Fim do Petisco da Vila acende discussão em relação aos bares da cidade

Proprietários culpam a crise, e clientes reclamam de preços e perda da tradição

PETISCO DA VILA, EM VILA ISABEL. Bar fechou as portas na semana passada culpando a violência, a crise econômica e o sucateamento do Maracanã e da UerjMaíra Coelho / Agência O Dia

O fim do Petisco da Vila, um dos símbolos da boemia carioca, acertou em cheio a alma da Zona Norte do Rio. E dividiu opiniões entre os antigos fregueses e os últimos frequentadores do ícone encravado no Boulevard 28 de Setembro. A violência, a crise econômica e até o abandono do Maracanã e da Uerj, de onde saía boa parte dos clientes do bar, foram apresentados como motivos pelo proprietário Manoelzinho e seu filho, Amadeu Souza, para o fim das atividades. Há, no entanto, quem discorde.

Compositor do clássico ‘Conto de Areia’, imortalizado na voz de Clara Nunes, Toninho Nascimento, de 70 anos, nasceu e cresceu em Vila Isabel. E acompanhou de perto nascimento, apogeu e crise do Petisco da Vila, antigo reduto dos principais sambistas da cidade, que há muito, à exceção de Martinho da Vila, deixaram de frequentar o bar.

“O Petisco fechou as portas, mas, infelizmente, já tinha morrido há muito tempo. Um bar que era reduto do samba e depois passou a ter placa de ‘proibido cantar’. Um bar onde o jiló era de graça para quem tomava aquele que era o melhor chope do Rio, tirado pelo Seu Américo. Os garçons tinham que colocar gelo no braço, quando chegavam em casa, de tanta bandeja de chope que carregavam. Quem fosse à Vila Isabel e não passasse pelo Petisco, não tinha ido a Vila Isabel”, lamenta Toninho.

ENCHENDO LINGUIÇA, LAPA. A filial do tradicional bar do Grajaú durou pouco. “Erramos ao apostar numa coisa diferente. Buscávamos o público de ‘cabeças brancas’ do Grajaú, sem saber que a Lapa consome latinha ou cerveja litrão. Aprendi que o bar não pode abandonar sua essência e tradição”, diz o dono, Fernando Breschnik.Maíra Coelho / Agência O Dia

O cantor e compositor Gabriel Cavalcante, do Samba da Ouvidor, ícone da nova geração de sambistas boêmios da cidade, diz que começou a beber, no início da década passada, graças à fama do Petisco e seu “melhor chope do Rio”. “Era coisa de maluco. Um chope que você bebia e dava vontade de chorar. Infelizmente, o mundo está num momento complicado. Mas as pessoas não se atualizam, não veem o que estão fazendo de errado…”, comentou, referindo-se aos descaminhos e à chamada “gourmetização” de muitos botequins tradicionais.

Referência musical e etílica da cidade, Moacyr Luz tinha o Petisco como extensão de sua casa. Idealizador do Samba do Trabalhador, Moa já perdeu a conta de quantos episódios viveu no bar que considera a “sinopse de Vila Isabel”. Em 1981, quando cantava em Botafogo e morava no Grajaú, ele fazia do bar uma de suas últimas paradas antes de chegar em casa. Sem falar nos domingos de Maracanã.

“Era o bar que vendia mais chope na cidade. Após os jogos do Flamengo, era lá que a gente parava. Alguma coisa tem que ser feita por esta instituição. Tem tanta gente que não paga IPTU e continua trabalhando. O Petisco não pode fechar por este motivo”, implora Moacyr Luz.

O pedido do compositor de ‘Saudades da Guanabara’ já está na pauta do vereador Marcello Siciliano (PHS), outro que nasceu e cresceu na Vila de Noel, e protocolou projeto de lei que pede o tombamento do bar como patrimônio cultural imaterial carioca. “O botequim é um patrimônio do Rio. E o Petisco está sendo ameaçado por questões comerciais. Não pode”, diz Siciliano.

Neguinho da Beija-Flor foi outro a ficar abalado com a notícia e pedir uma solução. O mais famoso puxador do Carnaval na atualidade conta que frequentava o bar muito antes de conhecer a escola de samba que lhe empresta o sobrenome artístico há 41 anos.

PLANETA DO CHOPP EM VILA ISABEL. o bar, também de propriedade de Manoelzinho, na primeira esquina do Boulevard 28 de Setembro, foi o primeiro a fechar as portas.Maíra Coelho / Agência O Dia

“Eu nem acredito que o Petisco acabou. Deve ser mentira. Não me conformo. Petisco faz parte da minha história. Alguém tem que fazer alguma coisa. Eu cantava no Renascença, no Bola Preta e no Casa de Bamba, em Vila Isabel. E tudo acabava no Petisco, onde eu comia um ossobuco para conseguir voltar para Nova Iguaçu, de trem”, conta, emocionado.

Bares têm de manter essência e tradição

Uma das criadoras do concurso Comida di Buteco há 18 anos, Maria Eulália Araújo lamenta profundamente o fechamento do Petisco. Acusada por críticos de querer “gourmetizar” os bares tradicionais, ela assegura que o trabalho que faz é justamente o oposto: valorizar o papel do boteco nas cidades brasileiras.

“É gente do mundo inteiro que vem ao Rio de Janeiro para conhecer seus bares. Inclusive grandes chefs de cozinha estão de olho nos botequins tradicionais”, diz ela. E garante: “O Comida di Buteco é uma vitrine para os bares, e o que a gente pede é o oposto do que às vezes os donos fazem”.

Para a produtora, é preciso olhar o bar como negócio, mas sem perder a essência, a tradição, sua natureza e sua história. “Quando o proprietário tira o umbigo do balcão e o coração do seu botequim, o resultado pode não ser bom”, diz Eulália.

Crise atinge também as casas da Zona Sul

O Petisco da Vila não é o único bar tradicional em crise na cidade. Na Zona Sul, estabelecimentos históricos como o Antiquarius, no Leblon, e o D’Amici, no Leme, vivem dias difíceis, assim como o Quadrifoglio. A renomada chef Roberta Sudbrack fechou, em janeiro, a premiada casa que levava seu nome, no Jardim Botânico.

Dono do Enchendo Linguiça, no Grajaú, Fernando Breschnik deu a receita bem-humorada para escapar da crise. “Readequamos o cardápio e o preço da cerveja. Ainda temos um adversário, que são os economistas, uma raça que vai para a televisão dizer que, em tempos de crise, tem que maneirar no chope. Isso quebra a gente”, brincou.

Fonte: O Dia

Servidores do RJ fazem protesto na orla de Copacabana

Eles protestam contra o aumento da contribuição previdenciária dos servidores e contra a privatização da Cedae, usada como garantia para conseguir ajuda do governo federal.

Servidores do Estado do RJ fazem protesto em Copacabana

Servidores do Estado do Rio de Janeiro realizavam protesto, por volta das 11h do dia 5/2/17, em Copacabana, na Zona Sul da cidade, contra as medidas que o governo do Estado anunciou para combater a crise financeira, dentre elas o aumento da contribuição previdenciária dos servidores e a privatização da Cedae, que servirá como garantia para a aprovação da ajuda financeira que o Rio pede ao Governo Federal.

“Hoje nós estamos protestando contra qualquer tipo de privatização ou federalização desse bem público que é a Cedae. Estamos somando com o Musp em defesa do pacote de maldades que está assolando o servidor público”, afirmou Sérgio Silveira Monteiro, operador de equipamentos da Cedae.

Manifestantes caminha em direção ao Posto 6, em Copacabana (Foto: Bruno Albernaz)

O Governo do Rio diz que a salvação da economia do estado depende da venda da Cedae, companhia de saneamento. É a condição imposta pelo governo federal para refinanciar a dívida.

“Essa negociação vai fazer com que os salários dos servidores voltem a ficar em dia. A gente vai ter uma postergação de dívida por parte da União, de 3 anos, isso em termos de valores, pra se ter uma ideia isso dá em torno de R$ 26 bilhões . Em 3 anos, então a Cedae é condição e vital pro acordo”, disse o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa.

Servidores da Cedae protestam contra a privatização da companhia (Foto: Bruno Albernaz)

Ainda de acordo com o operador Sérgio Monteiro, na segunda (6) os servidores da Cedae vão fazer um novo ato. “Nós já estamos paralisando nossa categoria a partir da terça-feira. Na segunda, estaremos toda a categoria no Hemorio. Não estamos em greve. Estaremos fazendo doação de sangue para a campanha do Hemorio no carnaval. E assim evidenciando nossa bandeira de luta: água é vida, sangue é vida, disse.”

Atualmente, o Rio não pode pegar mais dinheiro emprestado porque já estourou o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com o acordo, o Governo Federal suspenderia o pagamento da dívida até 2020. Mas a venda da estatal ainda depende da autorização da Assembleia Legislativa (Alerj).

Na mensagem que enviou aos deputados, o governador Luiz Fernando Pezão diz que a venda é uma obrigação “irretratável e irrevogável” assumida com o governo federal.

Grupo também protesta contra a reforça da Previdência (Foto: Bruno Albernaz)

O presidente da Alerj, Jorge Picciani, diz que não há dúvida sobre a aprovação da venda. “Vai ser aprovado com grande número de votos”, declarou.

O Governo Federal deu um prazo de seis meses para que o estado defina como vai vender a Cedae.

Na educação, a crise também é gravíssima: a universidade do estado está praticamente parada. “As empresas terceirizadas não recebem desde agosto e aí já estão ameaçando cortar os serviços de limpeza, o serviço de recolhimento de lixo já foi cortado – a empresa já anunciou que vai cortar e a questão do restaurante universitário que não consegue funcionar porque não recebeu nenhum recurso”, explicou o sub-reitor de Pós-Graduação Egberto Gaspar de Moura.

As aulas na Uerj, incluindo o Colégio de Aplicação (CAp-Uerj), deveriam ter começado em dia 7 de janeiro. Mas, por causa do atraso dos salários e da falta de repasse de verbas o início do ano letivo, foi adiado várias vezes. A nova data era segunda-feira (6), mas foi novamente adiada para o dia 13 de fevereiro.

A única faculdade que ainda tinha aulas, a de Ciências Médicas, anunciou que paralisou todas as atividades na sexta (3).

Manifestantes começaram caminhada na altura do Copacabana Palace, sentido Posto 6. (Foto: Bruno Albernaz)

Fonte: G1

Crise do Rio de Janeiro é o retrato em carne viva do Brasil que Temer quer construir.

Por Bajonas Teixeira, colunista de política do Cafezinho

Há cinco anos, o Rio era o estado que festejava Eike Batista, o Porto Maravilha e o projeto Rio Arte, e assegurava que as UPPs faziam milagres. Por sob essa fachada, os bueiros explodiam, o crime fervilhava, mas ninguém via nada. Os efeitos profundos desse período se mostram na crise atual, só comparável aos efeitos das pestes que assolavam as cidades medievais.

Quem achava que o Brasil era sempre o país do futuro, mas nunca do presente, pode se dar por satisfeito: o Rio é o retrato vivo do país do futuro que Temer vai nos entregar, após 24 saques mensais, daqui a dois anos.

Que ninguém diga, portanto, que não foi avisado. O Rio mostra em detalhes o que o PMDB pode e sabe fazer. E para que nada falte, Moreira Franco, o atual braço direito de Michel Temer para dilapidar e saquear o estado brasileiro, foi governador do Rio e esteve envolvido em inúmeras denúncias de corrupção.

Antes de aderir incondicionalmente ao governo Temer, a Folha de São Paulo tinha esperança de que o PMDB fosse derrubado para que o PSDB, partido de São Paulo que é a sua menina dos olhos, pudesse ocupar o poder. Nessa época, fez uma matéria muito interessante, um raio X de Moreira, com o título de Camaleão político. Retratando inúmeros escândalos, suspeitas e denúncias de corrupção, desenhou a figura de um político capaz de causar arrepios mesmo nas sensibilidades mais insensíveis.

Como carioca, vivendo fora do estado há mais de duas décadas, guardo duas recordações marcantes do período do domínio recente do PMDB no estado do Rio. Uma foi um passeio de bondinho em Santa Teresa que fiz com minha mulher e minha filha em 2011. Tomamos o bonde na estação no Centro, depois de uma longa espera, porque a fila era imensa. Logo que o bonde saiu da estação, eu, que o conheço há décadas, estranhei o número e a altura dos ruídos e rangidos, de ferro velho, que se desprendiam do veículo. Falei ao motorneiro, e eles disse que era normal.

Mesmo assim, saltei na primeira estação com medo do que poderia acontecer. Pouco tempo depois, ocorreu o acidente que matou cinco pessoas e deixou 57 feridas.

Outro episódio foi um passeio no centro do Rio e no centro de Niterói. Eu estava há alguns dias em um apartamento em Ipanema, na Prudente da Moraes, e resolvi visitar aqueles cenários fora daquele vazio asfixiante da Zonal Sul. Fiquei tomado pela sensação geral de que uma espécie de sarna, de degradação epidérmica, que fazia adivinhar uma desintegração interior muito mais grave, estava tomando conta do estado.

Parecia que forças parasitárias invisíveis tinham sugado a verve, a começar pela cor e pelo asseio da cidade. Por toda parte, paredes que denunciavam não ver tinta há muitos anos, fachadas encardidas, vias públicas esburacadas, lixo acumulado, uma ambiência que há 20 anos, por exemplo, estavam restrita ao entorno da Central do Brasil, a porta de chegada dos trens do subúrbio ao centro da cidade do Rio, parecia agora ter se espalhado e passado a dominar o estado inteiro.

A isso se somavam os bueiros explodindo (2011 foi um ano de recorde de explosão de bueiros, como talvez esteja sendo, mas com menos alarde, o de 2016, que já assassinou a atriz Aline Barreto e feriu muitos outros), as violências praticadas pelas desocupações no Centro do Rio para a “revitalização” do Centro. Em contraste com o projeto centrado no Porto Maravilha, da modernização arquitetônica deslumbrante para os tolos, se via por toda a parte um impressionante número de mendigos espalhados na cidade, concentrados em grupos, dormindo nos gramados, especialmente no aterro do Flamengo e no Centro, formando grandes concentrações pela área dos Arcos da Lapa.  Os mendigos, como se sabe, hoje e na Inglaterra do cercamento dos campos,  apontam o grau em que a concentração econômica produz miseráveis.

Tudo isso era pouco ou quase nada visível. Sérgio Cabral era um herói da mídia. Aparecia em fotos cuidadosamente editadas, como Michel Temer hoje, de quem por mais que se procure no Google dificilmente se achará uma imagem destoante do padrão.

O homem que presidia a cidade, logo abaixo, ou um pouco acima, do governador Cabral, era Eike Batista, o dono das UPPs, o senhor do Marina da Glória, ou manda-chuva e o manda-sol da cidade. Respeitado, admirado, louvado, cultuado. Eike era o cara e a cara da cidade.

Ouvia-se também o refrão da nova cidade erguida em torno do Porto Maravilha, que era o seguinte: “O Rio é Arte. O tempo todo. Em toda parte.” Essa quadrinha imbecil soava sofisticada.

A arte o tempo todo e em toda parte, está espalhada agora por todo o estado do Rio. E é a mesma arte, que um vetusto autor anônimo português chamou de “a arte de furtar”, em livro justamente célebre do século XVII.

O Brasil do futuro, o Brasil do PMDB, de Sérgio Cabral, de Michel Temer é uma terra de ninguém degradada, sangrada até a última gota de riqueza extraível. Para bajular os empresários e as elites brasileiras em geral, e receber as migalhas do banquete, será desmontado todo o patrimônio público, de leis, garantias, e direitos. Não apenas a Constituição de 1988, e seus mecanismos que asseguram verbas para a educação, a saúde, a previdências, mas os direitos trabalhistas conquistados nas décadas entre 1910 e 1930, que Getúlio Vargas teve que reconhecer na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ele quer, e vai se não for detido, destruir cem anos de lutas e conquistas sociais. Nada menos que isso. Vai quebrar todas as instituições sólidas (o SUS, a previdência, as universidades públicas, etc.), vai destruir o salário mínimo, a aposentadoria, o seguro desemprego, as garantias jurídicas do trabalho.

E quem é o homem que agora assume, em nome de Temer, a missão de implementar tudo isso? É Romero Jucá, nomeado líder do governo no Congresso.  Contra ele, segundo levantamento do Site “Congresso em Foco”, pesam apenas as acusações referentes aos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção passiva, crimes eleitorais, crimes contra a ordem tributária, apropriação indébita previdenciária e falsidade ideológica, que constam dos Inquéritos 3989, 3297, 2116 e 2963.

E note-se que, no momento em que a devastação do estado brasileiro por Temer está sendo levada adiante, a esquerda fechou a boca. Desde a derrota nos dois turnos da última eleição, portanto, desde o final de outubro, o silêncio paira sobre a oposição. Não se escuta mais murmúrios. Mesmos os poucos políticos, um ou dois senadores, e um ou dois deputados, que ainda abriam a boca com mais veemência, como o senador cara-pintada Lindbergh Farias, se fecharam em mutismo profundo.

Esse raquitismo e essa anemia política são vergonhosos, porque, para qualquer um que saiba ler e escrever, o governo Temer revela facilmente que é um governo débil, que já teria caído como um castelo de cartas, se houvesse quem lhe desse um bom chute.

Fonte: O Cafezinho

Servidor: Demissão voluntária no estado não terá eficácia, dizem fontes

Maior parte dos servidores ativos é composta por categorias como professores, policiais civis, PMs, bombeiros e da Saúde

A implementação de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) está sendo estudada pelo governo do Rio como uma das medidas para conter os gastos e apresentar contrapartidas à União. Esse PDV seria criado com forma jurídica voltada ao funcionalismo. Esse projeto já era pensado desde o ano passado, porém, para alguns membros do governo, essa iniciativa é ineficaz.

O que explicam é que o maior peso da folha de pagamento é com inativos e pensionistas. De acordo com o Caderno de Recursos Humanos da Secretaria de Planejamento — referente a novembro — os ativos correspondem a 48,89% do valor total da folha, que é de pouco mais de R$ 2 bilhões. Mais de 50% são de gastos com inativos, pensões especiais e pensões previdenciárias.

Além disso, a maioria dos ativos é composta pela Segurança (entre PMs, policiais civis e bombeiros), Educação e Saúde.

São mais de 80 mil ativos na Educação, cerca de 47 mil na Polícia Militar, mais de 10 mil na Polícia Civil e 15 mil nos Bombeiros e 11 mil na Saúde. O questionamento que fazem é: como dispensar policiais, professores e médicos? “Não há excesso deles. Até falta”, dizem.

A pergunta se alia à outra: “Como colocar um programa de demissão voluntária em prática em um momento de alto desemprego no país?”, indagou uma fonte do governo. “Quem vai querer se voluntariar?”, completou. E mesmo que haja voluntários pondera-se que as carreiras com maior peso na folha são essenciais para o estado.

Fonte: O Dia

Entenda a crise e as razões da revolta de servidores no Rio de Janeiro

Rio 40 grausAs propostas ainda precisam ser aprovadas pelos deputados estaduais. Ao todo, são 21 projetos de lei

A ruína da crise no Rio de Janeiro e o pacote de austeridade anunciado pelo governador Luiz Fernando Pezão (PDMB-RJ) no início de novembro catalizou uma série de manifestações protagonizadas por diversas categorias de servidores públicos no estado.

Na última quarta-feira 16, mobilização em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) reuniu milhares de manifestantes. Em clima tenso, houve tentativa de invasão do Palácio Tiradentes e ação violenta da polícia com bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio, além de balas de borracha. Houve feridos, entre eles, quatro jornalistas que cobriam o ato.

As medidas, a incluir o fim de programas sociais e a cobrança de uma taxa de 30% sobre os salários dos funcionários públicos, serão discutidas e votadas pelos deputados da Alerj antes do final do ano. Entenda os principais pontos da crise:

1) Qual é a principal causa dos embates entre servidores e o governo do Rio?
O estado passa por uma grave crise. Diante da situação, o governo anunciou um pacote de austeridade com medidas impopulares, como o aumento de impostos, a cobrança do desconto de 30% dos salários dos funcionários e das pensões dos aposentados durante 16 meses, o fim dos restaurantes populares e o reajuste da tarifa do bilhete único de 6,50 para 7,50 reais.

As propostas ainda precisam ser debatidas e aprovadas pelos deputados estaduais, na forma de 21 projetos de lei. A expectativa é que as discussões se estendam até 30 de novembro e que as votações sejam iniciadas na primeira semana de dezembro.

Servidores protestam no Rio

Servidores protestam contra pacote de ajuste no Rio de Janeiro

O anúncio do pacote no início de novembro deflagrou uma série de manifestações contrárias às resoluções, marcadas pela violência policial e aumentando a pressão política sobre o governo fluminense. Entre as categorias que estão mobilizadas contra as medidas estão os servidores nas áreas de educação, saúde e justiça, além de policiais, bombeiros, aposentados e pensionistas.

2) Por que o Rio de Janeiro passa por uma crise financeira tão grave?
Trata-se de uma conjunção de fatores. Um dos principais pontos é a queda de arrecadação e no recebimento dos royalties pela exploração do petróleo. A concessão de incentivos fiscais é apontada por alguns como uma das causas da crise, mas não há unanimidade sobre o assunto. Os incentivos permitiram atrair empresas que geram arrecadação e empregos. De acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o Rio concedeu 138 bilhões de reais em renúncia fiscal entre 2008 e 2013.

No caso do petróleo, houve nos últimos anos uma queda significativa nos preços. Em 2014, o barril do petróleo custava 110 dólares e chegou a valer 150 dólares. Em janeiro de 2016, o barril chegou a ser cotado a 30 dólares.

Com relação à arrecadação dos royalties, também houve queda. Segundo dados da plataforma Inforoyalties, alimentada com dados da Agência Nacional do Petróleo, em 2014 o estado do Rio de Janeiro recebeu 3,213 bilhões de reais. Em 2015, a quantia diminuiu para 2,308 bilhões e mingou ainda mais em 2016: 1,404 bilhão.

A crise econômica brasileira, que levou à queda na arrecadação do ICMS, e a do setor petroleiro, motivada pelos escândalos de corrupção na Petrobras investigados pela Operação Lava Jato, ajudam a complicar o quadro. No caso do ICMS, houve queda de 9,4% na arrecadação do tributo entre 2014 e 2015.

 

Servidores protestam contra pacote de ajuste no Rio de Janeiro
Medidas incluem o fim de programas sociais e a cobrança de 30% sobre os salários dos funcionários públicos

3) Além dos fatores mencionados anteriormente, há outras causas?
O economista Mauro Osorio, coordenador do Observatório de Estudos sobre o Estado do Rio de Janeiro da Faculdade de Direito da UFRJ, contesta que o problema da crise carioca esteja ligado estritamente ao excesso de gastos públicos.

Ele aponta que o estado deixou de realizar novos concursos por décadas e questiona a disparidade entre os salários dos servidores do Legislativo e do Judiciário, que, em comparação com estados como São Paulo e Minas Gerais, chega a ser 70% maior.

Nos cálculos do economista, feitos a partir de dos dados das secretarias estaduais da Fazenda em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, para custear o Legislativo e o Tribunal de Contas do Estado, o governo gastou, em 2015, 76,88 reais por habitante. No caso paulista, o poder público desembolsou 29,40. Já em Minas Gerais, gastou-se 55,64.

Com relação aos gastos com o TCE, o Rio de Janeiro também gasta mais: desembolsou 239,44 reais por morador. Em São Paulo e em Minas Gerais, os valores são 188,39 e 169,30, respectivamente. O peso do Legislativo e do Judiciário nas contas do Rio também cresceu nos últimos dois anos, aponta o economista.

Em 2014, a Alerj e o TCE foram responsáveis por consumir 1,61% do total gasto. No ano seguinte, gastou-se mais, 1,93%. Já o Tribunal de Justiça é responsável por consumir 4,61% das receitas em 2014. Em 2015, consumiu-se 6%.
4) Qual é o tamanho do rombo nas finanças estaduais?
De acordo com dados da Secretaria Estadual da Fazenda do Rio de Janeiro, o déficit atual está no patamar de 19 bilhões de reais. Deste valor, 12 bilhões estão relacionados com a Rio Previdência (responsável pelo pagamento das aposentadorias e pensões do serviço público) e 7 bilhões dizem respeito à dívida pública do estado. Para 2016, o orçamento previsto para o Rio é de 78,8 bilhões.
5) Quais são as propostas do governo para tentar frear a crise?
Em 4 de novembro, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ) apresentou um pacote de medidas para conter a crise econômica no estado. Apelidado pelos críticos de “pacote de maldades”, entre as determinações, há a redução em 30% das gratificações em cargos comissionados, o aumento da alíquota previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Um dos pontos mais criticados é o desconto de 30% dos salários de funcionários e das pensões dos aposentados por 16 meses.

6) Que outras áreas serão afetadas, caso o pacote seja aprovado pela Alerj?
Haverá a municipalização, isto é, o repasse da gestão, do estado para os municípios, das unidades do Restaurante Cidadão, que oferece refeições a preços populares. Também está na mira o fim do pagamento do aluguel social para 10 mil beneficiários – em geral, moradores de baixa renda que vivem em áreas de risco. Está previsto também reajuste de 15% na tarifa do Bilhete Único intermunicipal, que passará de 6,50 para 7,50 real.

A proposta do governo também prevê o aumento de impostos como o ICMS para setores como cerveja (de 17% para 19%), fumo (25% para 27%), energia residencial (25% para 29%), refrigerante (de 16% para 18%) e telecomunicações (26% para 30%). Outra mudança é a redução do número de secretarias estaduais de 20 para 12 pastas.

Fonte: Carta Capital

 

Desemprego e insegurança dominam papos nas redes e nos bares do Rio

Crise política e econômica se junta a fim de ano de pouca comemoração

Em Copacabana, comemoração na chegada de 2016, que termina malogrado: até Réveillon será com menos festa para o carioca, que busca esperança – Hermes de Paula/01-01-2016

A Lagoa Rodrigo de Freitas não se enfeitará com as luzes de Natal. Neste fim de ano, a cidade não terá a simbólica árvore, enquanto o Réveillon será, digamos, mais minimalista: Copacabana, que já teve três palcos de shows para a alegria da multidão, contará desta vez com apenas um. Uma atmosfera de desânimo paira sobre o Rio de Janeiro que, ironicamente, há quatro meses, vivia o embalo da Olimpíada. Partiram as delegações, e o astral dos cariocas entrou em queda junto com a economia do estado. Esse clima se reflete nas redes sociais, onde dinheiro curto, desemprego, descrença na política e aumento da insegurança dominam os debates, que não raro acabam até com amizades.

“Pensando bem, este ano de 2016 pode ter sido um capítulo de Black Mirror”, escreveu no Facebook outro dia Zeca Borges, criador do Disque Denúncia, serviço que vem sendo ameaçado pela crise. No post, ele brinca e faz metáfora com o sentimento de muitos, usando a perturbadora série britânica que trata da relação do homem com a tecnologia, às vezes, de forma sombria e assustadora.

— Não sabemos mais como acordaremos no dia seguinte, com que tipo de notícia vamos nos levantar da cama. A crise estava prevista, mas ninguém sabia que seria essa desesperança. E você ainda vê nas redes e nas ruas do Rio uma intolerância marcante, uma falta de paciência, de empatia com os outros — diz Zeca, que tem escutado gente falando que quer ir embora não só do Rio, como do Brasil. — As coisas que os cariocas gostam parecem ter ficado sem graça. O Arpoador ficou sem graça… Temos que voltar a gostar de passear em Copacabana, andar no calçadão… E, se o humor acaba, a coisa fica muito grave.

O cantor e compositor Martinho da Vila diz que a euforia da Olimpíada passou, e o carioca baixou a bola. Até o espírito natalino sofre o baque.

— Se fala o tempo inteiro da crise financeira, de Brasília. E é aqui no Rio que as coisas ecoam. O clima está estranho. Aqui na Barra (onde mora) tem poucos condomínios e casas com luzes de Papai Noel. E a árvore da Lagoa, bem simbólica, não vai ter. Isso tudo ajuda a jogar para baixo, e a energia negativa vai ganhando… Já fiz a minha árvore, com luz e tudo. Precisamos rir de nós mesmos — aconselha, soltando a sua contagiante gargalhada.

À ESPERA DE PATROCINADOR

Este ano, ele remou contra essa maré lançando o disco “De bem com a vida”. No samba que dá nome ao CD, Martinho canta: “Se um sonho dançou/Sabe o que faço?/Boto fone nos ouvidos/E curto um som/Certamente outras vitórias virão/Agora, o importante é torcer/E manter viva a esperança”.

— Não fico para baixo nunca — garante ele, gargalhando de novo. — Quem está de mal com a vida não faz nada, não colabora e vai ficando cada vez mais fiu-fiu-fiu… Nos períodos mais difíceis é que temos que ser mais positivos. Quem mudou a história do mundo foram os otimistas, que acreditam.

Até para fazer uma festa bonita da virada estão sendo necessárias boas doses de esperança. Quem diz é o secretário municipal de Turismo, Antonio Pedro Figueira de Mello: ele espera que até a próxima quinta-feira patrocinadores interessados no evento se manifestem. Caso contrário, caberá à prefeitura bancar todos os custos. Ele afirma que os fogos em Copacabana terão a mesma grandeza e que outros pontos da cidade, como o Flamengo, não ficarão sem brilho no céu. Mas é fato que a farra não será a mesma só com um palco. E a Zona Portuária, cotada para entrar no circuito, ficou mesmo de fora.

O bossa-novista Carlos Lyra espelha o abatimento dos dias de hoje. Para o cantor e compositor, o Rio vive uma grande ressaca: financeira, puxada pelo caos nos cofres do estado e os gastos com os Jogos; política, representada por uma eleição a prefeito com alto índice de abstenção; e social, num ciclo que une desemprego, desespero e violência.

— Nossa linda cidade, que tanto amo, tem praias sujas, águas impróprias para banho, ruas mal asfaltadas, bueiros entupidos, esgotos ligados a tubulações de água pluvial e lançado in natura no mar e nas lagoas, lixo jogado no chão, motoristas mal educados… — vai listando o músico, que já se declarou ao Rio na canção “Em tempo, eu te amo” (“Eu vim pra te dizer/Que eu te amo por inteiro/E mais a cada dia/Eu te amo sim/Meu Rio de Janeiro!”). — Superar esse momento depende de muitas mudanças e não simplesmente do cidadão carioca, que é admirado em todo o mundo por sua alegria e receptividade. Dependemos basicamente de mudanças de base. Educação e cidadania! Tolerância zero à qualquer nível de corrupção.

A filósofa Viviane Mosé também associa a fase de descrença ao aumento da criminalidade, à baixa participação dos eleitores e à crise do estado. Nesse caldeirão ela inclui até o cenário internacional, com a eleição de Donald Trump nos EUA. Tudo isso estaria mexendo com os nervos por aqui:

— A cidade passou por uma grande euforia alguns anos atrás, quando ganhamos a possibilidade de fazer a Olimpíada e, antes, a Copa. O carioca não era o centro do Brasil, mas do mundo. As Havaianas eram moda no mundo, o Rio era moda no mundo. E, nos últimos seis anos, isso foi mudando radicalmente até chegar à situação atual, de desânimo. A situação do estado é muito grave, e isso implica na questão da insegurança. É extremamente angustiante — afirma a filósofa, dizendo que é difícil não desejar que 2016 acabe logo.

INQUIETUDE DO CARIOCA

Ela, no entanto, destaca que os moradores vão “virar o jogo”, até porque essa não é a primeira vez que a cidade passa por acontecimentos “extremamente difíceis”. Sentindo as nuvens carregadas sobre o Rio no próprio consultório, a psicóloga Regina Pontes, professora da PUC, diagnostica como falta de perspectiva uma das angústias mais relatadas.

— As pessoas estão mais abatidas que em outros momentos. Mas ainda vejo um brilho nos cariocas. Chegam algumas pessoas deprimidas, mas buscando saída. Não vejo as pessoas paralisadas. Temos que aproveitar esse movimento que o carioca tem, essa inquietude, e ir adiante.

Nas mesas do bar Lagoa e da Fiorentina, bons termômetros de estresse e euforia, não se fala em outra coisa a não ser nas agruras da política e da economia. Dono das duas casas, o empresário Omar Peres, o Catito, conta que impera uma certa tristeza. Mesmo assim, o carioca não deixa a peteca cair:

— O momento é de perplexidade. Mas o carioca não deixa de ser carioca. Não deixa de sair, de encontrar amigos e falar mal do governo na mesa de bar.

Fonte: O Globo

Diante dos pedidos de ajuda feitos pelo governador Luiz Fernando Pezão para tirar o Rio da crise, o EXTRA reuniu dez sugestões de órgãos, deputados e especialistas em administração pública, diferentes das medidas contidas no pacote de ajuste fiscal levado pelo governo à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). As propostas, se trabalhadas corretamente, poderiam resultar em aumento de receitas ou diminuição de despesas (confira abaixo), segundo seus autores.

— Os assuntos que apresentam alternativas ao Rio precisam ser prioridade número um para o governo. Essas alternativas aliadas podem ajudar na recuperação econômica — disse Istvan Kasznar, economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os pedidos de Pezão foram feitos após ele mesmo anunciar o pacote de medidas composto inicialmente por 22 projetos de lei e seis decretos. O governador tem dito que, diante da grave crise, fez as propostas que entende como necessárias para a solução do caos financeiro. O problema é que, hoje, o governo não tem um plano B, caso as ideias não sejam aprovadas pela Alerj. Pezão alertou para a falta de opções após os deputados estaduais vetarem a discussão de uma cota extra de contribuição à Previdência para os servidores.

— Não temos plano B. As pessoas têm que contribuir para ter esse direito adquirido (à aposentadoria). O Tesouro Estadual não tem recursos para bancar isso — disse.

Pezão deverá receber mais sugestões a partir desta semana. No dia 16, começarão as discussões dos 21 projetos restantes pela Alerj. Mas as medidas, porém, são criticadas.

— A extinção de fundações e o corte de secretarias parecem corte de vento, pois não se falou em redução do número de servidores, que serão remanejados para outros órgãos — alertou a especialista em administração pública Selene Nunes.

 

 

 

 

Fonte: Jornal Extra

Enquanto o estado tenta aprovar, em meio à calamidade financeira, um pacote de austeridade que extingue programas sociais e atinge salários, Judiciário, Ministério Público, Legislativo, Tribunal de Contas — e o próprio Executivo — mantêm intocados benefícios que, na proposta orçamentária para 2017, deverão ultrapassar R$ 2,1 bilhões. O dinheiro será gasto com auxílios para moradia, combustível, educação e transporte, entre outros, que estão respaldados por lei e que favorecem da base dos servidores aos deputados, passando por procuradores e desembargadores. O valor equivale a 35% dos R$ 5,9 bilhões que o governo quer arrecadar com o aumento da alíquota e a criação de uma contribuição previdenciária suplementar para o funcionalismo. É ainda 28 vezes maior do que os R$ 74,1 milhões que o estado espera economizar com a extinção do aluguel social. A conta é grande e, ao mesmo tempo, discreta: prova disso é que a Assembleia Legislativa (Alerj) não informa o total de sua despesa com esses benefícios.

É certo que a ajuda não chega a ser pomposa para todos. Assim como as remunerações variam de acordo com os cargos, os benefícios se diversificam conforme o nível de poder. Nessa matemática seletiva, um professor da rede estadual tem R$ 158 mensais de auxílio-alimentação (R$ 7,18 por dia útil). Um funcionário do Tribunal de Justiça recebe bem mais: R$ 1.050 por mês (R$ 47,72 diários). E, se for um magistrado, o benefício chega a R$ 1.825 (R$ 82,95 por dia).

Uma única juíza da Região dos Lagos recebeu, em agosto, benefícios que resultaram num acréscimo de R$ 11,6 mil em seu salário bruto, de aproximadamente R$ 28 mil. Ao todo, 854 magistrados e 900 funcionários do Ministério Público têm direito a R$ 4.377,73 mensais de auxílio-moradia. O benefício também é concedido — em valor menor, R$ 3.189,85 — a 11 deputados que moram a mais de 150 quilômetros da capital do estado. E todos os 70 parlamentares fluminenses contam com um cartão para gastar R$ 2.970 em combustível por mês. Eles ainda têm, em tempos de e-mail, uma cota mensal de mil selos para envio de correspondências.

— Isso é incoerente. O estado tenta fazer ajustes e não mexe nos auxílios? Se precisamos sacrificar, vamos sacrificar todo mundo, não só aqueles que eventualmente têm um rendimento menor. Alguns desses auxílios são, na prática, complementos salariais, como o caso do auxílio-moradia — diz o especialista em direito previdenciário Theodoro Agostinho.

O advogado Carlos Jund, da Federação das Associações e dos Sindicatos dos Servidores Públicos (Fasp), também vê no pagamento de benefícios uma forma de salário indireto:

— Os benefícios variam de categoria para categoria. São auxílios de natureza indenizatória que não entram no cálculo do teto salarial. Há categorias que precisam recebê-los, o objetivo é evitar que o setor público perca profissionais para o setor privado. O que contesto é a camuflagem do sistema de pagamentos.

MP e TJ: ajuda de R$ 1,1 bilhão

A previsão de gastos com benefícios para 2017 está embutida na proposta orçamentária do estado, que ainda não foi aprovada e que deverá ser revista após a votação do pacote de austeridade do governo. Mas há poucos detalhes sobre auxílios no projeto de lei enviado à Alerj. Para levantá-los, repórteres do GLOBO precisaram vasculhar os sites das instituições que os concedem e buscar dados junto aos poderes.

As informações disponíveis revelam que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça são generosos: no ano que vem, planejam destinar ao pagamento de auxílios 28,7% e 26,7%, respectivamente, de suas despesas com pessoal e encargos sociais. O MP estima gastar R$ 293 milhões em benefícios, ou 18,76% de seu orçamento de R$ 1,561 bilhão.

Pela proposta do TJ, dos R$ 4,66 bilhões de despesas previstas para o próximo ano, R$ 808,65 milhões (17,3% do total) são para assegurar benefícios. Desse valor, R$ 153 milhões têm como fonte o tesouro estadual. Outros R$ 655,65 milhões sairiam da receita própria — remuneração paga pelo Banco do Brasil para ter exclusividade na administração dos depósitos judiciais (0,27% do saldo médio mensal).

Só em auxílios para magistrados, a despesa prevista é de R$ 137,3 milhões. Juízes e desembargadores, que não ganham menos de R$ 27 mil brutos, recebem, em geral, mais benefícios que os servidores lotados no TJ. Em média, cada um ganhou, na folha de agosto, cerca de R$ 7,8 mil brutos em ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-alimentação, moradia e educação, além de indenizações de transporte e por dias de compensação de plantão não usufruídos (repouso remunerado).

No Executivo, benefícios minguados

Os servidores do TJ têm situação mais confortável que a de outros funcionários do estado. Mesmo assim, reina o descontentamento. Há dez anos como técnica judiciária, Marluce do Nascimento diz que, apesar dos auxílios, é difícil sobreviver com o que ganha.

— Recebemos outubro em três parcelas, por conta dos arrestos nos cofres do estado. Estamos sem reajuste há dois anos. Querem congelar nossos salários por mais dois. Também acumulamos perdas com a inflação — reclama Marluce, que compara seus benefícios aos dos magistrados: — Tudo bem que tenham salários superiores ao nosso, mas eles ganham mais auxílios.

Em valores absolutos, é o Executivo que paga mais benefícios: estão previstos R$ 961 milhões em auxílios para 2017. Mas trata-se também do poder com maior número de servidores: 467.516, somando ativos, inativos e pensionistas. Em geral, eles recebem valores bem mais baixos que os do TJ. Dos órgãos da administração direta do governo, o que oferece o maior auxílio-alimentação é a Polícia Civil, que repassa R$ 263,89 (R$ 12 por dia útil) a cada funcionário.

Agente do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase), Eduardo Pereira Neto conta que os auxílios que recebe são tão pequenos que passam até despercebidos no contracheque.

— Trabalhamos sob constante risco e não temos sequer adicional de insalubridade. Lidamos com jovens que estupram e matam — reclama Eduardo, que mora com a mulher e dois enteados em São Gonçalo e que, há dois anos no Degase, recebe R$ 2.500 líquidos. — Para nossa salvação, minha esposa trabalha como gerente num posto de gasolina.

Há discrepâncias dentro do Executivo. Dos 33 órgãos da administração direta, apenas as secretarias de Segurança, Saúde, Educação e Administração Penitenciária, além de Degase, polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros têm direito ao auxílio-alimentação. O benefício é concedido a quase todas as autarquias, fundações e empresas do estado.

Na Alerj, a ajuda para a alimentação é de R$ 40 por dia útil. Funcionários com filho de até 24 anos matriculado numa escola ou faculdade, pública ou privada, têm direito a uma bolsa de reforço escolar de, no mínimo, R$ 1.052,00 (valor bruto). De janeiro a agosto, só esse benefício custou R$ 34,7 milhões à Casa.

Assim como a Alerj, a Defensoria Pública não informou os gastos previstos com auxílios em 2017. Já o TCE estipula uma despesa de R$ 62,7 milhões com benefícios no próximo ano.

TJ diz que benefícios estão previstos em lei

Apesar da conta bilionária referente ao pagamento de auxílios, os órgãos do estado se defendem. Dizem que seguem as leis e que até estão reduzindo os gastos com esses benefícios. O Tribunal de Justiça, que abriu seus números em detalhes, alega que os diferentes tipos de ajuda recebida por seus magistrados e servidores decorrem de legislações específicas. Por meio de uma nota, afirma que “o Judiciário sempre irá observar suas dotações orçamentárias e os rígidos limites imputados na Lei de Responsabilidade Fiscal”. Além disso, lembra que auxílios para moradia e alimentação não são exclusivos de magistrados — também os recebem funcionários do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Assembleia Legislativa.

Com auxílio-moradia para seus juízes e desembargadores, o Tribunal de Justiça gastou de janeiro a outubro deste ano R$ 37 milhões. No total, nos dez primeiros meses de 2016, os magistrados receberam ainda R$ 15,5 milhões para alimentação; R$ 2,5 milhões de auxílio pré-escolar (para aqueles que têm dependentes até 7 anos), R$ 4,49 milhões de auxílio-educação e R$ 7,47 milhões de indenização com transporte (magistrados de primeiro grau).

Para o ano que vem, o tribunal prevê um gasto total de R$ 50 milhões com moradia para os magistrados. Para todos os funcionários, o TJ ainda destinará R$ 22 milhões à alimentação, R$ 3,5 milhões ao auxílio pré-escolar, R$ 10,5 milhões ao transporte e R$ 7,3 milhões à educação.

Os valores provocam críticas entre servidores do Executivo.

— Que o Judiciário continue a receber auxílios, mas que nos paguem os mesmos benefícios — diz Marta Moraes, coordenadora do Sindicato estadual dos Profissionais do Ensino (Sepe).

Diretor do Sindicato dos Médicos, José Antônio Romano reclama que profissionais de saúde estão há 18 anos sem aumento real de salário:

— Há marajás nos outros poderes. Sobram auxílios para creche, transporte, alimentação… Nenhum médico do estado tem tantos direitos.

Alerj e MP tentam reduzir despesas

Na defesa de seus gastos, o Ministério Público e a Assembleia Legislativa afirmaram que têm tomado medidas para reduzir todas as suas despesas, inclusive com benefícios. Ao não informar o total que planeja pagar em 2017 com auxílios a servidores e deputados, a Alerj argumentou, por e-mail, que em seu orçamento não consta a rubrica “despesas com benefícios”. Porém frisou que tem feito revisões nas ajudas concedidas.

A Casa informou, por exemplo, que a cota de selos à qual cada deputado tem direito caiu de três mil para mil. Alegou também que o cartão- combustível dos parlamentares está congelado em R$ 2.970 desde a legislatura anterior. Foi estabelecido ainda um limite de duas bolsas de reforço escolar, no valor de R$ 1.052 cada, a funcionários com filho de até 24 anos de idade matriculado em creche, escola ou faculdade. No entanto, observando a folha de pagamento de agosto do Legislativo, há assessores parlamentares e assistentes que recebem R$ 6.314,04 por meio desse auxílio, o equivalente a seis bolsas.

“Ressalte-se que os salários dos funcionários da Alerj não têm reajuste desde 2014. As medidas de contenção de gastos geraram economia de R$ 169 milhões em 2015. Ressalte-se, também, que, entre 2014 e setembro de 2016, houve redução de 16% no custeio. Isso permitiu à Alerj fazer uma série de doações ao estado”, destacou a Casa em uma nota.

No total de gastos com pessoal, a Alerj também garante que economizou: de um orçamento de R$ 862 milhões, gastou R$ 539 milhões até outubro deste ano. “Em outras palavras, não significa que toda a despesa prevista para o ano que vem será executada. Ademais, como o orçamento ainda será votado e aprovado, esses valores (de 2017) devem mudar”, observou a Alerj.

Já o Ministério Público se limitou a dizer que o Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça aprovou, por unanimidade, a sua proposta orçamentária para o exercício de 2017, no montante de R$ 1,59 bilhão. A elaboração foi conduzida, segundo um comunicado, “com extrema atenção ao princípio da eficiência do gasto público” e levando em conta a crise pela qual passa o estado.

Este ano, o MP assegura que economizará cerca de R$ 220 milhões, pois executará 88% do orçamento de 2016, previsto em R$ 1,53 bilhão.

Procurados, o TCE e a Defensoria Pública não apresentaram seus argumentos.

O desembargador Custódio de Barros Tostes, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio, concedeu na tarde desta terça-feira uma liminar que suspende a tramitação na Assembleia Legislativa do projeto de lei 2.241/2016, relativo à cobrança de alíquota extra de contribuição previdenciária para o funcionalismo do estado. Nessa proposta, o Palácio Guanabara pediu a deputados a aprovação de um desconto extraordinário de 16% dos salários de todos os servidores da ativa e dos inativos que recebem mais de R$ 5.189 mensais. Já os aposentados e pensionistas que ganham abaixo desse teto teriam que pagar uma alíquota de 30%. A cobrança seria feita por 16 meses e também atingiria funcionários do TJ.

A decisão atendeu a um mandado de segurança impetrado pelo deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB). Ele argumentou que a proposta do governo é inconstitucional. Para Leonardo Vizeu, presidente da Comissão de Direito Econômico da OAB/RJ, é possível que a decisão da Justiça do Rio represente um conflito de interesse, já que os serventuários seriam afetados pela medida do governo.

— Em princípio, sim, mas precisaríamos avaliar mais cuidadosamente a questão. De qualquer forma, o assunto é de competência da Justiça estadual porque a Constituição diz que os entes federativos podem legislar concorrentemente sobre a previdência social — afirmou Vizeu.

ESTADO VAI RECORRER

O aumento de contribuições previdenciárias faz parte do pacote de medidas anticrise enviado pelo governo à Alerj, para tentar reduzir o déficit nas contas do estado.

— Na ação, argumento que descontos que podem chegar a 30% do salário têm caráter de um verdadeiro confisco. O estado tem que buscar outras maneiras de reduzir despesas. Prejudicar os servidores não é a solução — disse Luiz Paulo.

No entendimento do desembargador Custódio de Barros Tostes, os descontos, em alguns casos, poderiam comprometer mais da metade dos vencimentos dos servidores. Ele observou que a Constituição estabelece um teto de 11% como alíquota máxima para contribuições previdenciárias.

O governo informou, por meio de uma nota assinada pelo secretário da Casa Civil, Leonardo Espíndola, que vai recorrer da decisão.

Manifestantes deixam a Alerj após três horas de discurso no plenário

Milhares de servidores fizeram protesto em frente ao Palácio Tiradentes

Servidores do Estado invadiram o plenário da Alerj Foto Pablo Jacob / Agencia O Globo Foto: Agência O Globo

Servidores do Estado invadiram o plenário da Alerj Foto Pablo Jacob / Agencia O Globo – Agência O Globo
 

 

Após três horas de discurso na mesa da presidência do plenário, os manifestantes deixaram a Alerj, às 17h, pela porta da frente, cantando o Hino Nacional. Durante o ato dentro da Casa, o grupo depredou a sala da vice-presidência, rasgou documentos e quebrou portas. Eles entregaram uma carta endereçada ao presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), em que reivindicam, principalmente, o arquivamento do pacote e a saída do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão. O protesto, que começou de manhã, acabou por volta das 17h30m.

No meio da tarde, um grupo arrancou tapumes de uma obra na Assembleia Legislativa e invadiu o Palácio Tiradentes. Mais cedo, eles bateram nesses tapumes e gritaram palavras de ordem pedindo a saída do governador e do presidente da Alerj.

Desde a manhã, milhares de servidores e aposentados — a maior parte da área de segurança — protestaram em frente à Casa contra o pacote de medidas enviado pelo governo do estado. Com buzinas e apitos, os manifestantes fazem bastante barulho na porta da Casa. Nas mãos, cartazes contra as medidas do governo. “Não ao pacote das maldades” e “Não à covardia contra os servidores públicos ativos, a aposentados e pensionistas” são alguns deles. A Polícia Militar informou que não vai estimar o número de manifestantes. Os organizadores do protesto estimaram em 20 mil.

A pista lateral da Avenida Presidente Antônio Carlos, na altura da Avenida Franklin Roosevelt, e a Rua Primeiro de Março ficaram interditadas durante a tarde. As duas vias foram liberadas pouco antes das 18h.

O plenário foi ocupado por volta das 14h, onde representantes de cada categoria realizam um discurso de rejeição ao pacote. O objetivo dos funcionários era conversar com o presidente da casa. Dezenas de PMs em serviço acompanharam.

— O pacote de maldades ia entrar em votação hoje. Como vão tirar um direito que é nosso? Aqui tem muito cargo comissionado que ganha mais do que a gente. Já era para termos recebido, e não recebemos. Existe dinheiro na Casa. Precisamos fazer algo para chamar a atenção — disse um subtenente dos bombeiros, que participa do protesto dentro do plenário.

Servidora discursa para os colegas na Alerj – Dayana Resende
 

 

Ao ser surpreendido pela entrada dos manifestantes no plenário, o deputado Wagner Montes, que estava no local, explicou ao grupo, sob vaias, que o projeto não seria votado nesta terça-feira. Ele informou que o pacote está na pauta para ser votado em dezembro e acrescentou que o texto ainda receberá emendas. Após o discurso do deputado, muitos servidores deixaram o plenário e voltaram para a porta da Alerj.

Em nota, Jorge Picciani declarou que “a invasão do plenário da Alerj é um crime e uma afronta ao estado democrático de direito sem precedentes na história política brasileira e deve ser repudiado. Esse é um caso de polícia e de justiça e não vai impedir o funcionamento do Parlamento (…) Os prejuízos causados ao patrimônio público serão registrados e encaminhados à polícia para a responsabilização dos culpados”.

Segundo o comunicado, as discussões das mensagens enviadas à Assembleia pelo Poder Executivo começam no dia 16.

ESPERANÇA NOS DEPUTADOS

O presidente da Coligação de Policiais Civis (Colpol), o comissário Fábio Neira, disse que o objetivo é sensibilizar os deputados para que eles barrem as medidas austeras propostas pelo governo.

– Espero que essa Casa barre aqui esse ‘pacote das maldades’. As lideranças da Polícia Civil enviaram um carta de repúdio aos deputados – disse Neira.

Por volta de 12h, numa reunião entre representantes dos policiais e bombeiros e da Secretaria de Administração Penitenciária com deputados da Comissão de Segurança da ALERJ,  o presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sindpol), Francisco Chao, havia garantido que a categoria não seria agressiva.

  • Servidores públicos do Rio de Janeiro invadem a Alerj durante protesto contra pacote de medidas do governo estadualFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Manifestantes ocuparam o plenário durante atoFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Servidores entraram no plenário pela porta principalFoto: Agência O Globo

  • Manifestantes forçam a entrada no prédio da AlerjFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Manifestantes invadiram a sala do Deputado Wagner Montes Foto Pablo Jacob / Agencia O GloboFoto: Agência O Globo

  • No fim da tarde, servidores desocuparam a Casa Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Protesto em frente à Alerj tem fumaça azul e cartaz pedindo dignidadeFoto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

  • Manifestantes lotam a Rua Primeiro de Março, no Centro do RioFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Aposentados, servidores e pensionistas protestam contra pacote proposto pelo governador PezãoFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Manifestantes exibem cartazes com frases contrárias ao pacote de cortesFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

  • Cartazes criticam desvalorização dos servidores públicos e policiaisFoto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Deputados recebem carta de protesto do Sindicato dos Policiais Civis do Rio de Janeiro (Sindpol), entre eles Martha Rocha (PDT), Zaqueu Teixeira (PDT) e Flavio Bolsonaro (PSC). – Gustavo Goulart
 

 

– Entendemos que essa casa é de diálogo. Gritaria é no botequim. Nós não vimos aqui para gritar. Fomos procurados, inclusive, por outras categorias do serviço público. Temos muita simpatia, estamos irmanados na dor. Mas, eu fico muito tranquilo em dizer isso, não contem conosco para aumentarmos o problema. Nós, policiais, quando viemos aqui para essa casa, viemos para dialogar, e não para entrar em atrito com o corpo de segurança da Alerj – garantiu Chao.

Logo depois, a presidente da Comissão de Segurança, deputada Martha Rocha (PDT), pediu aos representantes que fossem para fora da Alerj pedir calma a manifestantes que estavam querendo entrar na assembleia.

– Peço aos senhores representantes para irem até lá. Como combinamos, não cabe mais ninguém aqui dentro – solicitou Martha Rocha.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) cobrou diálogo entre servidores e os poderes executivo e legislativo e afirmou que os 30% de contribuiçao de ativos, inativos e pensionistas é inconstitucional.

“O efeito da perda de 1/3 do salário causará dramáticos prejuízos à administração familiar dos servidores. Somada à obrigação do imposto de renda, o desconto poderá consumir até 50% de seus vencimentos. (…) Dentro de seu papel institucional, a OAB/RJ defende uma política de austeridade que corrija os excessos, diminua os cargos comissionados, reduzindo e racionalizando os custos, a fim de trazer a bem-vinda e desejada recuperação econômica do Rio de Janeiro.”, diz o comunicado, assinado pelo presidente da Seçao do Rio de Janeiro, Felipe Santa Cruz.

FUMAÇA AZUL

No início do protesto, policiais militares, que caminharam da Central à Alerj, junto com bombeiros e agentes do Desipe, soltaram uma fumaça azul para representar a participação dos agentes da corporação no protesto.

A região foi cercada por policiais do Batalhão de Choque, que atuaram na segurança durante o protesto.

PICCIANI PREVÊ APROVAÇÃO

Servidores protestam contra pacote proposto pelo governador Pezão – Pablo Jacob / Agência O Globo
 

 

Mesmo com toda a repercussão negativa que o pacote de ajuste fiscal do governo suscitou entre deputados — inclusive os da base aliada —, Picciani calcula que os projetos de lei enviados pelo governador Luiz Fernando Pezão serão aprovados com 40 a 50 votos. Com 36 votos, caso os 70 deputados apareçam em plenário, o governo garantiria a aprovação das medidas dos 18 projetos de lei ordinária e dos três projetos de Lei Complementar (que demandam maioria absoluta).

Ao GLOBO, Picciani, que é o principal articulador do pacote na Alerj, afirma que a estratégia de negociação é convencer os parlamentares contrários ao projeto que não há outro caminho para equilibrar as contas do estado. Ele garantiu ainda que o PMDB, com 15 deputados, vai apoiar ao pacote.

— Vai demandar um grande debate, mas vai se avançar muito. O Estado não pode ficar nessa situação. Evidente que são medidas duras, mas necessárias. Acho que nós vamos construir uma maioria para aprovar. Acredito que (teremos) na faixa entre 40 e 50 votos, que será suficiente para aprovar a maioria — disse.

O Rio vai encarar, a partir do próximo ano, o pacote de austeridade mais duro da crise financeira que está enfrentando. Entre decretos que serão publicados no primeiro dia de 2017 e projetos de lei que chegarão hoje à Assembleia Legislativa, o Palácio Guanabara pretende adotar medidas como aumentar a contribuição previdenciária, inclusive com a criação de uma alíquota extraordinária, acabar com programas sociais, suspender reajustes salariais, cortar cargos comissionados, elevar impostos e recorrer aos fundos de outros poderes para pagar servidores. O resultado seria um ganho de arrecadação de R$ 13,4 bilhões em 2017 e de R$ 14,76 bilhões no ano seguinte. O governo do estado alega que, se nada for feito, o rombo ao fim de 2018 vai chegar a R$ 52 bilhões.

— O estado está quebrado. É preciso fazer alguma coisa — defendeu uma fonte do Palácio.

Se o governo tiver o apoio da Alerj e a apreciação do pacote for ágil, parte das medidas que precisa do aval do Legislativo entrará em vigor em abril do ano que vem. A proposta de aumento das alíquotas previdenciárias, que pode gerar mais resistência, depende da habilidade política do presidente da Casa, Jorge Picciani, para fechar um acordo com os deputados. Os servidores ativos, que já contribuem com 11% dos vencimentos, vão passar a pagar 14%, além de uma alíquota extraordinária de 16% concebida para reduzir o déficit previdenciário. Inativos e pensionistas que ganham mais de R$ 5.189 também pagarão os mesmos percentuais.

A mudança mais extrema será sentida na faixa de aposentados e pensionistas que ganham abaixo de R$ 5.189. Isentos até hoje, eles passarão a contribuir, caso o projeto de lei seja aprovado, com 30% de seus vencimentos. Com a medida, todos os funcionários, inclusive aposentados, terão, ao final, o mesmo desconto nos salários.

A duração dessa alíquota extra, prevista em lei, é de quatro quadrimestres, ou dezesseis meses. O governo sabe que poderá haver reação, mas aposta numa estratégia de convencimento alegando que, se não houver um freio no desequilíbrio das contas públicas, demissões se tornarão inevitáveis, o que seria mais traumático.

— Se não passar, será demissão em massa ou colapso — observou um técnico estadual.

Entre os programas sociais, serão extintos por decreto o Aluguel Social, voltado para desabrigados, e o Renda Melhor, destinado aos que vivem em extrema pobreza. Os restaurantes populares também vão acabar, a menos que sejam absorvidos pelos municípios. Os gastos do Bilhete Único por pessoa ficarão limitados a R$ 150 por mês.

Para crescer a receita, haverá aumento de ICMS de energia, telecomunicações, gasolina, cerveja, refrigerante e cigarro. O aparato administrativo não escapou à tesourada. O número de secretarias passará de 20 para 12, com a fusão de várias pastas, e oito autarquias e fundações estaduais serão extintas.

Previdência

Governo também quer cobrar uma alíquota extraordinária de 16% de todos os servidores ativos e inativos – Ricardo Costa / Ricardo Costa
 

Um projeto de lei vai propor o aumento do desconto previdenciário de 11% para 14%. A medida afeta todos os servidores da ativa e os inativos que ganham acima de R$ 5.189,82. Será proposto ainda que a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas, a Defensoria Pública e o Ministério Público paguem a contribuição de seus servidores a partir de 2018. A economia será de R$ R$ 1,2 bilhão ao ano.

Em caráter temporário (quatro quadrimestres), o governo também quer cobrar uma alíquota extraordinária de 16% de todos os servidores ativos e inativos que ganham mais de R$ 5.189,82. Aposentados e pensionistas que ganham abaixo desse teto previdenciário e hoje são isentos passariam a sofrer um desconto de 30% em seus vencimentos. A medida depende de aprovação de projeto de lei. A medida deve gerar uma economia de R$ 6,8 bilhões ao ano.

Bilhete Único

Valor pago pelo usuário da tarifa será reajustado de R$ 6,50 para R$ 7,50 – Fernando Lemos / Agência O Globo
 

O valor pago pelo usuário da tarifa (subsidiada pelo estado) será reajustado de R$ 6,50 para R$ 7,50 a partir de 1º de janeiro de 2017. Outra medida será limitar o benefício concedido ao usuário a R$ 150 por mês. Se o passageiro gastar acima desse valor, ele ou o seu empregador terá de arcar com a diferença. A mudança pode ser feita por decreto, mas a Alerj precisa autorizar o governo a editá-lo. A economia de será de R$ 256 milhões ao ano.

Tamanho do Estado

Secretaria de Fazenda vai incorporar a de Planejamento – Agência O Globo
 

Será feita uma reestruturação administrativa, com extinção de secretarias e fusão de outras. Com a reforma, estima-se que haverá redução de 30% dos cargos comissionados e 50% do valor das gratificações. A Secretaria de Planejamento, por exemplo, será incorporada pela Fazenda. Entre as pastas que serão preservadas está a de Segurança. A medida depende de decreto. A economia será de R$ 100 milhões por ano.

Programas sociais

Fim ou municipalização do restaurante popular

O tema será abordado em um decreto. O estado quer que as prefeituras assumam os restaurantes, que hoje servem diariamente 34.777 refeições e 21.877 cafés da manhã a preços populares. Isso já aconteceu em Campos e no Rio. Se os municípios não aceitarem, a opção será encerrar de vez o programa, que hoje acumula uma dívida de R$ 22,3 milhões.

Aluguel social deixará de ser pago

O programa, que já vem sofrendo com atrasos, vai acabar, a partir de junho de 2017. Os beneficiários do Aluguel Social são desabrigados, muitos em consequência de chuvas fortes, que recebem entre R$ 400 e R$ 500 por mês. Hoje, 9.640 famílias se beneficiam dos repasses em 15 municípios. O estado ainda deve entregar novas moradias definitivas até o fim do ano. A medida vai gerar uma economia de R$ R$ 74,1 milhões ao ano.

Programa renda melhor também vai acabar

Criado em 2011, o programa é parte integrante do Plano de Erradicação da Pobreza Extrema no Rio de Janeiro e assiste com benefício financeiro as famílias de baixa renda já atendidas pelo Bolsa Família. Como o Aluguel Social, já vem sendo pago com atraso para as 154 mil famílias que hoje recebem o auxílio.

 

ICMS

Em residências com consumo de energia superior a 300 kilowatts, o percentual sairá de 25% para 27% – Pedro Teixeira / Agência O Globo
 

 

Projeto de lei prevê elevar a alíquota de ICMS para alguns setores. Em residências com consumo de energia superior a 300 kilowatts, o percentual sairá de 25% para 27%. Moradias com dois aparelhos de ar-condicionado, geladeira, micro-ondas e máquina de lavar se enquadram nesse perfil. Cerveja terá 18% de ICMS e fumo, 27%. Medida afetará ainda gasolina, refrigerante e telefone. A medida vai aumentar a receita em R$ 1,4 bilhão ao ano.

Pagamento de pessoal e controle de repasses

O prédio do Tribunal de Justiça do Rio – Márcio Alves / Agência O Globo
 

O projeto de lei do Estado quer autorizar que 50% da receita de alguns fundos, incluindo os da Defensoria Pública, da Alerj, do Tribunal de Contas, da Justiça, do Ministério Público, sejam usados para cobrir pagamento de pessoal dos próprios órgãos que os controlam. A medida seria autorizada por quatro quadrimestres, ou 16 meses. A economia será economia R$ 500 milhões ao ano.

O governo quer mudar, com projeto de lei, a forma de repasse de duodécimos (previstos na Constituição) para Alerj, TJ, TCE, MP e Defensoria. A partir de 2018, valores repassados mensalmente pelo Estado a essas instituições passariam a ser calculados pela Receita Corrente Líquida. Hoje, o cálculo é feito pelo orçamento previsto, sem levar em conta possível queda de receita. A economia será de R$ 400 milhões.

Reajustes salariais

Bombeiros terão salarios reajustados somente em 2020 – Márcio Alves / Agência O Globo
Reajustes concedidos em 2014 a servidores da área de segurança pública, bombeiros militares e auditores fiscais serão adiados para 2020. Esses aumentos entrariam em vigor em 2016 e 2017. Com a medida, o estado fará uma economia no primeiro ano de R$ 822,2 milhões, subindo para R$ 1,6 bilhão no ano seguinte. A mudança deverá ser feita por decreto. No 3º ano, a economia será de R$ 2,4 bilhões.

Por decreto, o governo pretende acabar com o adicional por tempo de serviço (conhecidos como triênios). O que já foi incorporado pelos servidos públicos, no entanto, será preservado. A intenção é acabar com o aumento compulsório da folha de pessoal, que desde o começo deste ano o governo do estado tem tido sérias dificuldades para pagar. A economia será de R$ 202 milhões ao ano.

Teto para reajuste

Concessão de reajustes não poderá exceder o patamar de 70% do crescimento da receita corrente líquida – Agência O Globo

Com o objetivo de conter a explosão de gastos com o funcionalismo, será criado um teto para reajustes salariais. A concessão de reajustes não poderá exceder o patamar de 70% do crescimento da receita corrente líquida (arrecadação com impostos mais transferências) do ano anterior. A fixação do teto será feita por meio de decreto.

Dívidas com o fisco

Se aprovada na Alerj, proibição de refinanciamento ou anistia de dívidas referentes a tributos em âmbito estadual valerá por dez anos – Gabriel de Paiva

O governo vai propor, via projeto de lei complementar, a proibição de refinanciamento ou anistia de dívidas referentes a tributos em âmbito estadual. A proibição, caso aprovada na Alerj, será válida por um período de dez anos. Haverá algumas exceções à regra, como débitos inscritos em dívida ativa há mais de 15 anos e que, portanto, são de difícil recuperação.

Cortes na administração

Instituto de Assistência dos Servidores deve ser extinto – Mônica Imbuzeiro / Mônica Imbuzeiro

Mais um corte de custeio, por meio de projeto de lei. O plano é extinguir o Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura, o Instituto de Assistência dos Servidores, a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisa e Formação de Servidores, a Suderj, o Instituto de Terras e Cartografia, a Fundação Instituto de Pesca do Estado e a Fundação Garantia do Atleta Profissional. A economia de R$ 12,4 milhões ao ano.

Fim da gratuidade no transporte

Moradores de Paquetá não terão mais gratuidade no transporte – Ivanildo Carmo / Ivanildo Carmo

Quem mora em Ilha Grande e em Paquetá terá de pagar pelo transporte até o continente. Hoje, essas pessoas não pagam pela viagem. A permissão de cobrança será possível mediante projeto de lei, que depende do aval da Alerj. Mas a tarifa será fixada por decreto em R$ 2,80 por trajeto e passa a valer no próximo ano. Os moradores poderão usar o Bilhete Único. A medida vai gerar uma economia de R$ 1,7 milhão ao ano.

Cargos comissionados e alto escalão

Governador, vice-governador e seus secretários de estado terão salários reduzidos – Terceiro / Carlos Magno/Divulgaçãp

A proposta, que será posta em prática por meio de decreto, é reduzir em 30% a remuneração das gratificações que os comissionados recebem. A medida entrará em vigor a partir do nonagésimo dia de sua publicação. Esta será mais uma medida de austeridade em relação a cargos comissionados, cujos cortes eram defendidos já há algum tempo dentro e fora do governo. A economia de será de R$ 84 milhões ao ano.

Para dar exemplo, governador, vice-governador e seus secretários de estado terão salários reduzidos. O corte será de 30% a partir da publicação de um decreto em 1º de janeiro de 2017. Em dezembro de 2015, Pezão já havia anunciado uma tesourada nos vencimentos desse mesmo grupo, abaixando seu próprio salário de R$ 21.868,14 para R$ R$ 19.681,3. A medida vai gerar uma economia de R$ 7,1 milhões ao ano.

Fonte: O Globo

Magistrados ganham até 23 vezes mais do que você

Quando o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anunciou a promoção do juiz Geraldo Prado a desembargador, em 2006, fez-se um silêncio embaraçoso no salão onde transcorria a sessão. Foi com desgosto que muitos receberam a notícia da promoção por antiguidade – ou “inevitabilidade”, como Prado define. Ele desagradava à maioria dos demais juízes da corte, em virtude de suas decisões “excessivamente liberais” nas Varas Criminais. No fim dos anos 1990, constrangera os colegas ao liderar, ao lado de poucos, um movimento pelo fim do nepotismo no Tribunal. O juiz Prado estava na vanguarda do que era inexorável: a lenta mas firme assepsia nos maus hábitos do Judiciário brasileiro. O nepotismo acabou banido, mas apenas em 2005, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Ao tomar posse como desembargador, o juiz Prado aprontou outra. Recusou-se a rodar num carro oficial, símbolo de poder dos desembargadores. O presidente do Tribunal tentou demovê-lo. Argumentou que a atitude “diminuiria a força institucional da magistratura”. Não colou. Até se aposentar, em 2012, só ele e um colega, entre 120 desembargadores, abdicaram do conforto. Para o juiz Prado, “o carro oficial significa um status incompatível com a República”. “Deve ser usado em prol do beneficiário do serviço e não do servidor. O magistrado da Infância e Juventude deve ter uma viatura à disposição para atender à demanda. Mas não tem sentido o conjunto da magistratura ter carro oficial”, diz o desembargador aposentado e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nos últimos anos, atitudes como as do juiz Prado ajudaram na depuração dos vícios e privilégios que persistiam há décadas no Judiciário. Resultaram na criação dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público (MP). Juízes e seus primos, os procuradores e promotores dos Ministérios Públicos, tornaram-se mais transparentes e produtivos. Hoje, trabalham com metas e planos estratégicos para diminuir a proverbial lentidão dos nossos Tribunais. Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer rumo ao Judiciário que o Brasil precisa. É preciso paciência. São muitos os obstáculos.

Um deles, talvez o mais urgente a ser enfrentado, envolve os altos salários dos juízes estaduais – e, também, dos promotores dos Ministérios Públicos dos Estados. Desde 2003, quando o Congresso estabeleceu o salário dos ministros do Supremo como teto constitucional para os funcionários públicos, os Tribunais e MPs estaduais passaram a criar toda sorte de expedientes para engordar o contracheque. Hoje, o teto é de R$ 33.763. Os penduricalhos são muitos – ao menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas, ajudas de custo… – mas o objetivo é apenas um: ganhar mais do que determina a Constituição. Nada disso é, por enquanto, ilegal. Mas não são poucos os juízes e promotores que se questionam: é correto?

Nos últimos oito meses, ÉPOCA apurou, junto aos 27 Tribunais de Justiça e aos 27 MPs estaduais, os reais vencimentos – e todos os benefícios – de magistrados e promotores, incluindo salários, vantagens pessoais e auxílios. Confirmou-se o que todos no Judiciário suspeitavam: o contracheque de juízes e promotores ultrapassa, e muito, o teto constitucional de R$ 33 mil. A média de rendimentos de juízes e desembargadores nos Estados é de R$ 41.802 mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853. Os valores próximos mostram a equivalência quase perfeita das carreiras. Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos MPs, recebem, também em média, R$ 53.971. Fura-se o teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários públicos mais bem pagos do Brasil.

ÉPOCA obteve os dados nas páginas de transparência dos órgãos. Para calcular as médias dos TJs e MPs estaduais, a reportagem avaliou os vencimentos de ao menos 5% dos integrantes como amostra, respeitando a proporção de membros da segunda instância, de modo a não gerar distorções. Durante a pesquisa, encerrada em abril, usou-se o mês mais recente disponível. ÉPOCA analisou 3.714 profissionais (2.602 magistrados e 1.112 promotores) dos 21.707 membros nos Estados. Segundo Cristiano Fernandes, professor de engenharia elétrica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e especialista em estatística aplicada a ciências sociais, a análise é “consistente” e “satisfatória”. O levantamento de ÉPOCA não aborda a Justiça Federal nem o Ministério Público na esfera federal. Neles, sabe-se que há menos penduricalhos.

Na teoria, os salários – chamados de subsídios básicos – das duas categorias variam de R$ 22 mil a R$ 30 mil. Os salários reais deles, no entanto, avançam o teto pela soma de gratificações, remunerações temporárias, verbas retroativas, vantagens, abonos de permanência e benefícios concedidos pelos próprios órgãos e autorizados pela Lei Orgânica da Magistratura, a Loman, de 1979 – o MP os recebe por equivalência. Por sua natureza jurídica (ressarcir despesas geradas pelo trabalho), as indenizações não estão sujeitas ao teto nem a Imposto de Renda. Generalizadas, produzem a mágica de elevar os salários, legalmente, acima do teto. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil. O maior é de R$ 126 mil.

Benefícios ou regalias?
Com estabilidade, poder e prestígio social, juízes e promotores recebem como executivos da iniciativa privada, mas gozam um pacote de benefícios só possível na esfera pública. Usufruem dois meses de férias anuais – mais um recesso de 14 a 30 dias –, não têm horário fixo, ganham auxílios para moradia, alimentação, transporte, plano de saúde, dinheiro para livros e computadores e ajuda até para pagar a escola particular dos filhos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram facilmente como regalias. Variam conforme o Estado. ÉPOCA descobriu 32 delas. Além do auxílio-moradia, o mais comum é o de alimentação. Chega a R$ 3.047 mensais para promotores do Maranhão.

O TJ do Rio de Janeiro é o que oferece mais benesses. Há auxílio-creche de R$ 854 por filho até 6 anos e auxílio-educação de R$ 953 por filho até 24 anos (na faculdade). Há 180 dias de licença-maternidade (padrão) mais 90 de aleitamento. Há, ainda, de três a cinco salários mínimos por adoção até o filho ter 24 anos. O TJ do Rio afirma que é unidade de referência e está entre os quatro Tribunais mais eficientes do país, tendo cumprido 100% da meta desde 2009, ao lado do TJ do Rio Grande do Sul.

Os benefícios oferecidos com dinheiro público são generosos e criativos. No TJ de Mato Grosso vigora um dos melhores planos de saúde do mundo, com gastos ilimitados. Ressarce consultas particulares e até passagens de avião para tratamento de magistrados e dependentes em hospitais fora do Estado. Só a partir de dezembro os juízes passaram a ter de apresentar recibos fiscais para obter reembolso. Em Minas Gerais, os magistrados recebem mais 10% do salário para custear a saúde (até R$ 3.047). Têm direito ainda a, como os promotores, de R$ 13 mil a R$ 15.235 por ano para livros jurídicos e materiais de informática. O TJ-MG afirmou que, embora haja previsão, o auxílio não é pago. O MP paranaense banca até 50% de mestrados e doutorados e 20% de cursos de graduação e línguas.

Os promotores do Rio de Janeiro recebem mais R$ 1.100 para transporte. Isso não impede que o órgão gaste R$ 100 mil mensais – R$ 545 por carro –, há três anos, no aluguel de 183 vagas no Terminal-Garagem Menezes Côrtes, no Centro. O fluminense é também o mais liberal no envio de membros para estudo no exterior: 12 cursam mestrado ou doutorado, com salário integral. Nos demais Estados, há 17 promotores e dez juízes fazendo o mesmo. Tantos são os benefícios do MP do Rio que até promotores se constrangem, em conversas privadas. “Em breve, o subsídio será só para juntar dinheiro, porque as demais despesas já estarão cobertas pelos auxílios”, diz um deles.

Para Joaquim Falcão, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diretor da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), promotores e juízes “precisam de prerrogativas – como independência – para exercer sua função, não de privilégios”. “Pagar auxílio-escola para o filho não é prerrogativa, é uma apropriação privada e individual da prerrogativa do cargo. O cargo é público, a prerrogativa é pública e o privilégio é uma apropriação individual”, diz Falcão.

Ninguém diz que juízes devem ganhar mal – ou menos que outras carreiras de Estado. Mas a comparação da renda deles com a dos demais brasileiros mostra que há algo de excessivamente desigual em vigor. Um levantamento do Conselho da Europa, de 2012, mostra que os juízes iniciantes de 26 países europeus recebiam 2,2 vezes a média salarial da população de seus países. Os salários dos membros da Corte Suprema equivaliam a 4,2 vezes o vencimento médio nacional, e os da cúpula da Procuradoria-Geral a 3,6 vezes. No Brasil, o inicial de magistrados e membros dos MPs, na maioria dos Estados, R$ 24.818, corresponde a 14 vezes a média de rendimento de trabalho do país – R$ 1.817, conforme a Pnad. Comparados os vencimentos totais dos magistrados levantados por ÉPOCA, a proporção se elevaria para 23 vezes. Segundo o IBGE, em 2013, 99% dos brasileiros recebiam até R$ 10.500 mensais, e a média do 1% mais rico do país era R$ 18.899.

Mesmo com tantas vantagens, 72% dos magistrados não estão felizes com seus salários, segundo o Censo do Judiciário de 2014. O IBGE aponta a magistratura como a profissão mais bem paga do país, e os vencimentos de juízes e promotores os posicionam com larga margem na exclusiva elite do 1% mais rico do país. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, admite que a distorção preocupa. Mas argumenta que o salário precisa ser competitivo com o de grandes escritórios de advocacia e que a única outra atividade remunerada que podem exercer é o ensino. O que torna os vencimentos dos magistrados “aparentemente acima do teto”, diz, são as indenizações fruto da “falta de aumento e de valores atrasados”. “São vias legais que a carreira buscou de complementar os reajustes para recompor o salário, de acordo com a norma constitucional.” Apesar disso, ele afirma que há defasagem de 20% a 25%.

A presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Norma Cavalcanti, diz que “os penduricalhos são a busca da correção”. “Os vencimentos são com base em lei estadual. Ninguém recebe mais do que a lei permite”, afirma. Para Falcão, muitos benefícios foram sendo concedidos no vácuo da lei e vigoram até ser considerados abusivos. “Decidem pagar e dão a justificativa de legalidade, enquanto o STF não disser que é ilegal. E a jurisprudência é não devolver o recebido”, afirma.

Minha casa, minha vida
A mais recente vitória das categorias veio numa noite de setembro do ano passado. O ministro do Supremo Luiz Fux, ex-desembargador do Rio, determinou em liminar o pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.377 a juízes federais sem “residência oficial à disposição”. Por esse princípio, só em São Paulo deveria haver 4.333 moradias oficiais para magistrados e membros do MP. A partir daí, apesar de o mérito da ação ainda não ter sido julgado, todos os 29.074 juízes e promotores do país passaram a ter direito ao benefício, uma despesa extra de R$ 1,53 bilhão ao ano em tempos de ajuste fiscal.

Nem todos concordam em usufruir esse benefício. O juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, do Rio Grande do Sul, abriu mão do auxílio-moradia por considerá-lo “imoral, indecente e antiético”. Em artigo, escreveu que o direito existe desde 1979, mas ninguém o usava porque era “visto como algo indevido, para não dizer absurdo, imoral ou antiético”. Para ele, isso mudou quando se percebeu que o Executivo não concederia a reposição do poder aquisitivo perdido com a inflação. “O pagamento do auxílio-moradia, indistintamente a todos os juízes, ainda que previsto na Loman, é uma afronta a milhões de brasileiros que não fazem jus a esse ‘benefício’”, escreveu. No mesmo Rio Grande do Sul, os desembargadores João Barcelos e Carlos Roberto Caníbal também recusaram o benefício.

Em Goiás, Alan Conceição foi o único desembargador a abdicar da benesse. “Se tenho moradia própria, qual a razão de receber esse auxílio?”, questionou, ao jornal O Popular. Também recusou o auxílio-livro de R$ 2.600 e o carro ofici­al, como Geraldo Prado fizera, no Rio. Alans, Prados, Karsburgs, Barcelos e Caníbals são exceções. Em Mato Grosso, até os aposentados recebem ajuda para morar – a maioria em casa própria. O TJ rejeitou recurso do Estado e manteve o auxílio aos inativos, mesmo contrariando resolução do CNJ.

Na Europa, as coisas são bem diferentes. Sem direito a carro com motorista, o juiz da Suprema Corte da Suécia Göran Lambertz pedala sua bicicleta 15 minutos até a estação de trem de Uppsala e enfrenta 40 minutos no vagão até Estocolmo, onde trabalha. Na última instância daquele país, Lambertz recebe € 10 mil mensais – R$ 33.700 – sem nenhum abono, auxílio-moradia ou alimentação. “Não almoço à custa do dinheiro do contribuinte. Luxo pago com dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”, disse, em entrevista para o livro Um país sem excelências e mordomias, da jornalista brasileira Claudia Wallin, sobre a Suécia. Nenhum dos 16 juízes do Supremo do país tem secretário particular, só assistentes comuns ao colegiado.

T-Q-Q
A gama de benefícios é resquício de privilégios históricos. Nos primeiros anos do Brasil Colônia não havia Justiça organizada, e os donatários das Capitanias Hereditárias tinham jurisdição sobre suas terras. Em meados do século XVI, o rei de Portugal, Dom João III, estabeleceu um governo central e passou a nomear magistrados, formando uma classe fidalga cheia de privilégios, que defendia os interesses da Coroa. No Império, a Justiça continuaria a ser exercida por escolhidos do imperador. Com a Constituição Republicana de 1891, foram instituídas a vitaliciedade para juízes e a irredutibilidade de vencimentos. Era a tentativa de garantir autonomia e evitar perseguições aos que deveriam zelar pelo “bem comum”, não por interesses do imperador ou “coronéis”. Só em 1934 seria criado o concurso de seleção. O historiador do Direito Cássio Schubsky acreditava que a origem fidalga explica os ganhos e benefícios especiais. Juízes e promotores se definem como “membros” de seu órgão; “servidores” são os demais funcionários. As leis mudaram, mas hábitos e práticas do passado ainda determinam o status social da classe jurídica.

Esse status permite não apenas a reprodução de privilégios, mas a manutenção de um ritmo de trabalho único no Brasil. Juízes e promotores não têm uma rotina de trabalho como a iniciativa privada. Não há horário fixo ou ponto e se define o próprio expediente, frequentemente em apenas um turno. No TJ do Amazonas, é das 8 às 14 horas; no MP do Pará, a carga é de seis horas diárias; em Goiás, o magistrado opta pelo matutino ou vespertino; em São Paulo, o mínimo é de 13 às 19 horas; e, no Tocantins, a carga do promotor é de 35 horas semanais. Alguns atuam no gabinete ou fórum três ou quatro vezes por semana, no chamado “T-Q-Q” (terça-quarta-­quinta), em especial no interior – e mantêm residência na capital. O desembargador aposentado Geraldo Prado afirma que o “T-Q-Q era a regra” nos anos 1980, mas que a prática tem sido combatida.

Outra vantagem simboliza a diferença entre magistrados e promotores e os demais brasileiros: as férias. A lei garante um mês de descanso remunerado a todo trabalhador. Juízes e promotores têm 60 dias, além do recesso judicial, de 18 dias. Em 2014, essas pausas somaram 81 dias, 22% do ano, fora feriados. A origem do benefício é a lei da magistratura, de 1979. O Ministério Público adota o mesmo critério. “Não conheço nenhuma empresa que dê dois meses de férias. Eu mandaria meu currículo amanhã!”, afirma Bernardo Cavour, consultor de recursos humanos, sócio da Flow Executive Finders.

Eles recebem duas vezes no ano o adicional de férias de um terço. O TJ do Espírito Santo, o TJ e o MP do Paraná são ainda mais generosos: lá, o bônus é de 50%. Na soma, resulta em um 14o salário. Muitos TJs e MPs pagam gratificações de até um terço do salário a quem acumula função do colega de férias ou licença. De acordo com Costa, da AMB, a profissão tem carga laboral “insuportável”, de 1.400 processos por ano, e alto índice de doenças (13% dos magistrados tiveram licença remunerada por doença ou acidente no último ano). Costa afirma que as férias dobradas são compensação para fins de semana de sobreaviso. “Fora dos grandes centros não há plantão nos fóruns, só existe um juiz na maioria das comarcas, disponível dez meses do ano, inclusive fins de semana”, afirma Costa.

Além da sobrecarga financeira, o excesso de férias impacta processos. É comum uma ação ter, em seu curso, diversos juízes e promotores distintos, o que pode gerar paralisia, insegurança jurídica – diante de decisões divergentes – e encarregar da sentença alguém pouco familiarizado com a questão. Matematicamente, a redução das férias aumentaria a produção da Justiça em 8%, o equivalente a um mês de trabalho ao ano. A fórmula foi testada com sucesso em Portugal, onde juízes gozavam 60 dias até 2007. Diante da austeridade imposta pela crise, extinguiram-se os dois meses de repouso. Não há notícia de explosão de estresse, porém a produtividade cresceu 9%.

Se a prestação de serviço da Justiça aos cidadãos fosse rápida e exemplar, talvez a enorme lista de privilégios revelada por ÉPOCA fosse menos questionável. Mas a Justiça é lenta para 88% dos cidadãos, mostra a pesquisa O Judiciário segundo os brasileiros. O CNJ estipulou metas de produtividade, e os Tribunais reconhecem a necessidade de ser mais eficientes e expeditos. No ano passado, havia 95 milhões de processos na Justiça, e o acervo continua a crescer. Em 2014, os Tribunais estaduais, como um todo, não cumpriram nenhuma das cinco metas estipuladas, entre elas a de julgar quantidade maior de processos do que os distribuídos no ano. Com salários acima do teto, juízes e promotores precisam pôr os pés no chão e olhar ao redor.

Fonte: Época.

R$ 138 bilhões de benefícios fiscais para empresas representam 5 anos da Folha dos servidores

Secretaria de Fazenda diz que a política de atração de empresas para o estado serviu para gerar novos empregos

O governo do estado, que ontem pediu “compreensão” aos servidores públicos por conta do atraso no pagamento dos salários de fevereiro — que deveriam ser depositados no último dia 9 (quarta-feira), mas só serão creditados na próxima sexta-feira —, foi alvo de um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), apontando a concessão de diversas isenções fiscais a empresas, entre 2008 e 2013, num valor total estimado de R$ 138,6 bilhões. Essa montanha de dinheiro para beneficiar empresários seria suficiente para pagar cinco anos e três meses de vencimentos ao funcionalismo, já incluindo o 13º salário. Esse cálculo tomou por base a folha de pouco mais de R$ 2 bilhões, paga em janeiro, segundo o Caderno de Recursos Humanos da Secretaria estadual de Planejamento.

O relatório já foi apresentado aos conselheiros do TCE-RJ, mas ainda não foi votado. No documento, o relator José Gomes Graciosa analisou, com técnicos do tribunal, a elevação dos totais de isenções concedidas pelo governo do estado de 2008 a 2013, ano a ano. Empresas de vários segmentos foram favorecidas, como as dos setores automotivo e de petróleo, energia elétrica e bebidas. A questão é que os benefícios fiscais contemplaram até empresários de ramos específicos, de pouco alcance para a população, como o de joias e pedras preciosas.

A análise do relatório sobre as isenções estava marcada para ontem, mas Aloysio Neves, um dos conselheiros do TCE-RJ, pediu vista do documento para analisar melhor os números.

O relatório é muito extenso. Não estou antecipando meu voto, mas a análise deve ser mais abrangente, já que se trata de uma política fiscal. Talvez a análise seja no sentido de alertar o governo que é chegada a hora de rever essa política (de concessões de isenções fiscais, comuns naquele período analisado). Mas essa não é a causa da crise estadual

Ainda não há uma data para o relatório será votado. O presidente do TCE-RJ, Jonas Lopes de Carvalho Júnior, afirmou que “só irá se pronunciar após deliberação sobre o caso”.

Em nota, a Secretaria estadual de Fazenda alegou que desconhece o relatório e o número apresentado pelo relator com o total de isenções que teriam sido concedidas no período. A pasta ainda informou que a política de atração de empresas para o estado serviu para gerar novos empregos.

Promessa é pagar servidores na sexta-feira

A montanha de dinheiro que deixou de entrar nos cofres públicos em seis anos hoje salvaria Pezão, que agora tenta conseguir R$ 1,445 bilhão para pagar os 468.621 ativos, inativos e pensionistas que ainda não receberam seus salários de fevereiro. A Secretaria estadual de Fazenda não especificou quanto falta para fechar a folha, mas trabalha com a promessa de que o pagamento será feito no dia 11. Ontem, ao anunciar o atraso, o governo pediu a “compreensão dos servidores” e voltou a citar os problemas econômicos vividos pelo Rio.

O histórico da crise só piora. Os salários de novembro foram pagos em dezembro, de forma parcelada, a quem recebe mais do que R$ 2 mil. Já segunda parte do 13º foi dividida em cinco prestações, até abril. Para minimizar os atrasos, o calendário de pagamentos foi alterado do segundo para o sétimo dia útil.

— Aguardo uma ajuda do governo federal — disse Pezão, ontem, após uma reunião com governadores em Brasília.

Com salário atrasado, servidora do Rio pede compreensão a banco

Sem recursos para honrar salários, Pezão pede compreensão

Depois de comunicar que não conseguiria pagar o salário do funcionalismo público estadual nesta quarta-feira por conta da arrecadação insuficiente, e pedir “compreensão” dos servidores, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, teve de lidar com a reação da população. Mas além da revolta natural dos servidores, houve também quem tenha aproveitado a (grave) situação para arrancar algumas risadas no Facebook. A professora Gabriella Costa Silva, por exemplo, decidiu pedir também “compreensão” ao seu banco, solicitando que a instituição não cobrasse os juros do cartão de crédito.

Em apenas seis horas, o post de Gabriella já teve 500 curtidas e mais 1 mil compartilhamentos.

Por mensagem, Gabriella chegou a conversar com a instituição. Apesar do apelo (criativo) da servidora, infelizmente os juros serão devidamente cobrados pelo banco, mesmo diante do pedido encarecido por “compreensão”.

Inspirados em Gabriella, outros usuários do Facebook decidiram fazer apelos por compreensão a seus bancos. Também, vêm rolando uma chuva de memes e piadas envolvendo a crise financeira pela qual passam os cofres de Pezão.

Fonte: Blog do AFR

Com novo calendário, servidores têm dificuldades para quitar dívidas

Quem contava com 13º viu finanças desandarem após parcelamento do benefício

Servidores estaduais fazem manifestação em frente à Alerj na última quinta-feira – Gabriel de Paiva / Agência O Globo
 

 

 

A família toda vivia da pesca, e parecia que Sirleia Couto Raimundo não ia escapar: aos 13 anos, começou a vender caranguejo pelas ruas de Alcântara, um bairro de São Gonçalo. Mas a menina, que nasceu na área de um antigo quilombo em Magé e tinha tudo para passar a vida repetindo o que tantos parentes fizeram antes dela, conseguiu mudar seu destino. Filha mais velha de uma mulher que nunca pisou numa escola, Sirleia acumulou a vida de camelô com a de estudante. Virou professora. Ganhou uma bolsa para cursar pós-graduação na França.

Mas hoje, quando abre a geladeira, num apartamento alugado na Tijuca, não enxerga suas conquistas. Vê apenas a penúria que lembra a da sua infância. Meia maçã, um molho de tomate aberto, uma alface, poucos ovos e um pote de margarina pela metade denunciam que tem sido difícil equilibrar as contas. A crise financeira do estado é também a dela.

Desde que o governo passou, em dezembro, a fazer malabarismos para honrar a folha de R$ 2 bilhões – que contempla 223.131 pessoas em atividade, 152.866 aposentados e 90.415 pensionistas -, os servidores estaduais começaram a viver também na corda bamba. Os que contavam com o pagamento da segunda parcela do 13º salário no fim do ano, para quitar dívidas acumuladas em 2015, viram as finanças desandarem após o parcelamento do vencimento em cinco vezes.

Os cerca de cem mil funcionários que optaram por pegar empréstimo bancário para ter o valor integral do 13º em mãos ganharam um pouco mais de fôlego, mas foram surpreendidos com a mudança do calendário de pagamento – o salário, antes depositado no segundo dia útil, passou para o sétimo e, depois, para o décimo. Agora, todos têm pela frente o desafio de quitar juros das contas que não conseguiram acertar na data prevista.

Somando as contas atrasadas, Sirleia conversa com o filho Rafael – Antonio Scorza / Agência O Globo
 

 

Com a corda no pescoço, Sirleia, professora de um Ciep, já deixou de lado o plano de saúde, mesmo com o fantasma de um AVC, que ela já teve, a atormentá-la. Viu a luz da casa que mantém em Magé ser cortada. O uniforme de cavalaria do filho, que passou em concurso para o Colégio Militar, não pôde comprar. Na quarta-feira passada, enquanto reclamava das condições de vida dos servidores numa passeata do Largo do Machado até o Palácio Guanabara, não escondia o coração partido: “Meu menino saiu da escola direto para o curso e só vai almoçar às 19h, quando chegar em casa. Não tenho como dar dinheiro para ele comer na rua”. Mas difícil mesmo, diz Sirleia, foi abrir mão da esperança:

– Sempre acreditei que a educação era transformadora. Falo isso para os meus alunos, mas dentro do meu coração não acredito mais. Estudei muito, sou a única de 11 irmãos formada. Não ganho reajuste há muito tempo, tenho quatro empréstimos. Recebo do estado pouco mais de R$ 1,5 mil, e hoje não tenho condições para nada. Contava com o 13 º salário para pagar parte dos R$ 3 mil que devo no cheque especial. Não quis pegar o empréstimo do 13º em banco, proposto pelo estado, porque, se o governador não pagar, meu nome vai ficar mais sujo ainda. Estou perdendo a esperança. Já pensei até em vender bala no metrô.

‘Contava com o 13º salário para pagar R$ 3 mil que devo no cheque especial. Já pensei até em vender bala no metrô’

– SIRLEIA COUTO RAIMUNDOProfessora de português

Se está difícil para Sirleia, que ainda conta com o salário de uma escola municipal em Belford Roxo, está dramático para servidores que só têm o vencimento do estado. Lotada na Secretaria de Saúde, Ana Maria Pereira do Couto tira da bolsa um leque de contas vencidas. São quatro de telefone, duas de água e uma da loja de departamentos onde ela sequer entra mais. Isso sem contar a fatura do cartão de crédito e os boletos dos dois conselhos profissionais dos quais faz parte: o de fisioterapia e o de enfermagem. Com quatro empréstimos consignados e salário de pouco mais de R$ 1,5 mil, ela diz que o dinheiro, que nunca sobrou, escasseia cada vez mais com a crise:

– Tenho que comprar até papel higiênico e água para levar para o prédio onde trabalho, na Rua México. Estaria sem luz em casa se minha filha não tivesse ajudado. Estou desesperada porque, se não quitar os R$ 400 do Conselho Regional de Fisioterapia, terei o registro cassado e não poderei sequer correr atrás de um dinheiro por fora. O governador pediu compreensão, mas pedi o mesmo a vários credores, e nenhum respondeu.

Ana já trabalha há 22 anos no estado. É do tempo em que passar em concurso público e garantir estabilidade era o sonho de muitos. Hoje, o sonho acabou. Pelo menos para a professora de artes plásticas Vanessa Saldanha.

– Não pude fazer compra de comida este mês. Minha mãe diz que nunca imaginou que eu fosse passar por essa humilhação – diz a jovem, que enfrenta ainda dificuldades para realizar outro sonho. – Fechei meu casamento em setembro do ano passado, e a festa será em agosto. Com a mudança na data de liberação dos salários, atrasei o pagamento do salão, da maquiadora. Minhas contas venciam no dia 2 e estavam em débito automático. Como o salário não chegou, entrei no negativo e estou pagando juros – diz Vanessa, que já se conformou em não seguir o ditado “quem casa quer casa”: vai morar com a mãe após trocar alianças.

Moradia é um tema sensível também para Antônio Cláudio Menezes. Professor da Faetec, que tem salários melhores do que o resto da rede estadual, ele teve que se mudar do quarto e sala que alugava no Humaitá. Não conseguiu pagar em dia. Diante da multa astronômica pelo atraso e do reajuste que estava para chegar, não viu outro jeito a não ser deixar o imóvel. Há um mês, vive de favor na Tijuca. Conseguiu negociar um parcelamento da conta de telefone com a operadora, mas teme o mês que vem.

‘O governador nos pediu compreensão, mas pedi o mesmo a vários credores, e nenhum respondeu’

– ANA MARIA COUTOServidora da Secretaria de Saúde

– Já ouvi que vão parcelar o próximo salário em duas vezes. Assim não tem planejamento que aguente. Até tirei uma licença da escola para voltar ao movimento sindical. Temos que lutar para que as condições dos servidores melhorem – discursa.

O secretário de Fazenda, Júlio Bueno, diz que as agruras pelas quais os servidores estão passando incomodam a todos, mas que só não pegou o 13º salário emprestado no banco quem não quis.

– O estado vai arcar com toda a responsabilidade – afirma o secretário.

 

Ele diz que a luta para conseguir receitas extraordinárias prossegue:

– O problema é que nem sempre conseguimos as receitas extraordinárias no tempo que as despesas pedem. O estado tem um déficit de R$ 19 bilhões e, na economia brasileira, não se sabe o que vai acontecer no mês seguinte. Você quer me perguntar se eu asseguro o próximo pagamento em dia. Mas, para responder isso com segurança, eu precisaria ter todo o valor dos salários em caixa hoje, e estou longe disso. Não somos só nós que estamos assim. O Rio Grande do Sul está em situação pior do que a gente.

Ana Couto segura as contas atrasadas – Antonio Scorza / Agência O Globo
 

 

Fonte: O Globo