internos e externos. Mas que isso ocorreu porque, mais que discursos, houve do novo governo argentino ações que mudaram o ambiente econômico.
‘Haverá perdas nos avanços sociais’, diz diretor do FMI sobre o Brasil
Para Alejandro Werner, país vive crise de confiança sem paralelo no mundo
A situação política e econômica do Brasil, que levou ao “colapso da confiança” no país, não tem paralelo no mundo, afirma o mexicano Alejandro Werner, diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em entrevista ao GLOBO, ele avalia que a crise política que levou à votação do impeachment, hoje, agravou a recessão que já era esperada com o ajuste econômico. Ele diz que as investigações contra corrupção, embora fortaleçam as instituições no futuro, trazem impactos negativos econômicos no curto prazo. Werner espera que o país sofra alguma redução nos avanços sociais obtidos nos últimos anos, com o desemprego elevado, mas sem reverter totalmente as conquistas. Mas ele ressalta pontos positivos. “Podemos ter boas surpresas”, disse, lembrando que o país tem um sistema financeiro sólido e continua atraindo investimentos externos. Abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida na última sexta-feira durante a reunião de primavera do FMI, em Washington.
O senhor disse que o Brasil vive um colapso de confiança. Como é esse processo? Pode-se traçar um paralelo do Brasil com outro país?
É muito difícil encontrar um paralelo com o Brasil, porque o país hoje enfrenta um problema econômico muito grande. Há vários meses, o Brasil teria um desafio de fazer uma correção a médio prazo em suas finanças públicas, que já não seria simples e que exigiria uma estratégia que combinasse medidas de curto prazo sobre gastos e arrecadação a outras de médio prazo, que implicassem correção em certos esquemas de proteção social. O Brasil tem um gasto com aposentadorias muito elevado, em comparação com países com o mesmo nível de renda per capita e uma demografia semelhante. Além disso, o país tem uma estrutura tributária muito complicada. Ao mesmo tempo, ocorreu o choque do petróleo, em uma economia que via um futuro muito importante no setor, o que afetou os projetos de energia a médio prazo. Há ainda as investigações de corrupção da Petrobras, que são uma boa ferramenta, a médio prazo, para reforçar a solidez institucional e reduzir a corrupção, mas que, a curto prazo, geram incertezas, pois afetam as grandes empresas do país. E, obviamente, uma crise política muito importante, que levou a essa situação, da votação do processo de impeachment este fim de semana. Essa situação é muito particular, por isso é difícil comparar o Brasil com outros países. Olhando para frente, é importante imaginar que, após esse processo, é preciso reduzir de maneira considerável as incertezas, o que permitiria abrir caminho para uma discussão política para que o país possa debater as medidas econômicas necessárias para estabilizar a economia, alcançar a estabilidade fiscal e focar em um novo ambiente de trabalho, para levar a inflação de volta à meta. Isso permitiria recuperar a confiança e levaria os agentes econômicos a reavaliarem seus projetos de investimento, para que a economia comece a se recuperar.
A confiança é um dos valores mais importantes da economia. De quanto tempo o Brasil precisará para retomar essa confiança?
Os níveis de confiança de consumidores e produtores sofreram uma queda muito forte, porque a economia está em retração, há perda de emprego e as taxas de juros estão muito elevadas. Quando se pergunta às pessoas se as condições estão propícias para comprar bens duráveis, para investir, elas vão dizer que não. Mas, por outro lado, temos de destacar os muitos aspectos de solidez da economia brasileira. Porque, mesmo nessa situação, vemos um sistema financeiro que suportou tudo, que é saudável. O sistema bancário também é saudável. E temos uma dívida pública e corporativa que está sendo rolada, que não gerou problemas de corrida bancária, e também vemos que muitas pessoas, a médio prazo, acreditam que a sociedade brasileira vai encontrar os meios para resolver seus problemas. Então eu diria que, caso se consiga reduzir de maneira significativa a incerteza e anunciar e começar a implementação de medidas na direção correta, a confiança vai voltar. Não de maneira imediata, mas começará a ser reconquistada, e poderemos ver surpresas favoráveis. Mas será necessário, obviamente, ter uma agenda econômica integral e a capacidade de implementar essa agenda.
FMIComo o Fundo pode auxiliar o Brasil neste momento?
O Brasil conta com recursos próprios muito importantes, tem reservas internacionais muitos grandes. Há também uma ampla discussão, com muitos atores, sobre que medidas o país precisa tomar para voltar a uma rota de crescimento. O Brasil hoje não tem uma necessidade de ajuda no balanço de pagamentos, como ocorreu no passado. Sempre estamos dispostos a ajudar os países membros, em aspectos técnicos, na medida em que eles considerem isso apropriado. Mas o Brasil tem toda a capacidade para resolver isso, a rota está bem traçada pelos agentes econômicos locais. Vemos que é mais uma questão de conseguir reduzir as incertezas políticas e abrir espaço para uma negociação sobre o que precisa ser feito na parte econômica.
No contexto do Mercosul, a Argentina está fazendo um grande ajuste, com alta de tarifas, corte de gastos sociais e demissões no setor público. Se houver uma mudança de governo, o Brasil teria de passar por um processo semelhante? Teria de fazer cortes em gastos sociais?
O Brasil já está passando por um ajuste econômico muito importante. O Brasil já ajustou tarifas públicas no começo de 2015. Além disso, os desequilíbrios no Brasil eram menores que os da Argentina. Então eu diria que nesse sentido o Brasil já está passando por uma recessão. Tendo dito isso, claramente o Brasil tem um desafio fiscal significativo. Há muito por fazer a médio prazo, como reequilibrar as receitas do governo com as promessas de gastos em vários setores. Com relação à questão da Previdência, muito discutida no Brasil, obviamente o nível de gastos, de 40% do PIB, representa um enorme desafio. O que é crucial para o futuro é um acordo político que permita levar a cabo as reformas estruturais, na parte de gastos e de aposentadorias, talvez também na parte de impostos.
Outros países da América Latina também passam por desafios. Como a situação do Brasil contagia países vizinhos?
O contágio brasileiro é menor do que no passado, porque nos últimos dez anos os países da América do Sul diversificaram seu comércio para outras regiões do mundo. Os vínculos do Brasil com Argentina, Uruguai e Paraguai são fortes, então esses países estão sentindo a recessão brasileira, mas não vemos qualquer tipo importante de contaminação financeira sobre os preços dos ativos brasileiros ou dos outros países da região.
O Brasil está muito ligado à economia chinesa e não aproveitou os últimos anos para novos acordos. Isso cria novas dificuldades agora?
Do meu ponto de vista, o Brasil, por ser uma economia relativamente fechada, não conseguiu atrair mais investimentos e obter maior crescimento da produtividade. Eu não diria que a economia brasileira se vinculou claramente à da China por meio das commodities. A economia brasileira tem um setor industrial muito significativo, que pode ser a base para um crescimento mais diversificado. Não é uma economia pequena, na qual o peso das commodities é crucial: nos últimos anos, o crescimento do país foi determinado por muitas coisas além das commodities, como os setores financeiro, de serviços e de consumo, e também pelas expectativas de desenvolvimento da indústria e do setor energético. Quando o ciclo atual se reverter, haverá um forte impulso a este setor, que hoje se encontra estagnado, devido a uma estratégia de concentração no petróleo, que hoje não é mais viável.
De qualquer maneira, o Brasil não pode contar com um cenário externo favorável para auxiliar seu ajuste?
Claro que não. Acredito que, hoje, para corrigir a situação do Brasil, os fatores domésticos são muito mais importantes que os externos. Uma melhora no cenário internacional não vai mudar a situação do Brasil, se a situação doméstica não mudar.
Mas uma piora do cenário global dificultaria mais a retomada brasileira?
Sim, mas mesmo que o cenário internacional piore, se o Brasil corrigir seus problemas internos, terá um potencial de crescimento muito grande, pois o que vemos é que, no desempenho econômico atual do Brasil, o fator doméstico é dominante. Nesse sentido, é aí que devem ser concentrados os esforços. Por outro lado, é certo que se tem um cenário internacional menos favorável que no passado, os riscos são elevados, que devem ser levados em conta nas políticas dos países, o que reforça a necessidade de arrumar a situação interna do país.
Como fica o fluxo de investimentos para o Brasil nesse cenário?
Um dos efeitos positivos (da recessão) é a correção do déficit em conta corrente, e também há uma reação das exportações não tradicionais. Por outro lado, quando vemos o balanço de pagamentos, é importante destacar que o investimento estrangeiro direto no Brasil continua muito elevado, em resposta a um fenômeno pulverizado de operações de empresas que estão entrando no país, ou que estão ajudando suas subsidiárias brasileiras. Então é preciso reconhecer que o investimento estrangeiro está trazendo alívio a uma situação tão incerta, bem como que as empresas internacionais veem o potencial do Brasil a médio prazo e continuam investindo na economia do país. Por outro lado, pensando no fluxo de capitais, temos visto no Brasil muita volatilidade nas últimas semanas.
Hoje há muito pessimismo em relação aos avanços sociais, e o próprio Fundo já projeta o desemprego em 10% para 2017. O Brasil pode perder os avanços sociais obtidos no passado?
Obviamente, haverá perdas nos avanços sociais, porque os ajustes estão tendo um efeito recessivo muito maior do que se projetava. Porque a crise política e a lentidão do ajuste fiscal fazem com que a recessão seja muito mais profunda do que deveria ter sido. Na medida em que essas questões macroeconômicas se resolvam, acredito que pode, sim, haver alguma perda, mas uma parte muito significativa dos avanços sociais do Brasil deve ser mantida, e a economia brasileira pode mantê-los, apesar de um cenário internacional menos favorável.
Só ação concentrada do governo, seja ele qual for, pode salvar economia em 2017, dizem analistas
Segundo economistas, controle da dívida pública é tarefa fundamental
Enquanto as atenções do Brasil inteiro estão voltadas para os próximos movimentos no cenário político, no front econômico o país tem pouco tempo para evitar amargar, em 2017, seu terceiro ano seguido de recessão. Na média, os analistas de mercado ainda preveem leve alta no PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) no próximo ano, de 0,3%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Mas muitos não descartam uma contração. Inverter o rumo da economia a esta altura representa uma corrida contra o tempo. Na avaliação de especialistas, ainda é possível salvar o país do que seria o maior e mais profundo período de recessão em mais de um século, desde que a crise política tenha um desfecho rápido. Para isso, dizem os analistas, é preciso que o governo, seja ele qual for, adote ação concentrada, com medidas de compromisso fiscal para manter a dívida pública em patamar sustentável. Um resgate da confiança é, assim, fundamental para a retomada dos investimentos que tornem possível ao país voltar a crescer.
FUTURO NEBULOSO
ATIVIDADE ECONÔMICA PIORA COM A CRISE POLÍTICA
A definição de quem estará no governo tem papel crucial sobre as expectativas. Entre os analistas de mercado, a tendência é de um viés mais otimista com uma troca de comando. Mas, em qualquer cenário, a retomada do crescimento não é vista como tarefa de fácil execução.
— Se o processo do impeachment não passar, outras denúncias vão continuar atrapalhando o governo. Se passar, teremos a ação de movimentos sociais e não saberemos como será governar em meio a uma sociedade rachada. Então, mais do que quem vai estar lá (no comando do país), é a quantidade de nevoeiro que vai determinar quando voltaremos a crescer. Hoje, estamos descendo a serra sem enxergar cem metros à frente. Então, andamos devagar. Se você consegue tirar essa nuvem da frente, é possível olhar adiante e até recuperar o terreno perdido com crescimento rápido de médio prazo — avalia o economista-chefe do Banco ABC, Luis Otavio de Souza Leal.
Para o economista, o governo precisa provar que a dívida pública ficará sob controle. No ano passado, o governo federal fechou o ano com rombo de R$ 114,9 bilhões no orçamento. É o maior déficit da história. Sem superávit, o governo não consegue economizar para pagar os juros da dívida pública.
— A grande questão é mostrar, na parte fiscal, que a dívida do governo não vai entrar em trajetória insustentável. Estamos em um círculo vicioso, e tudo é pessimismo. Precisamos virar a chave para que os agentes econômicos comecem a achar que tem uma luz no fim do túnel. Com melhores expectativas, o dólar fica mais baixo, a inflação, mais comportada e os juros podem cair, melhorando as expectativas de crédito e as dos empresários, que voltam a investir — analisa Leal, que, ainda assim, avalia que a economia terá retração de 0,2% em 2017.
DEPENDÊNCIA DO SETOR EXTERNO
Analistas de agências de classificação de risco que participam da reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, avaliam que o impeachment, em si, não mudará a percepção econômica do mundo. Falando sob sigilo, dizem que, independentemente do governo, será necessário ver se o país obtém “consenso político” para fazer o ajuste fiscal. Ressaltam que não se atêm ao curto prazo, mas observam a trajetória e as expectativas em períodos de 12 a 18 meses. Levarão em conta a capacidade de o país voltar a crescer, pois, do contrário, o ajuste fiscal não será sustentável. Além de um plano crível, dizem que o governo terá de mostrar capacidade de implementá-lo.
No ano passado, o consumo das famílias desabou 4%, e os investimentos, 14%. Os dois setores registram o pior desempenho em 19 anos e foram determinantes para a economia ter encolhido 3,8%. A indústria está cada vez mais ociosa e opera com um nível de utilização da capacidade instalada de 73%. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo defende que é necessário incentivar o setor privado a investir, por meio de concessões, por exemplo:
— Seja qual for o resultado sobre o pedido de impeachment, salvar 2017 depende da capacidade do governo de articular medidas com o setor privado, de modo a recuperar algum estímulo à economia. É preciso impulsionar os investimentos privados, com concessões. Mas as empresas de infraestrutura estão paralisadas com a Lava-Jato. É necessário que se separe o destino das empresas dos seus controladores.
Ele acredita que, ao contrário da última vez em que o país passou por três anos seguidos de recessão, no início dos anos 1980, o crescimento não se dará por meio das exportações dessa vez:
— Não há demanda global considerável. A economia mundial está devagar, quase parando.
Para o professor do Instituto de Economia da UFRJ José Luis Oreiro, a recessão se aprofundou em razão da crise política. Para o professor, a presidente Dilma Rousseff não tem apoio político para criar um consenso mínimo em torno de uma agenda de reformas estruturais no lado fiscal que mostre, no médio e longo prazos, que o país é capaz de conter o ritmo de despesas primárias da União. Sem reformas, para ele, não é possível retomar o crescimento:
— É preciso colocar as reformas estruturais em prática para que o Banco Central possa baixar juros e estimular consumo e investimento.
Oreiro explica que a permanência da presidente Dilma no cargo seria mal recebida pelo mercado e, em consequência, o país voltaria a registrar forte desvalorização cambial, com o dólar voltando ao patamar dos R$ 4, e maior percepção de incerteza:
— Isso afastaria qualquer possibilidade de retomada em 2017.
A Tendências Consultoria estima que o país sairá da recessão em 2017 com crescimento de 1,2%. Isso baseado em cenário que considera probabilidade de 70% de uma interrupção do atual governo. E, ao contrário de Belluzzo, a casa de análises aposta numa retomada via exportações:
— Vemos o setor externo puxando o crescimento, já que as exportações estão aumentando. As importações estão caindo dramaticamente e sendo substituídas por produção nacional — justifica a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências.
No cenário em que a presidente Dilma permanece na presidência, a Tendências prevê queda do PIB de 0,6% em 2017.
PACTO DE CONVIVÊNCIA POLÍTICA
Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central, condiciona uma retomada à saída da presidente. O economista tem sido citado como possível ministro em um eventual governo Michel Temer, mas sustenta que tem interesse apenas em colaborar, não em assumir um cargo:
— Se o impeachment vier acompanhado de uma proposta clara para o futuro do Brasil, uma mudança de rota com relação ao que temos hoje, acho que a economia pode reagir. Não creio que vá dar um salto e começar a crescer de forma acelerada porque os problemas são muitos e muito difíceis.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, traça cenários distintos para a economia de acordo com o resultado da crise política e vê espaço para uma expansão de 0,6% em 2017 diante de uma troca de comando. Segundo Vale, os bons ventos sobre o mercado, neste cenário, poderiam ser aproveitados pelo novo governo com a retomada do tripé macroeconômico, pautado em metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante.
— E também sinalizando com reformas mínimas, especialmente a da Previdência — diz.
Sobre a possibilidade de Dilma se manter presidente e os efeitos na economia, Arminio Fraga demonstra preocupação:
— Podemos mergulhar numa trajetória muito mais apavorante que a atual. Porque a atual se beneficia da expectativa de mudança.
Para Francisco Lopreato, economista da Unicamp, independentemente de quem seja o presidente, é preciso que o governo firme um pacto de convivência política que crie estabilidade. Com esse pacto, acredita ser possível “ficar com o nariz fora d’água” durante 2017. Para, então, iniciar lentamente um processo de recuperação e chegar ao final do ano em situação melhor do que a atual.
— Esse pacto é necessário para que o governo consiga governar. Nada foi aprovado no Congresso. Tudo está parado: concessões, renegociação da dívida dos estados, reforma tributária, da Previdência, nada teve continuidade — enumera Lopreato.
Para Lopreato, a situação econômica é decorrente do que ele descreve como uma “situação de terra de ninguém no campo da política”:
— Historicamente, as grandes crises do país ocorreram por causa do setor externo. Temos um volume de reservas enorme e o balanço de pagamento se recuperou. O grosso do ajuste das empresas já foi feito. A situação fiscal piorou muito em função da própria queda da arrecadação. Se houver melhora, a situação fiscal ficará mais manejável. Melhora a arrecadação, a situação de municípios e estados, e temos um câmbio favorecendo as exportações.
Fonte: O Globo
Em meio ao Fla-Flu político, grupo de brasileiros não apoia lado algum
Professor, doméstica e outros profissionais afetados pela crise não confiam em ninguém
— O problema é saber quem vai liderar o país. Cunha? Renan Calheiros? O presidente do STF? Vamos chamar novas eleições? Com quais candidatos? No atual momento, acho que a melhor situação seria a saída de todos eles — analisa Estevam.
A emprega doméstica Maria do Socorro Rafael de Lima, de 48 anos, nunca foi eleitora do ex-presidente Lula ou de Dilma, mas elogia projetos como o Bolsa Família. Nordestina de Sumé, interior da Paraíba, a moradora de São Paulo diz que hoje os benefícios já não são suficientes para os brasileiros e reclama que sua terra natal está abandonada. Apesar do descontentamento, sublinha que “não se presta ao papel de ir às ruas porque sente que não vai dar em nada”. Hoje, vai acompanhar a votação “para ver se não vai acabar em pizza”.
— Lula decepcionou bastante a gente. Da última vez em que fui para minha cidade, há dois meses, vi muita gente contra o PT porque fizeram promessas e não cumpriram. É como dar bala na boca de criança e depois tirar. Ajudaram, mas acabou. Essa história de Bolsa Família, Fome Zero já não é bem assim — reclama.
O empresário Rafael Amorim, de 31 anos, também foi para as ruas do Rio em 2013. Nunca votou em Lula, mas em 2014 apoiou a reeleição de Dilma, acreditando que o tal gigante realmente tinha acordado. Contesta hoje se a queda da petista melhoraria o país, e considera anular o próximo voto para presidente.
Descrente de que o impeachment mudará o rumo do país para melhor, aproveitará o domingo para assistir a uma outra disputa de poder. Ele fará uma maratona de “Game of Thrones”, série de TV em que vale tudo para ocupar o famoso trono de ferro.
— É mais útil do que ir para a rua. O problema é que os discursos sempre se confundem. Ninguém se sente representado, mas acaba optando por um lado. Só querem mudar os peões, mas o jogo continua o mesmo. A única vantagem dessa crise é que nunca na História deste país se investigou com tanto afinco um governo — observa.
O engenheiro paulistano César Manieri, de 53 anos, acha que a política precisa de um refresh. Dono de um colégio por três anos, ele conta que precisou fechar as portas em 2015 devido à crise econômica e hoje dá aulas de reforço na varanda de casa. Sem esperanças em qualquer postulante ao cargo mais importante do Brasil, prevê uma sociedade órfã após a votação de hoje.
— Acho que deu tela azul no modelo político atual. Nossas instituições estão tomadas em grande parte por um projeto criminoso de poder e, na verdade, não tenho esperanças de que, num curto prazo, as coisas se alterem. Para mudar tudo isso, será necessário convocar novas eleições, com candidatos ficha limpa e sem a participação de partidos que acabaram ou ajudaram a acabar com o país. É reinicializar tudo — argumenta.
A estudante de Engenharia Civil Eduarda Lucas, de 18 anos, assistiu de casa, em São Paulo, às últimas manifestações contrárias e favoráveis ao impeachment, e hoje não será diferente. Não acha correto pedir a saída de Dilma, já que a mandatária foi eleita democraticamente, mas também não consegue apontar um nome em quem votaria nas próximas eleições.
— Acho que o impedimento da presidente Dilma agora só agravaria ainda mais a situação política e econômica do país. Mas, ao mesmo tempo, acho que temos que buscar mudanças — discursa a jovem.
A pesquisadora Esther Solano, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), observa com preocupação a imprecisão política que cresce no mundo. Para ela, os discursos dos governantes estão cada vez mais vazios, o que dá espaço para o surgimento de figuras como o magnata Donald Trump, atual concorrente à candidatura republicana à presidência dos Estados Unidos.
— Vejo especificamente no Brasil uma ideia muito focada no personagem. Temos hoje o bem contra o mal, o Sérgio Moro como símbolo de combate à corrupção e o ex-presidente Lula como o mal, ou o contrário. É difícil sair desse debate e encontrar o diálogo — analisa a pesquisadora.
Fonte: O Globo
You have to Login