” Para o país que os recebe, são considerados os ‘indesejáveis necessários’ “
Pelo mundo afora, milhões de pessoas já se encantaram com a magnífica obra do escritor francês Victor Hugo, “Os Miseráveis”, que foi tema para inúmeros filmes e musicais. O enredo monumental, entre tantas coisas, mostra como era terrível o mundo dos pobres naqueles tempos. Falando assim, até parece que muita coisa mudou, de lá para cá. Mudou sim, mas nem tanto, e nem para todo mundo. Há algum tempo, o Brasil assistiu à comovente história de um menino boliviano, cruelmente assassinado nos braços da própria mãe, na cidade de São Paulo. Essa tragédia, mais uma vez, abriu uma pequena janela para que pudéssemos ver, ainda que de relance, a situação lastimável em que vivem esses trabalhadores estrangeiros, no Brasil. São milhares de famílias de trabalhadores bolivianos e de outros países vizinhos, que se amontoam em pequenos espaços, sem nenhum conforto, sem claridade e sem privacidade alguma. Vivem no mesmo local em que trabalham, onde, segundo relatos da imprensa, executam jornadas de mais de doze horas por dia, e recebem (bem pouco) por peças de roupas costuradas.
Há algum tempo, a fiscalização do Ministério do Trabalho constatou que um grupo desses trabalhadores era encarregado pela costura de roupas de grifes famosas, comercializadas nos mais elegantes shoppings da capital paulista, a preços proibitivos para a maioria da população. Essas lojas se apressaram a declarar que nada sabiam, pois apenas encomendavam as roupas, por intermédio de outras pessoas, que, por sua vez, também não sabiam de nada. Como se vê, eram todos bonzinhos, inocentes e agiam de boa fé, menos os trabalhadores bolivianos, cuja maior culpa era unicamente a de se sujeitarem àquelas condições degradantes de vida. Essa é uma triste realidade que atinge boa parte da população dos países periféricos, em outros tempos denominados de “terceiro mundo”, que, por sinal, incluía o Brasil. Basta ver a quantidade de brasileiros que se aventuram a cruzar ilegalmente as fronteiras dos Estados Unidos, para lá se sujeitar a qualquer serviço, como os bolivianos, aqui. São os novos miseráveis, excluídos da globalização que criou os novos milionários, nos mercados emergentes. O engraçado nisso tudo, se é que é possível achar alguma graça nesse assunto, é que, hoje, há excluídos por todos os lados: tanto por aqui quanto nos Estados Unidos e na Europa.
A outrora rica e imponente União Européia assiste hoje a um rápido processo de empobrecimento de seus povos. Obviamente que isso não atinge a todos os países, de forma igual. Países que tradicionalmente viviam à margem da grande Europa, como Portugal, Grécia e Romênia, nas últimas décadas, após a criação da União Européia, passaram a experimentar um vertiginoso crescimento econômico; uma espécie de renascimento, que alçou esses povos a um padrão de vida superior. Infelizmente, a crise da zona do euro arrastou para baixo todo aquele crescimento anteriormente experimentado. O desemprego atinge índices alarmantes e, o que é pior, grande parte da população, sofre com a absoluta falta de perspectiva.
No espaço comum europeu, ocorre uma intensa movimentação de pessoas, em sua maioria, jovens, que se deslocam de um país para outro, à procura de emprego. Novamente, países como Portugal, são os mais atingidos. De acordo com relatos da imprensa portuguesa, milhares de jovens emigram e acabam se sujeitando aos serviços mais humildes, ainda que boa parte seja composta por universitários. São os novos miseráveis, que perambulam de um país para o outro, à procura de meios de sobrevivência, mesmo sabendo que, na “nova pátria”, encontrarão um mundo hostil em que serão fatalmente discriminados e viverão à margem da sociedade local. Para o país que os recebe, são considerados os “indesejáveis necessários”, porque executarão determinados serviços e tarefas, menos nobres. Isso para não falar no drama dos milhares de refugiados que diariamente batem às portas do continente europeu; são pessoas que, em geral, querem apenas sobreviver com um mínimo de dignidade. Na prática, esses ”órfãos da globalização” serão os novos miseráveis, que, vivendo numa situação dramática no mercado da livre circulação de capitais e mão-de-obra, estão à procura de um local que os acolha, onde, infelizmente, serão vítimas de novos esquemas de exploração – os chamados “escravos modernos”.
Agente Fiscal de Rendas, mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)
Fonte: Blog do AFR






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