Hotéis cobram até 3.289% a mais para estada durante os Jogos
GLOBO pesquisou valores em locais de três a cinco estrelas para os dias 4 a 11 de agosto
A pouco menos de seis meses para as Olimpíadas, que serão realizadas de 5 a 21 de agosto, o Rio já está batendo um recorde: o de preços altos na rede hoteleira. Diversos estabelecimentos, de olho na grande movimentação de turistas durante os Jogos, resolveram aumentar suas tarifas muito além dos 30% que costumam ser cobrados a mais na alta temporada. Nos últimos três dias, repórteres do GLOBO pesquisaram valores em hotéis de três a cinco estrelas para o período de 4 a 11 de agosto, comparando-os com os que serão cobrados nos mesmos dias em março. A diferença pode chegar a 3.289%, como é o caso do Bourbon Barra Premium Rio Residence, na Barra da Tijuca. No mês que vem, um casal que reservar uma semana num quarto standard desembolsará R$ 2.065. No período olímpico, a mesma estada pula para R$ 70 mil. Os preços foram verificados na última terça-feira num site especializado em hospedagem.
As passagens aéreas também estão com os valores nas alturas. Na terça-feira, um bilhete para vir de São Paulo para o Rio em 5 de março e voltar no dia seguinte saía por R$ 214 na Gol. Em agosto, o mesmo voo custaria R$ 1.495 (um acréscimo de 598%). Na Azul, a diferença era de R$ 206 para R$ 2.030 (885%) e na TAM, de R$ 260 para R$ 789 (203%). Já na Avianca, o bilhete passaria de R$ 260 para R$ 1.225 (um aumento de 371%).
Informado pelo GLOBO sobre a “inflação olímpica”, o Procon Carioca intensificou uma operação para monitorar as tarifas de 142 hotéis na Barra, no Recreio, em bairros da Zona Sul e no Centro. Ontem, 35 deles foram notificados por cobrarem, durante as Olimpíadas, valores muito superiores aos de outros períodos de pico, como carnaval e réveillon.
— O Código do Consumidor prevê punição contra preços abusivos. Esses hotéis foram notificados e cobrados a dar explicações, para sabermos o porquê do aumento. Se não tiverem justificativa, podem ser advertidos ou multados em até R$ 8 milhões. Se algum consumidor pagou um preço muito mais alto, terá direito a ser ressarcido — diz Solange Amaral, presidente do órgão.
Advogado especializado em direito do consumidor, José Alfredo Lion explica que não há lei regulando preços. Ressalta, no entanto, que o caso dos hotéis configura a prática de preço abusivo, punida pelo código.
Até o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Alfredo Lopes, criticou os valores encontrados pelo GLOBO e os considerou fora da realidade. Segundo ele, na alta temporada, o normal é cobrar no máximo de 20% a 30% a mais pelas diárias.
— Essa política tarifária está errada. O turista que vem assistir às Olimpíada não tem perfil para arcar com uma tarifa tão elevada. Uma diária razoável seria na faixa de US$ 300 (cerca de R$ 1,2 mil). Operador que não baixar tarifa vai ficar batendo lata (vazio) — diz Lopes.
O coordenador do curso de turismo da Unisuam, Bayard Boiteux, também estimou a diferença de preços entre a alta e a baixa temporadas em no máximo 30%. Ele acredita que o mercado vá determinar se as tarifas permanecerão em patamar tão alto ou se cairão.
— O Rio já tem uma das tarifas mais altas do mundo. E alguns operadores querem cobrar bem mais do que estabelecimentos de outras cidades que organizaram as Olimpíadas. O problema é que tarifa de hotel não pode ser tabelada. O governo pode, no máximo, orientar as empresas — disse Bayard.
Alta foi de 300% na capital inglesa
Em Londres, palco dos últimos Jogos Olímpicos, também houve aumento nas tarifas, que chegaram a custar, em média, 300% a mais. No Rio, no entanto, o acréscimo é bem mais salgado. O Gaivota Hotel, um três estrelas no Jardim Oceânico, na Barra, por exemplo, cobra R$ 1.540 por uma semana em março. Em agosto, o preço sobe para R$ 14 mil, uma diferença de 809%. No Ibiza Barra, o valor pula de R$ 2.093 para R$ 12.530 (498,6%), segundo um site especializado.
Em pesquisa feita na quarta-feira, o preço do Américas Barra Hotel saltou, de março para agosto, de R$ 1.921,50 para R$ 9.135 (375,4%). No mesmo dia, no Praia Lido (em Copacabana), os valores para os mesmos períodos variavam de R$ 2.002 para R$ 6.160 (R$ 207,69%).
O Bourbon e o Gaivota, logo após terem sido procurados por repórteres, tiraram seus preços do sistema, alegando erro. Em nota, o Bourbon afirmou não ter não ter mais vaga para as Olimpíadas e disse que, no período, cobraria R$ 1.120. O estabelecimento atribuiu a política de preços à operadora terceirizada HRS. A gerente de marketing da HRS para a América Latina, por sua vez, Kátia Berminni, deu outra versão:
— Nós trabalhamos com as tarifas com base naquilo que os hotéis nos informam.
O responsável pelo setor de reservas do Gaivota, que se identificou apenas como João, alegou que o hotel está lotado para o período pesquisado e que a tarifa informada não representava a realidade. A direção do Américas Barra Hotel não retornou as ligações para falar sobre o aumento. O Praia Lido também não respondeu ao pedido de entrevista.
A TAM diz que a política tarifária para o período dos Jogos Olímpicos é semelhante a de outros períodos de alta demanda, como carnaval e férias escolares, por exemplo. Os preços variam de acordo com fatores como demanda, horário de voos, antecipação da compra, e tempo de permanência no destino. Já a Azul disse que as tarifas variam por uma série de fatores, como sazonalidade, antecedência de compra e disponibilidade de assentos, entre outros: “As movimentações para as Olimpíadas acompanham esses fatores”, informou. Por sua vez, a Gol informou que os preços podem variar a todo momento: “Os valores encontrados para esses trechos durante as Olimpíadas no Rio estão diretamente relacionados à demanda, assim como acontece no carnaval, Natal, réveillon etc”.
Ao todo, o Rio conta com cerca de 70 mil quartos. Desse total, 32 mil têm preços tabelados para hospedar a “família olímpica” (convidados, patrocinadores e parentes de atletas), além de jornalistas credenciados. Os preços variam de US$ 254 (R$ 1.016), para quartos de três estrelas, a US$ 605 (R$ 2.420), para unidades classificadas como “luxo superior”. Os de quatro estrelas saem por US$ 348 (R$ 1.392) e os de cinco, por R$ 2.056.
Hotelaria ‘seis estrelas’ ignora crise e chega ao país
Brasil entra no circuito de marcas globais de luxo com projetos que custam até R$ 1 bilhão
Carrocinha de sorvete que vai até o quarto; jantar exclusivo sobre a Ponte Vecchio, em Florença, na Itália; aulas de esqui com atletas olímpicos em Courchevel, nos Alpes franceses. Não é sonho, mas uma provinha do que o seleto circuito de hotéis de alto luxo oferece pelo mundo. E, sim, em meio à crise econômica, o Brasil está entrando no roteiro desses sofisticados viajantes, com a chegada de selos de hotelaria “seis estrelas” como Four Seasons, Rosewood e Oetker Collection.
— A janela de oportunidade veio com a estabilização da economia e o fim da inflação. Com alguma previsibilidade, o investimento começou a fazer sentido no país. A maior parte dos projetos foi anunciada três anos atrás. A crise oferece a vantagem cambial e ativos com preços mais atraentes. É a hora certa para investir, mas não para inaugurar — avalia Michael Schnürle, diretor da consultoria Horwath HTL no Brasil.
Luxo, discrição, personalização. E muito dinheiro envolvido. Os projetos dessa faixa de mercado dificilmente anunciam o aporte total. É que por trás das operadoras hoteleiras estão grandes investidores, fundos soberanos ou de private equity.
— Nessa categoria de alto luxo, hotéis feitos do zero custam de R$ 700 mil a R$ 900 mil por apartamento, sem contar o valor do terreno que, tipicamente, representa perto de 15% do total do investimento — diz Schnürle.
PROJETOS DE LONGO PRAZO
A americana Rosewood Hotels & Resort abre em São Paulo, em 2019, seu primeiro hotel na América do Sul. Vai revitalizar a Cidade Matarazzo, conjunto de prédios históricos do início do século XX. É iniciativa do Grupe Allard, que adquiriu o imóvel da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) em 2011 por R$ 117 milhões. A previsão é investir R$ 1 bilhão na implementação do projeto. E envolve nomes como os do arquiteto francês Jean Nouvel; do designer francês Philippe Starck, além de artistas brasileiros como Beatriz Milhazes e Saint Clair Cemin. Serão 151 quartos, 122 suítes com proprietários, dois restaurantes, estúdio de música e mordomias.
A europeia Oetker Collection, que descreve seu portfólio como “hotéis obra de arte”, prepara o Palácio Tangará para abertura no segundo semestre de 2017, no Parque Burle Marx. Ao todo, terá 141 quartos, sendo 59 suítes.
— O desejo dessa sofisticada clientela está focado em personalização, na busca de lugares com alma, onde o toque de sofisticação e a atenção a cada detalhe contam mais que a alta tecnologia — conta Frank Marrenbach, CEO da Oetker Collection.
A promessa é oferecer experiências exclusivas. No Eden Rock, em St. Barths, no Caribe, se traduz em compor uma música no estúdio onde John Lennon gravou “Imagine”, na Villa Rockstar.
A Four Seasons, que opera o luxuoso George V, em Paris, está entrando no mercado brasileiro por São Paulo, ano que vem. Tem um contrato com a Iron House, subsidiária do grupo pernambucano Cornélio Brennand, para abrir duas unidades no país. A segunda ficará na Reserva do Paiva (PE), mas não deve abrir antes de 2019. Nos dois negócios, o investimento é dividido entre a Iron House e a Autoridade de Investimento de Abu Dhabi.
— Hotéis de luxo são projetos de longo prazo. As grandes marcas, como a Four Seasons, jogam o destino no radar do viajante de luxo. Além disso, elevam o padrão da hotelaria local — explica Alinio Azevedo, vice-presidente de Desenvolvimento do grupo para as Américas.
Na América do Sul, a Four Seasons já conta com unidades em Buenos Aires e Bogotá. E planeja chegar a Rio, Lima e Santiago. Na capital fluminense, seria a operadora do Hotel Glória, segundo fontes de mercado. Com a transferência do empreendimento de Eike Batista ao Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, anunciada no mês passado, não há informação sobre o futuro do hotel.
O Four Seasons São Paulo ficará no Parque da Cidade, e terá 254 quartos e 84 unidades residenciais. Cada uma custará a partir de US$ 750 mil. As vendas começaram em novembro. Terá serviços como o menu que chega ao quarto do hóspede em 15 minutos e experiências exclusivas.
Silvio de Araujo, diretor de Marketing e Vendas do Grand Hyatt Rio de Janeiro, que abre em março na Barra da Tijuca, cita o upgrande na hotelaria:
— A chegada de marcas fortes da hotelaria de luxo faz com que o Brasil se aproxime de destinos com os quais concorre, mas que estavam um passo à frente, como Cancún e o Caribe.
Suíte na cobertura com piscina de borda infinita, terraço e vista para o mar, cozinha gourmet; elevador exclusivo para garantir privacidade são algumas das delícias do Grand Hyatt Rio, com diária que custará em torno de R$ 1.100, estima Araujo.
No entorno do Parque Olímpico, sair de casa é um bom negócio
Alugar um apartamento para os Jogos chega a render R$ 30 mil
O vaivém de corretores de imóveis na entrada de condomínios que ficam em frente ao Parque Olímpico, na Barra, é uma rotina desde o ano passado. Basta um morador sair da portaria para ouvir uma proposta. O aposentado José Carlos Carvalho, por exemplo, rejeitou duas para alugar seu apartamento por 30 dias durante os Jogos, que começarão em 5 de agosto. Na terceira investida, seduzido pelo pagamento adiantado, aceitou. Já a dona de casa Maria Ribeiro cedeu à primeira oferta: quer sair do Rio, pois não gosta de “aglomerações”. Seu vizinho Marcos Moreira fez o mesmo. Os valores costumam variar entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, mas, às vezes, chegam a R$ 30 mil, dependendo da localização e da vista para o complexo esportivo.
Na maioria das negociações, o combinado é que o locador deve sair de casa no final de julho. Se houver desistência, o dinheiro precisa ser devolvido. Mas como resistir a uma bolada em tempos de crise financeira?
Corretores dizem que muitos contratos de aluguel estão fechados desde meados do ano passado. Boa parte foi intermediada por empresas especializadas, que já fizeram os pagamentos e vão sublocar os imóveis para turistas, delegações e jornalistas estrangeiros. A efervescência das negociações é fruto de uma combinação perfeita: alta demanda e boas ofertas. De acordo com associações de moradores, há 48 mil pessoas vivendo em 13 mil apartamentos no entorno do Parque Olímpico. Imobiliárias calculam que 3.500 unidades (27% do total) serão alugadas. Estimativas apontam que até 15 mil visitantes irão ocupá-las.
– O número de inquilinos pode ser ainda maior. Além das companhias que fazem o trabalho de sublocação, há proprietários que fazem negociações por meio de sites especializados em aluguéis por temporada. É um tipo de transação que está fora da nossa alçada – destaca Carlos de Andrade, diretor da Hunter Home & Tour, empresa que já reservou 1.500 apartamentos para as Olimpíadas. – Em alguns casos, um imóvel será alugado mais de uma vez durante os Jogos, em períodos distintos.
Entre os moradores que fecharam negócio com alguma empresa, o planejamento para os dias fora de casa já começou a ser feito. Alguns contam que vão deixar objetos pessoais trancados em armários. “É quase uma mudança, mas sem tirar tudo de casa”, diz um deles. Outros afirmam que vão colocar tudo em malas e levá-las para um hotel. Por contrato, a mobília, aparelhos eletrônicos e utensílios domésticos ficam, para uso do inquilino.
O maior complexo residencial da região, o condomínio Rio 2, com 18 mil moradores e 4.447 apartamentos, é um dos mais requisitados. Cada um dos 40 blocos tem piscina, academia de ginástica, sauna e quadra poliesportiva. Durante a estadia olímpica, também valerá a Lei do Inquilinato (de 18 de outubro de 1991), que garante ao locatário desfrutar de todas as instalações.
Para quem vai se hospedar no Rio 2, há uma grande vantagem: o portão de entrada do Parque Olímpico fica a menos de 500 metros de alguns prédios do condomínio. É o caso do edifício da comerciante Daniele Thielie, que mora numa cobertura. Em agosto, uma equipe de TV japonesa vai se hospedar no imóvel.
– Será a segunda vez que alugarei meu apartamento por meio de uma empresa especializada. A primeira foi na Copa do Mundo. Agora, como estou no quinto mês de gestação, irei viajar – conta Daniele, sem revelar o valor que já recebeu pela locação. – É um esquema que todo mundo ganha. O proprietário recebe e o inquilino conta com uma ótima estrutura.
A consultora Ana Paula Costa é uma novata no esquema de aluguel por temporada. Ela negociou, também por um site especializado, com duas famílias brasileiras, que se hospedarão em seu apartamento em períodos distintos.
– A questão financeira compensa. Tudo é feito com muita segurança, com transparência. Estou confiante que vai dar tudo certo – afirma Ana Paula, que cobrou cerca de mil reais por diária.
Com o objetivo de não prejudicar a segurança dos edifícios que receberão novos moradores nas Olimpíadas, as empresas que atuam na Barra vêm produzindo um cadastro de cada locatário, com o máximo possível de informações pessoais. Os relatórios são repassados para os condomínios, que ficam responsáveis por credenciá-los.
No entanto, o presidente da Associação de Moradores do Rio 2, Sandro Rodrigues, reclama que faltam informações sobre acordos fechados diretamente por proprietários:
– Diferentemente dos contratos feitos por empresas, nesse formato não há como ter controle de pessoas que fecharam contratos pela internet. Esse tipo de locatário vai chegar aqui e usar as instalações sem sabermos nada sobre ele. É uma preocupação.
Rodrigues faz uma outra queixa: segundo ele, a organização das Olimpíadas ainda não explicou como ficará a rotina da região:
– Como será a questão da mobilidade por aqui? O Rio 2 tem 30 ônibus especiais, que levam moradores para o Centro. Poderemos usá-los em agosto ou as ruas próximas ao condomínio ficarão fechadas? Faltam menos de três meses para os Jogos e não há nada combinado.
Procurada, a Empresa Olímpica Municipal não comentou o assunto.
COMÉRCIO JÁ PERCEBE MUDANÇA
Alguns estabelecimentos registram aumento de 30% no faturamento; turistas começam a chegar à região
Cercado por condomínios, o comércio que cresceu no entorno do Parque Olímpico começa a se beneficiar da aproximação dos Jogos. Em dia úteis, por exemplo, as mesinhas da praça de alimentação do Shopping Rio 2 é disputada por moradores, funcionários de lojas e até por turistas que já chegaram para o maior evento esportivo do mundo. De acordo com a fundadora da rede de restaurantes Tão Carioca, Cristina Vivas, o faturamento da marca aumentou 30% nos últimos dois meses.
— Esperava que os negócios fossem melhorar apenas em agosto. Foi uma boa notícia. Muitos estabelecimentos da cidade tiveram que demitir funcionários por causa da crise, mas eu consegui segurar bem minha equipe. Espero que o movimento melhore ainda mais — diz Cristina.
Gerente da loja Treco e Pregos, Eduardo Adair de Paula é outro que comemora o aumento do fluxo de clientes. Sem revelar valores, ele conta que, no mês passado, explodiu a venda de conversores de tomadas, kits de caipirinhas, guarda-chuvas e chinelos.
— Os turistas fizeram aumentar meu volume de vendas. Os produtos que passei a vender mais são justamente aqueles que os visitantes mais procuram. Não esperava uma mudança tão cedo. Muita gente já está chegando para curtir as Olimpíadas.
De acordo com corretores da região, alguns estabelecimentos estão alugando espaços para delegações estrangeiras montarem cozinhas, nas quais serão preparadas refeições especiais para atletas. Pelo menos cinco países já teriam fechado contratos desse tipo.
Fonte: O Globo
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