Recorde de pessoas deslocadas no mundo: 65,6 milhões

Recorde de pessoas deslocadas no mundo: 65,6 milhões(13 jun) Sírios que fugiram de Raqa chegam ao campo de Al-Karamah – AFP

Os conflitos, a violência e as perseguições em países como Síria ou Sudão do Sul provocaram um recorde de 65,6 milhões de deslocados em todo o mundo em 2016, anunciou a ONU nesta segunda-feira.

O número significa que 300.000 pessoas a mais foram obrigadas a fugir de suas casas na comparação com o fim de 2015, e mais de seis milhões em relação a 2014, de acordo com um relatório da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

“É o maior número desde o início dos registros sobre o tema”, afirmou Filippo Grandi, diretor da ACNUR, ao apresentar o relatório.

“É um número inaceitável e fala por si só, mais do que nunca, sobre a necessidade de solidariedade e um objetivo comum para prevenir e solucionar a crise”, disse.

O documento apresentado antes das Jornadas Mundiais do Migrante e dos Refugiados destaca que somente no ano passado 10,3 milhões de deslocados fugiram de suas casas, incluindo 3,4 milhões que atravessaram as fronteiras e se tornaram refugiados.

– Um refugiado a cada três segundos –

“Isto significa que uma pessoa a cada três segundos vira um refugiado, tempo menor que o necessário para ler esta frase”, afirma a ACNUR em um comunicado.

A maioria das pessoas que precisam fugir de suas casas consegue refúgio no próprio país e são classificadas como deslocados internos ou IDP.

No final de 2016 o mundo tinha 40,3 milhões de IDP, um pouco menos que em 2015 (40,8). Síria, Iraque e Colômbia registram os maiores números de deslocados internos.

Outras 22,5 milhões de pessoas – metade delas menores de idade – foram registradas como refugiados no ano passado, indica o relatório, que destaca que o dado representa um recorde.

Os seis anos de conflito na Síria obrigaram mais de 5,5 milhões de pessoas a buscar refúgio em outros países – somente no ano passado foram 825.000. A guerra neste país é a maior produtora de refugiados no mundo.

Ao lado dos 6,3 milhões de deslocados dentro do país, os números mostram que quase dois terços dos sírios se viram obrigados a abandonar suas casas.

Com o prosseguimento da guerra, os recursos necessários para a ajuda humanitária diminuem, informou Grandi, ao lamentar que muito pouco foi repassado ao ACNUR dos bilhões de dólares prometidos pelos doadores internacionais na conferência de Bruxelas em abril.

– Crise esquecida? –

O conflito na Síria, que deixou mais de 320.000 mortos até o momento, “está virando uma crise esquecida”, advertiu Grandi.

O diretor da ACNUR também alertou para a rápida deterioração do cenário no Sudão do Sul. O país registra a crise de refugiados e deslocados de aceleração mais intensa no mundo.

A guerra civil no Sudão do Sul, que começou em dezembro de 2013, deixou dezenas de milhares de mortos e obrigou 3,7 milhões de pessoas a abandonar suas casas, quase um terço da população do país.

O número de refugiados do país mais novo do mundo aumentou 85% no ano passado e alcançou a marca de 1,4 milhão de pessoas no fim de abril, segundo a ACNUR.

E desde então foram adicionados mais meio milhão de pessoas, destaca a agência. Muitos refugiados começaram a fugir depois que os esforços de paz, de julho de 2016, resultaram em fracasso.

Síria e Sudão do Sul foram os únicos países com deslocamentos em massa.

Mas o relatório também cita deslocamentos importantes no Afeganistão, Iraque e Sudão, entre outras nações.

Quase 70 anos depois dos palestinos terem abandonado o que se tornou o Estado de Israel, quase 5,3 milhões de palestinos continuam vivendo em acampamentos de refugiados, o maior nível já registrado, segundo a ACNUR.

O documento da ONU também indica que, apesar do auge da tensão na Europa pela crise dos migrantes, os países pobres são os que recebem o maior número de refugiados.

Um total de 84% dos refugiados estão presentes em países de renda baixa ou média, segundo a ACNUR, que atribui a culpa ao “desequilíbrio gigantesco” com a “repetida falta de consenso internacional sobre a recepção de refugiados e a proximidade de muitos países pobres às regiões de conflito”.

 Fonte: Isto é

Refugiados

Fonte: Youtube

Crianças refugiadas já são 2% dos alunos em escolas na Alemanha

Burocracia das instituições e dificuldades com o idioma dificultam integração

Novo futuro. Ghaith, ao lado do irmão mais velho, Salah, a caminho de sua nova escola: os dois vivem juntos num conjunto habitacional – Adriana Carranca
Ghaith, de 10 anos, despertou sem que o irmão precisasse chamá-lo, no apartamento onde moram em uma pequena cidade da antiga Alemanha Oriental. A mochila estava pronta desde a noite anterior — lápis de cor, canetinhas, um caderno em branco, onde começará a escrever a história da nova vida no refúgio. É o primeiro dia na escola, em dois anos, desde que a guerra mudou o curso de sua infância. Era setembro de 2014, o primeiro dia de aula em Zabadani, no Sudoeste da Síria, quando uma bomba atingiu o carro em que viajavam seu pai e o irmão do meio, Kinan, de 17 anos. Ghaith deveria estar com eles, mas, como os tios pediram carona, não havia lugar, e o irmão mais velho, Salah, levou-o para a escola de ônibus. Todos os que estavam no carro morreram.

Aos 22 anos, Salah Salem se tornou tudo para Ghaith: pai, protetor, melhor amigo. Os dois vivem sozinhos na Alemanha, onde se refugiaram. O país recebeu mais da metade dos dois milhões de pedidos de asilo à União Europeia, Noruega e Suíça (que não fazem parte do bloco) desde janeiro de 2015. Ao menos 30% são crianças e adolescentes de até 16 anos. Neste outono europeu, início do ano letivo, eles vão para a escola pela primeira vez. Segundo o Ministério de Educação da Alemanha, 325 mil crianças refugiadas estão matriculadas, 2% do total de alunos.

O sorriso de Ghaith não dava espaço à ansiedade, comum no primeiro dia de aula, especialmente quando tudo é novidade: escola, língua, cultura, amigos.

— Ele sempre gostou de estudar — diz Salah, orgulhoso, antes de engasgar e quase não terminar a frase: — Em Zabadani, nosso pai havia comprado o seu uniforme na noite anterior….

— Ele me trazia um sorvete bem grande todos os dias na volta do trabalho — Ghaith completa, enquanto enxuga as lágrimas do irmão e, pouco depois, volta a sorrir.

A Nordpark-Schule fica a três paradas, em um metrô de superfície. No portão, Ghaith larga a mão do irmão e entra sem olhar para trás. As lágrimas são agora de alegria.

— Eu acho que ele está feliz.

QUASE DOIS ANOS SEM VER A MÃE

Quando Salah já ia embora, porém, uma funcionária o chamou. A administração não localizou a matrícula de Ghaith. Salah tem dificuldade em entender o que ela diz, porque ainda não fala alemão. As escolas não têm tradutores. O irmão é retirado da sala de aula. Eles voltam para casa em silêncio, frustrados e confusos. A integração tem sido um desafio na Alemanha. Os refugiados são obrigados a aprender o idioma por seis meses, em escolas pagas pelo governo. Mas só é possível matricular-se depois de ter o pedido de asilo aceito, o que pode levar até um ano.

Salah começou as aulas há um mês, mas já acumula faltas, pois não tem com quem deixar Ghaith. Se continuar assim, corre o risco de perder o visto. Sem o certificado de proficiência, não tem permissão para trabalhar. Na Síria, cursava o terceiro ano de Direito, não reconhecido na Alemanha. Se quiser voltar à universidade, terá de começar os estudos do zero e, para isso, precisa de nota alta no teste de alemão.

— O problema na Alemanha é a burocracia. Cada serviço público depende de uma série de inscrições, verificações e autorizações por diferentes órgãos e secretarias — diz Ringo Köppe, voluntário do governo recrutado para auxiliar refugiados com a adaptação. — Para nós, alemães, lidar com isso já é muito difícil. Para os refugiados é impossível. Impossível.

Se têm o pedido de asilo aceito, os refugiados recebem o visto de residência por três anos e passam a ter o mesmo status de alemães no sistema de previdência social, com direito a benefícios como € 400 por mês aos chefes de família desempregados, entre € 40 e € 70 para material escolar dos filhos e moradia popular.

 

Salah e Ghaith vivem num apartamento de dois quartos simples, mas confortável em um conjunto habitacional. Ele arruma a casa, faz faxina, lava, passa roupa, cozinha. O pequeno quer ajudá-lo, mas o irmão não deixa, embora os dois façam tudo juntos. Vivem grudados, frequentemente abraçados. Um cuida do outro. Mas sentem falta da mãe e da irmã, de 15 anos, que continuam na Síria. Eles não se veem há quase dois anos.

A comunicação é cada vez mais difícil, porque Zabadani já não tem energia elétrica. Antes uma estação turística na fronteira com o Líbano, a cidade está sob o cerco das forças do presidente Bashar al-Assad. Salah mostra fotos do pai e do irmão, com ele e Ghaith, fazendo bonecos de neve, posando no terraço da casa de três andares com vista para as montanhas. “Assad”, ele aponta. É dali que o regime lança bombas contra a cidade.

Salah vive dividido entre a preocupação com os que ficaram e a responsabilidade de criar o caçula. Ringo, o voluntário, tenta agora ajudá-lo a trazer a mãe e a irmã para a Alemanha. Com as famílias separadas pela guerra, os que conseguiram chegar à Europa começam a juntar os cacos para refazer a vida e seguir em frente. A reunificação é prevista na Alemanha para crianças refugiadas. Mas o processo é lento e burocrático; e o resultado, incerto.

DIFICULDADE DE INTEGRAÇÃO COM ALUNOS

Família dividida. Ritaj com a mãe e a avó. no quarto do abrigo onde moram – Roberto Setton / Roberto Setton

Ahlan Darwish fugiu da Síria para estar com os filhos. Na Alemanha desde outubro, ainda luta por isso. Abdu, de 20 anos, foi o primeiro a tentar o refúgio na Europa, para escapar da convocação pelo regime de Assad para o serviço militar. Quando ele telefonou já da Alemanha, Eyhab, de 17 anos, decidiu também partir.

Antes da guerra, Ahlan dava aulas de inglês e vivia com os três filhos em um apartamento confortável em Aleppo. A maior cidade da Síria se tornou o principal campo de batalha entre as forças leais a Assad e opositores. Com a cidade sob cerco e diante da possibilidade de não ver mais os filhos, ela arriscou-se na fuga com a mãe, que tem dificuldades para andar, e a caçula, Ritaj, de 7 anos. Protegendo-a junto ao corpo, cruzou a linha de combate. Ela viu quando uma mulher foi atingida com seu bebê no colo e caiu.

— Os tiros vinham de todos os lados.

O caminho à Europa envolveu a travessia por mar, de Bodrum — praia turca onde o corpo do menino Aylan Kurdi foi encontrado — a Kos, na Grécia. Na rota dos Bálcãs, tiveram ajuda de voluntários.

— Eu olhava para ela, mas não havia como voltar — diz a mãe.

Quando chegam à Alemanha, os refugiados são registrados e distribuídos aos estados, de acordo com as vagas. Isso criou uma situação em que integrantes da mesma família que vieram em momentos diferentes não podem viver no mesmo lugar. Ahlan, mãe e a filha foram para Saxônia-Anhalt; os filhos, para Sarre.

— Como Abdu tem mais de 18 anos, eles acham que ele não precisa mais de mim, que pode viver sozinho. É esse o pensamento europeu — diz, chorando.

Todos os dias, ela procura o escritório de imigração, mas deixa o local com mais um pedido por documentos que não tem ou uma explicação que não entende. Moram em um abrigo improvisado em contêineres. Mais de um milhão ainda vivem nestas construções temporárias; outros esperam a decisão sobre o pedido de asilo em centros de emergência — tendas ou nos hangares do Aeroporto de Tempelhof.

Ahlan estava feliz ao levar a filha para o primeiro dia de aula. Na saída, descobriu outro problema com o qual terá de lidar.

 

— As crianças não querem brincar comigo, porque dizem que sou síria e me chamam de “refugiada” — contou à mãe, num tom quase inaudível.

Dias após a entrevista, Ritaj estava na saída da escola, animada com os novos amigos. Um dos irmãos a esperava no abrigo — o outro não tinha permissão para viajar. Ghaith finalmente estava matriculado.

— Eu acho que estão felizes agora— diz Ahlan. —A situação na Alemanha é melhor que a Síria, é claro, e somos muito gratos pela ajuda. Mas, se a guerra acabar, voltaremos para casa.

A nigeriana Isoke Aikpitanyi, de 38 anos, chegou à Itália com a perspectiva de trabalhar. Acabou presa em uma rede de prostituição, explorada pelas máfias italiana e nigeriana. Isoke foi humilhada, espancada, violentada pelos traficantes e obrigada a trabalhar nas ruas de Turim por 10 euros o programa.

O tráfico de nigerianas para exploração sexual na Itália tem sido denunciado há pelo menos três décadas, mas atraiu novamente a atenção da comunidade internacional quando as autoridades perceberam que os contrabandistas estão usando a rota do Mediterrâneo para infiltrar suas vítimas.

No primeiro semestre deste ano, pelo menos 3,6 mil nigerianas chegaram à Itália de barco, pela travessia entre a costa líbia para a Sicília. O número representa o dobro do ano passado, o maior salto da última década. Mais de 80%, segundo a Organização Internacional para as Migrações, ligada à ONU, foram traficadas para exploração sexual em bordeis da Itália e de outros destinos europeus.

Muitas vêm acompanhadas do “marido”, mas, como não têm documentos, é difícil saber se estão falando a verdade. As autoridades acreditam que muitos destes acompanhantes façam parte da rede de tráfico e sejam também explorados para trabalho escravo ou para pedir dinheiro nas ruas — uma nova fonte de renda para a máfia.

Essas pessoas estão sendo trazidas de seus países já com este fim, pelas mãos da mesma rede de atravessadores que lucra com o fluxo de refugiados tentando chegar à Europa.

— Eles não sabem que serão explorados. Ninguém acredita que esse tipo de coisa ainda exista, mas a escravidão moderna é uma realidade perversa — diz Isoke. Ela conseguiu escapar pelas mãos de um cliente, com quem fugiu, e hoje ajuda meninas a fazer o mesmo.

Ao chegar à Itália, são obrigadas a assumir uma dívida pela viagem que chega a 40 mil euros, segundo Isoke, a serem pagos com “trabalho”. Muitas são exploradas ao longo do caminho, principalmente na Líbia, sob ameaça de morte ou de serem devolvidas à Nigéria.

Com isso, o tráfico para fins de exploração sexual chegou a níveis sem precedentes, alertou a ONU.

— Temos percebido aumento no número de menores de idade desacompanhadas — revela Lucia Borgh, da ONG Borderline.

De um lado, a possibilidade de obter asilo garante a permanência das mulheres no país, evitando o risco de serem deportadas, o que representa prejuízo para os criminosos. De outro, quando têm o pedido negado elas se tornam presas fáceis dos traficantes.

— Essas mulheres escapam da miséria, de conflitos, da violência por grupos armados como Boko Haram, para serem exploradas na Europa — diz o eritreu Abraha Tewolde, na Itália há 40 anos. Ele trabalha como tradutor para organizações humanitárias e, no tempo livre, percorre as ruas tentando identificar focos de exploração.

Segundo ele, os criminosos se beneficiam de falhas no sistema de recepção italiano. Após desembarcar nos portos da Itália, os que chegam pelo Mediterrâneo são registrados e encaminhados para abrigos em diferentes cidades, onde vivem por conta própria à espera de decisão sobre o pedido de asilo. As mulheres têm simplesmente desaparecido desses centros.

As autoridades estimam que 120 mil mulheres sejam exploradas para prostituição na Itália, um terço delas nigerianas.

Migrantes ilegais são explorados em situações análogas à escravidão

O sudanês Mustafa Said, de 29 anos, espera ansioso o período de colheita de tomates na costa oriental da Sicília, na Itália. Ele não tem onde morar e vive como nômade, migrando de lavoura em lavoura no rastro das safras. Está agora acampado num terreno cujo proprietário desconhece — seu contato é com um atravessador, a quem se refere por “patrão” e descreve como o “dono” dostrabalhadores. No pico da safra, a fazenda mantém mais de 200 homens em situação análoga à escravidão, todos estrangeiros. A exploração de refugiados e migrantes é a nova face da economia do Mediterrâneo. Há outra, ainda: a das ruas. A reportagem encontrou dezenas de refugiados e migrantes dormindo nas ruas e mendigando nos faróis de Catânia, Palermo, Messina, Trapani, Siracusa, vítimas de políticas adotadas pela União Europeia (UE) no último ano, que estão jogando milhares na clandestinidade. Mustafa dorme numa precária barraca de plástico; outros, ao relento. Não há eletricidade, água potável ou esgoto no acampamento improvisado pelos trabalhadores; o banheiro é a terra. As condições de estadia e na lavoura são desumanas. Saem antes do amanhecer, por volta de 4h, e só retornam após o sol se pôr. Na Europa de Mustafa, as condições de vida parecem com as do país de onde fugiu. — A diferença é que aqui não tem guerra, o resto é mais ou menos igual — diz. — Se conseguisse trabalho contínuo, a vida melhorava. Porque na minha terra (uma aldeia na fronteira entre Sudão e Sudão do Sul) também isso não tem. Aqui só consigo trabalho na colheita. Quando termina, acaba o dinheiro. Então, eu migro para outra lavoura, e outra. Desde que cheguei, não consegui deixar essa vida. A mãe de Mustafa morreu, o pai e os irmãos mais jovens ficaram para trás — refugiar-se exige dinheiro. Somente ele e outro irmão migraram, ambos estão nas mãos de intermediários que selecionam trabalhadores para as lavouras do Sul da Itália: Sicília, Calábria, Puglia, Campânia. — Negros fortes, feito eu e meu irmão, têm mais chance, porque aguentam mais horas e carregam mais peso — conta Mustafa. Nas raras vezes em que conseguem juntar algum dinheiro, enviam o montante para a família no Sudão. Mustafa não tem coragem de dizer ao pai que o sonho da Europa se transformou em pesadelo. Não poder mandar ajuda a eles lhe tira o sono. — É uma grande fonte de estresse psicológico para essas pessoas, porque os familiares acreditam que os que migraram estão melhor de vida e os pressionam para que enviem dinheiro. Muitas dessas famílias investiram tudo para mandar o filho à Europa — afirma o padre Carlo Dantom, que abriga em sua igreja, em Siracusa, refugiados e migrantes excluídos do sistema de proteção italiano. Paróquia na Sicília já acolheu 20 mil Mais de 20 mil, a maioria ilegal, passaram pela casa mantida com doações nos fundos da paróquia. A maioria dos que se sujeitam à exploração não tem documentos regulares. Muitos tiveram o pedido de asilo recusado. A ONG Oxfam estima que mais de cinco mil migrantes, principalmente do Norte e Oeste da África, receberam a carta de expulsão desde setembro de 2015, quando a UE adotou nova política de registro de migrantes e refugiados, na tentativa de excluir aqueles que buscam asilo por questões econômicas, embora isso contrarie leis internacionais. O documento determina que deixem o país em uma semana, ainda que as autoridades saibam ser improvável que obedeçam. Mas mesmo que quisessem, como Mustafa, eles não têm dinheiro para voltar para casa. Mais de 90% deles caem na clandestinidade — e na teia de criminosos que lucram com o trabalho escravo e as ruas. — A polícia, as autoridades, os empregadores, todos sabem que eles não têm papéis. Mas fazem vista grossa porque a ilegalidade é uma forma de controle sobre eles — critica o padre Carlo. — O uso de ilegais barateou os custos da produção. São eles que hoje sustentam a agricultura mediterrânea. Mustafa recebe pelo que colhe. A colheita do tomate, base da culinária italiana e dos molhos para exportação, é a que melhor paga: € 6 por contêiner de 200kg, no caso dos tomates pequenos, e € 3, dos maiores. Quem pesa é o “patrão”, e Mustafa não tem alternativa, se não confiar nele. Os atravessadores protegem os donos de terra de processos por trabalho escravo, embora seja improvável que um ilegal consiga ingressar com ação por direitos na Justiça. — Esta é a face secreta da economia italiana — lamenta o padre Carlo. — Eles não têm direito a nada, porque são invisíveis ao sistema. Perderam o link com a sociedade. Desconhecem seus direitos, estão confusos, amedrontados, vivendo escondidos. É a mão de obra perfeita para exploração. O dinheiro que Mustafa recebe não dá para moradia, por isso dorme na lavoura. Entre as safras, faz bicos de pedreiro, mas normalmente é forçado a complementar o orçamento mendigando. Já Hamza, 26 anos, fugiu da Somália após um carro-bomba explodir junto ao pequeno comércio da família em Mogadíscio. O prédio desabou. Como muitos que fogem do Chifre da África, cruzou 9.675km em ônibus, caminhões e a pé numa jornada de 18 meses por Quênia, Uganda, Sudão do Sul, Sudão e, pelo deserto, até a Líbia. Em cada parada, fazia bicos para custear o próximo trecho. Na Líbia, acabou em uma prisão em Gharyan, cerca de 80km de Trípoli, da qual escapou num levante. Foi recapturado, agora por contrabandistas, e colocado numa casa cuja localização desconhece. — Eles queriam US$ 3 mil por minha libertação. Se não conseguiam falar com minha família, me batiam até eu desmaiar. Quando viram que a família não mandaria o dinheiro, soltaram-no. Hamza diz que seguiu sem destino até se esconder na boleia de um caminhão. Assim chegou a uma fazenda. Trabalhou na lavoura por quatro meses, pelos quais recebeu 500 dinares (R$ 1.180), dinheiro com que pagou a travessia de barco de Sabara, na costa líbia, para a Sicília. Em Catânia, fez bicos para pagar a viagem de ônibus a Munique, na Alemanha, onde ficou por dois anos. Há seis meses, foi colocado num avião e deportado de volta a Milão, com base na Convenção de Dublin. O sistema italiano lhe dá abrigo até que o pedido de asilo seja processado. Depois disso, perde a proteção. Hamza passou a viver nas ruas de Catânia com dois amigos somalis. De dia, perambula pelas proximidades da estação de trem, onde contrabandistas costumam recrutar estrangeiros para a lavoura ou mercado informal. Convenção de Dublin obriga a pedido de asilo no país de chegada A Convenção de Dublin, de 2013, prevê que pedidos de asilo só podem ser feitos nos países de chegada. Em setembro, agência da UE para controle de fronteiras (Frontex) passou a colher ainda nos portos as impressões digitais. Isso tem mantido milhares na Itália, principal entrada dos que tentam chegar à Europa, após acordo da UE com Turquia, que prevê deportação dos que chegam pela Grécia. A nova política foi justificada sob promessa de que ao menos 160 mil seriam realocados para outros países da Europa. Mas, até o primeiro semestre, pouco mais de 800 foram realocados da Itália. Somente este ano, mais de 112 mil pessoas chegaram ao país pelo mar, segundo a Organização Internacionalpara as Migrações. E eles continuam chegando — dez mil novos na última semana. Próxima Migrantes ilegais são explorados em situações análogas à escravidão

Fonte: O Globo

Drama persistente de imigrantes expõe fracasso de políticas da União Europeia

 

 

 

 

 

Incapaz de encontrar soluções eficazes contra a crise migratória mais grave no continente desde a Segunda Guerra Mundial, a União Europeia (UE) volta a ver um fluxo descontrolado de refugiados chegando às suas fronteiras e se aglomerando em centros de acolhimento. Após uma operação de resgate salvar 6.500 migrantes africanos anteontem no litoral da Líbia e outros três mil ontem, autoridades temem um fluxo incontrolável na rota do Norte da África em direção à Itália pelo Mediterrâneo. Enquanto isso, no Norte do continente, ocorre o aumento exponencial da população do campo francês de Calais, no Canal da Mancha, que, mesmo tendo passado por remoções em massa, teve suas áreas reocupadas nos últimos meses e deve chegar a dez mil habitantes nos próximos dias. Os dois episódios ilustram o fracasso das tentativas europeias de sanar o problema da imigração ilegal.

Símbolo da dificuldade em realocar os imigrantes que tentam chegar ao Reino Unido, a reocupação do improvisado campo em Calais — conhecido como A Selva — representa um baque na nova política do governo francês de distribuir milhares de imigrantes por centros de acolhida (de cinco mil vagas, duas mil foram ocupadas) e usar contêineres transformados em habitações.

FUGA EM MASSA PELO ALTO-MAR

As estimativas são de que a população local tenha triplicado desde as remoções do primeiro semestre. Enquanto isso, vizinhos e comerciantes da cidade prometeram bloquear a estrada que leva ao porto a partir da próxima semana, até que o acampamento seja desmantelado. Eles alegam o aumento da violência — o que os próprios migrantes admitem.

— Há brigas aqui toda hora agora. Você pode ser esfaqueado por dinheiro — advertiu ao “Telegraph” o afegão Rais, 23 anos, aguardando uma oportunidade para cruzar o canal e chegar a Dover, no lado britânico.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy e o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, candidatos presidenciais para 2017, defenderam o fim do bloqueio na fronteira terrestre com o Reino Unido, na entrada do Eurotúnel do lado francês, deixando o caminho livre para a saída dos migrantes. A oposição alega que, com a saída britânica da UE, é hora de forçar Londres a resolver o assunto e tirar a pressão da França. Ontem, no entanto, a medida foi descartada numa reunião entre o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, e a nova secretária do Interior britânica, Amber Rudd.

“Estamos comprometidos em trabalhar juntos para fortalecer a segurança da fronteira compartilhada, diminuir drasticamente a pressão migratória sobre Calais e preservar a ligação econômica vital que passa pela região”, disseram os dois num comunicado conjunto.

Enquanto isso, o fluxo migratório em direção à Itália, saindo principalmente da Líbia, volta a preocupar as autoridades. Se em 2015 explodiu o deslocamento através do Mar Egeu, entre a Turquia e a Grécia, a rota líbia voltou a ser intensamente procurada após um recente acordo entre o governo turco e a UE que fechou a fronteira grega. Das cerca de 260 mil pessoas que chegaram pelo mar à Europa este ano, mais de cem mil cruzaram o Mediterrâneo vindas da África. Mais de 3.100 morreram, relata a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Somente desde sexta-feira passada, estima-se que mais de 15 mil tenham chegado, aproveitando o clima quente do verão e o mar mais estável. Anteontem, uma megaoperação das Marinhas italiana e espanhola, junto a ONGs de resgate, salvou 6.500 migrantes e refugiados africanos em barcos de madeira superlotados na costa da Líbia. Ontem, outros três mil foram socorridos ao tentarem a travessia.

— Muitos não sabiam nadar, são idosos, mulheres, crianças, menores desacompanhados. Qualquer movimento de resgate quando há muitas destas pessoas é arriscado, e pode acabar com a estabilidade do barco. Tivemos de ser rápidos e cuidadosos. Demos coletes para evitar o pior — disse ao GLOBO Nicholas Papachrysostomou, coordenador de operações do navio Dignity 1, da Médicos Sem Fronteiras (MSF), que retirou anteontem cerca de 700 pessoas do mar, entre elas 92 menores desacompanhados e prematuros recém-nascidos.

O principal fluxo de migrantes em direção à Europa pela Líbia vem da África Subsaariana, originários de países como Eritreia, Etiópia, Nigéria e República Centro-Africana. Em geral, os fugitivos saem de casa por causa de conflitos, perseguição e pobreza, e ainda sofrem com traficantes de migrantes.

— Estas pessoas estão sendo abusadas física e sexualmente. Mas as políticas europeias são feitas para desencorajá-las. Precisamos de uma UE mais responsável. Não pode mais haver mais vidas perdidas. Estamos preenchendo o vazio no mar deixado pela falta de iniciativa das instituições. Ninguém deveria negar ao outro o direito de migrar — criticou Papachrysostomou.

Um ano após anunciar sua política de portas abertas, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, disse que o país e a UE “fizeram vista grossa por tempo demais para a crise enquanto buscavam soluções”.

— Ignoramos o problema por tempo demais e bloqueamos a necessidade de se encontrar uma solução pan-europeia. Deixamos a Espanha, a Grécia e a Itália lidarem sozinhos. Naquele momento, nós também rejeitamos uma distribuição proporcional de refugiados — disse ela ao diário “Süddeutsche Zeitung”.

Fonte: O Globo

Só os mais fortes sobrevivem

Ute Schaeffer, autora do livro “Die Flucht der Kinder” (A fuga das crianças), afirma que só os mais fortes sobrevivem à travessia repleta de perigos.

— E quando chegam ao destino, deixaram de ser crianças e adolescentes para ser transformarem em adultos traumatizados — diz.

De acordo com um estudo da Universidade de Munique, cerca de 25% dos refugiados menores que precisaram enfrentar sozinhos a viagem desenvolvem distúrbio pós-traumático e, provavelmente, outros problemas psiquiátricos.

O assistente social Hassan Faraj, da ONG Kompaxx, lembra ainda que a situação se complica ainda mais quando os refugiados entram na adolescência.

— A crise deles se manifesta de forma diferente porque são marcados pela enorme luta pela sobrevivência — acrescenta Hassan.

Paralelo com fuga do nazismo

Berlim, cidade que viu milhares de crianças e adolescentes judeus serem enviados pelos pais ao exterior para escapar da morte durante o regime nazista, recebe agora os menores sozinhos. O capítulo contundente da História é lembrado no Centro por uma escultura do artista Frank Meisler, que foi enviado pelos pais para a Inglaterra.

Faraj, nascido na Tunísia há 42 anos, veio para Berlim há 15 para estudar Ciências Sociais e acabou ficando. Hoje, administra um dos centenas de lares de menores refugiados espalhados pela cidade.

— Há paralelos entre a fuga das crianças durante o nazismo e os menores que são enviados ou que vêm por conta própria para a Europa — destaca.

Ute Schaeffer calcula que o Estado gaste cerca de € 70 mil por ano com cada menor. Segundo Gerd Landsberg, diretor da Federação dos Municípios Alemães, as cidades preveem gastar, com ajuda e acompanhamento dos refugiados menores, € 2,7 bilhões em 2016.

Para baixar o custos e apoiar a integração, o Ministério da Família lançou o programa “Gente fortalece gente”, que oferece à população alemã a chance de participar do acompanhamento dos refugiados como “padrinhos, pais e avós hospedeiros”.

Segundo o Ministério, dez mil pessoas apresentaram interesse. Mas só o altruísmo não é garantia de sucesso. De acordo com Helga Siemens-Weibring, da Diakonie, uma ONG luterana, o relacionamento com os refugiados nem sempre é fácil porque eles são independentes, mas, ao mesmo tempo, altamente traumatizados.

— Esses jovens têm uma longa história de fuga. Isto significa que por muito tempo foram responsáveis por si mesmos. Por outro lado, precisam de ajuda — diz ela.

Nem sempre há um final feliz. Segundo Ute Schaeffer, as experiências traumáticas e as dificuldades de integração contribuem para que cerca de 30% deles terminem na criminalidade.

Os problemas se agravam quando os jovens atingem a maioridade de acordo com a lei — que é de 18 anos, mas nesse caso específico é frequentemente adiada para 21. Depois disso, acaba bruscamente o apoio integral. Refugiados que vêm de países em guerra, como a Síria, podem ficar. Os outros, só se tiverem profissão ou vaga na universidade.

Para o advogado sírio Oussama Al Agi, há 20 anos na Alemanha, o fracasso dos filhos na Europa é um golpe duro para as famílias.

— Os pais investem tudo o que têm e levam em conta até o perigo da viagem porque pensam na chance de melhoria de vida para toda a família. Os filhos que conseguem vencer podem mandar buscar pais e irmãos — diz.

Ute Schaeffer, ex-chefe de redação da rádio Deutsche Welle, lembra que a última onda de refugiados deverá mudar definitivamente a Alemanha. Na sua opinião, o importante é que os erros do passado, das ondas migratórias de turcos nos anos de 1960-1970, sejam evitados. Para que os refugiados ou seus descendentes não terminem em guetos, defende uma política de integração competente.

— Guetos (de imigrantes) como na França são o caminho errado — conclui.

Perseguido por imagens do Iraque

Ahmed, Omar e Qudrat – Graça Magalhães-Ruether

A conquista de Mossul, há dois anos, pelo Estado Islâmico, encerrou com súbita brutalidade a infância do curdo iraquiano Farhid Tahi (centro da foto acima), hoje com 16 anos. Seu pai, um peshmerga (combatente curdo), morreu defendendo a cidade. A mãe foi sequestrada e assassinada, como milhares de mulheres vítimas do ódio do EI.

Farhid deixou tudo e partiu para a Alemanha. Ele não sabe direito como o pai morreu, mas as imagens das execuções do grupo que costumam ser divulgadas pela internet o perseguem.

Com medo de ser identificado pelo EI, por ainda ter um irmão e um primo em Mossul, Farhid resiste a ser fotografado, mas acaba cedendo. Ele também não gosta de falar sobre os últimos meses em sua cidade.

— Se pudesse, apagaria da minha memória todos os episódios depois que a guerra começou.

O relacionamento com os outros três adolescentes que vivem no lar da ONG Kompaxx, em Spandau, um bairro com floresta e lagos no norte de Berlim, é de amizade, mas marcada por uma certa distância. Indagado sobre os seus planos para o futuro, Farhid diz apenas:

— Eu quero trabalhar!

Risco de fracassar como pesadelo

O grande temor de Qudrat Ramuzi (direita da foto acima) é fracassar. A família vendeu até a casa onde morava, em Maydanwardak, Afeganistão, para financiar a viagem do adolescente. O plano era que vivesse em segurança e tivesse um futuro melhor do que os pais, vítimas de repetidas guerras.

A viagem foi de ônibus. Ao chegar à Turquia, teve que esperar seis dias até seguir de barco para a Grécia. Quando atravessou a pé a fronteira da Áustria com a Alemanha, gastou seu último euro. Se conseguir fincar pé em Berlim, Qudrat planeja mandar buscar a família.

— Não posso fracassar! Se não conseguir, a decepção dos meus pais será gigantesca.

Ele considera a situação no seu país insolúvel, porque o ódio entre as etnias nunca foi superado.

— Os pushtu colaboram com os talibãs. Já vi casos de pararem um ônibus e matarem todos só por serem hazaras, como eu. Tenho a impressão de que o mundo começa a abandonar o Afeganistão — diz Qudrat, com uma capacidade analítica incrivelmente forte para sua idade.

Talvez por isso, nunca sorria, nem para fotos.

Para sírio, a segunda geração de refugiados

 

Ahmed Al Sheik (esquerda da foto acima) , sírio de Damasco, vai deixar em breve o lar de refugiados para viver por conta própria, ainda com apoio do governo alemão. Ele completa 18 anos e não tem medo de partir. Ao contrário dos outros jovens do lar de Spandau, Ahmed é extrovertido e bem humorado. Essa postura da família já ajudou uma vez no processo de adaptação dos avós, que fugiram dos territórios palestinos nos anos 60, na Guerra dos Seis Dias. Desde então, a Síria se tornou a nova pátria. E tudo ia relativamente bem, até a guerra.

— A guerra não trouxe democracia, só destruição.

Em menos de um ano, Ahmed aprendeu a falar alemão fluentemente.

— Isso é importante porque é condição para concluir a escola e entrar na universidade.

Por enquanto, o sírio ainda frequenta a classe de integração, mas, depois dos últimos testes, recebeu a oferta de uma vaga em uma escola regular. Em dois anos, se continuar com bom aproveitamento, Ahmed vai concluir o colégio e, talvez, concretizar o sonho de estudar medicina.

— Quero estudar medicina porque o trabalho de médico significa ajudar os outros.

Afegão traz marcas no corpo e na mente

Ghafour – Graça Magalhães-Ruether

Enquanto adolescentes da mesma idade começam a pensar em sair para dançar, Ghafour Rahimi vive dividido entre o medo de não conseguir ter uma profissão até os 21 anos e as lembranças dos últimos meses no Afeganistão, onde presenciou o assassinato do pai, morto por talibãs. Ele chegou à Alemanha em setembro do ano passado, quando tinha apenas 14 anos.

— Quando acordo, penso ainda ouvir os tiros disparados pelos talibãs, como quando mataram meu pai — conta Ghafour.

Semana passada, Hassan Faraj, responsável pelo lar de menores de Spandau, descobriu que Ghafour tinha crises de autoflagelação.

— Ele queimou os braços com cigarro de forma que parece intencional — revela.

Depois da morte da mãe, vítima de um atentado talibã, Ghafour resolveu fugir para a Europa. Sem dinheiro, viajou durante 29 dias. Sempre que encontrava grupos de refugiados recebia alimentos e companhia para trechos seguintes.

Ghafour ainda fala um alemão rudimentar. Mas tem grandes planos.

— Se terminar bem a escola, quero fazer um concurso para a Academia de Polícia.


Fonte: O Globo
Refugiados caminham na fronteira entre Croácia e Sérvia (Foto: Juan Carlos Tomasi/MSF)

Médicos Sem Fronteiras relata abusos sofridos por refugiados na Europa

Em um novo relatório, a organização publica depoimentos retratando cotidiano de agressões, condições precárias e traumas

Um sírio conta como o bote em que estava com outros refugiados foi atacado por homens uniformizados com arpões. Outro afirma que foi agredido por policiais na Macedônia, roubado por criminosos na Sérvia. Esses depoimentos chocantes estão em um relatório da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), divulgado nesta terça-feira (19). O documento pinta um quadro desolador da recepção derefugiados e imigrantes na Europa e critica duramente as políticas a essas populações. Intitulado “Rota de Obstáculos para a Europa”, o documento de 60 páginas conta com relatos de profissionais da organização e depoimentos de pleiteantes de asilo coletados pela MSF em seus postos de atuação. “2015 será lembrado como o ano em que a Europa falhou catastroficamente em sua responsabilidade em responder às necessidades urgentes de assistência e proteção de milhares de pessoas vulneráveis”, afirma a organização.

Além do material impresso, a MSF divulgou fotos (confira a galeria abaixo) e vídeos mostrando o drama dos refugiados. Em um dos vídeos, a organização atua juntamente com o Greepeace para salvar crianças, adultos e idosos em botes superlotados perto da ilha grega de Lesbos. Kim Clausen, chefe de equipe da MSF, afirma que uma ONG médica e outra ambiental estão fazendo o que é obrigação dos governos. “Isso deveria ser assumido como responsabilidade dos países europeus para garantir que as pessoas possam fazer isso [cruzar a fronteira] de forma segura”, diz. Assista abaixo às imagens:

A MSF esmiúça as inúmeras dificuldades enfrentadas por sírios, afegãos, iraquianos, eritreus, nigerianos e outros que, fugindo da guerra, da violência e da miséria, se arriscam nas rotas do Mediterrâneo – dificuldades pioradas, segundo a organização, pela falta de estrutura de acolhida, pela burocracia mutante dos procedimentos de pedido de asilo e pela hostilidade das forças de segurança nos locais de chegada e nos postos de fronteira. “Não só os países europeus falharam coletivamente em atender as necessidades humanitárias e médicas urgentes de refugiados e imigrantes chegando a fronteiras internas e externas da União Europeia, mas a lentidão e as políticas anti-imigratórias – desenvolvidas durante os últimos 15 anos e fortalecidas em 2015 – aumentaram a demanda por redes de coiotes e forçaram pessoas para rotas ainda mais perigosas que colocam em risco sua saúde e suas vidas”, afirma a MSF.

A organização critica o investimento por parte dos governos europeus em iniciativas que tentam sem sucesso coibir os fluxos migratórios, ao invés de direcionar fundos para o atendimento de quem chega.  De acordo com o relatório, a MSF gastou €$ 31,5 milhões em sua operação na Europa durante o ano passado e mobilizou um total de 535 pessoas para atender refugiados e imigrantes. “Nunca antes a MSF teve tantos projetos na Europa, nunca antes a MSF decidiu mobilizar três barcos de busca e salvamento no mar para salvar vidas e nunca antes foi tão urgente que os governos europeus assumam suas obrigações internacionais e assistam as pessoas cujas vidas estão em risco”, diz o documento.

O documento é publicado em um momento particularmente delicado da crise humanitária na Europa, quando até países considerados mais receptivos a refugiados, como Alemanha e Suécia, aplicam novas restrições à entrada de pessoas. Depois de um ataque em massa a mulheres na noite de Ano Novo na cidade alemã de Colônia, perpetrado por uma maioria estrangeira, a chanceler Angela Merkel se viu pressionada a endurecer as medidas que permitem a entrada e permanência no país.

 

Grécia: o porto seguro precário

No ano passado, pouco mais de um milhão de refugiados e imigrantes chegaram ao continente europeu, a maioria por meio da rota entre Turquia e Grécia, via Mediterrâneo. Entre agosto e setembro, cerca de 4 mil pessoas, em média, chegavam todos os dias às ilhas gregas – no total, pouco mais de 851 mil entraram na Europa pelo país em 2015. “Um ano depois do início da crise, apesar das numerosas visitas por parte de representantes da UE (…), tanto a infraestrutura de recepção quanto o sistema de asilo da Grécia continuam falhando em se adaptar para as necessidades de refugiados e migrantes”, diz o relatório da MSF. Em Lesbos, um dos principais portos de chegada, os 700 leitos oferecidos pelas autoridades gregas, somados aos 780 disponibilizados por organizações humanitárias mal atendiam um quarto da população necessitada. A escassez de abrigo levava a centenas de pleiteantes de asilo a dormirem na rua, sem acesso a recursos básicos e vulneráveis a crimes e violência. “As pessoas chegam às ilhas gregas depois de terem enfrentado muito sofrimento. Nós vimos crianças e adultos ainda molhados, forçados a dormir ao relento”, declarou um médico que atua como voluntário na região.

 

De acordo com a MSF, não só as estruturas de acolhida e recepção são insuficientes para a demanda, como as autoridades locais não cooperam e dificultam a atuação de organizações humanitárias voluntárias. “Alguns dos inúmeros obstáculos administrativos enfrentados pela MSF no último ano incluem a recusa por parte da prefeitura de Kos (ilha grega) de permitir que a MSF montasse tendas para abrigo emergencial em um estacionamento na cidade e autoridades locais não permitirem que equipes montassem tendas em um parque em Lesbos (ilha grega)”, diz o relatório.

O documento cita ainda depoimentos de refugiados e imigrantes sobre suas experiências durante a travessia e a chegada à Grécia. Dois deles acusam pessoas trajadas como autoridades gregas de propositadamente tentarem afundar os barcos nos quais estavam e de não prestarem auxílio às embarcações que pediam socorro – uma violação da lei internacional. “Nós fomos atacados entre a Turquia e a ilha (Farmakosini), por três homens uniformizados a bordo de um grande barco metálico cinza. Eu vi três homens adultos a bordo, vestindo uniforme naval azul escuro, com a bandeira grega no ombro. Nós nos aproximamos, mostramos que tínhamos crianças para receber ajuda. Eu não consigo esquecer o que aconteceu. Uma vez que nós estávamos perto deles, eles usaram um arpão para furar a frente do nosso barco. Eles fizeram dois buracos e todos entraram em pânico. Eles queriam nos matar”, disse à MSF um homem sírio, recém-chegado à ilha de Kos. O governo grego nega as acusações. A MSF, por sua vez, critica a falta de investigações sobre esse tipo de incidente.

Em outro depoimento, um refugiado relata ter sido submetido a condições degradantes por membros do Exército grego, na ilha de Farmakonisi, uma base militar do país. “Na ilha militar, eles nos fizeram ajoelhar e esperar sob o sol por muitas horas. (…) Eles amarram nossas mãos e nos estapeavam sem razão nenhuma. Quando nós estávamos dormindo, eles entravam no cômodo e nos batiam com bastões de ferro. Eles tomaram minha bateria de celular e depois pediram 20 euros para devolvê-la”, disse um homem sírio atendido pela MSF em Leros, outra ilha grega. “Nós estávamos na ilha militar. Um soldado gritava em inglês: eu não ligo para as leis – para mim, as leis não existem – aqui só existe uma lei – a lei do Exército”, relatou um homem afegão, também tratado pela MSF.

Rumo ao norte, mais abusos

O relatório ainda traz uma série de relatos de abusos e violências contra refugiados e imigrantes por parte não só de redes criminosas, mas como de autoridades de segurança nos países utilizados como rota de travessia por terra para o norte do continente, comoMacedônia, Sérvia, Croácia e Eslovênia. “Eu sou da Síria. Tenho quatro filhos pequenos. Eu viajei da Grécia para a Macedônia, mas fui preso e deportado para a Grécia quatro vezes. Eu fui agredido pela polícia macedônia. Eles tomaram todo meu dinheiro. Na estrada para a Sérvia, a máfia me parou, roubou todos os meus pertences e me deixou em uma área isolada. Quando fui pedir ajuda para a polícia sérvia, eles me prenderam por 10 dias e me deportaram de volta para a Macedônia. Eu voltei à Sérvia e continuei para a Hungria. Lá fui preso, algemado e jogado numa cela sem água ou comida. Eu estava com sede e doente, mas quando pedi por água, o policial respondeu: ‘Vou mijar em uma xícara e você beberá isso!”, contou um homem sírio atendido pela MSF, próximo à floresta de Bogovadja, na Sérvia.

Resultado dos traumas vividos, em seus países de origem e na jornada em busca de asilo, a organização afirma que atende um grande número de refugiados e imigrantes que sofrem de doenças de natureza mental como síndrome do pânico, estresse pós-traumático e depressão – mais de 12 mil pessoas foram tratadas pela MSF na Grécia e na Sérvia por condições relacionadas a traumas. “A maioria das patologias tratadas por nossas equipes médicas poderia ser facilmente prevenida se a passagem segura e recepção que atendesse os padrões humanitários fossem implementados nos Estados da União Europeia”.

O documento também critica as complicadas burocracias do procedimento de pedido de asilo nos países europeus e a iniciativa de países como Hungria e Bulgária de construírem barreiras para impedir entrada e trânsito de refugiados e imigrantes. Para a MSF, tais iniciativas não coíbem os fluxos migratórios e deixam essas populações em condições mais vulneráveis durante sua jornada.  “Longe de conter o fluxo de refugiados e imigrantes, a falta de assistência e as restrições a movimento da Europa simplesmente forçaram pessoas desesperadas a colocar suas vidas e sua saúde em risco, com os serviços de coiotes e tomando rotas traiçoeiras (…). Predadores do desespero das pessoas, coiotes são o violento e abusivo subproduto das vergonhosas políticas migratória restritivas da Europa”, afirma o relatório.

 

A MSF conclui pedindo que os Estados europeus facilitem os meios legais para pessoas solicitarem asilo no continente – hoje, só é possível realizar o pedido quando se chega a solo europeu – e que aumentem o investimento nas estruturas de resgate e recepção de refugiados e imigrantes. “Como é provável que as pessoas continuem buscando na Europa assistência e proteção muito necessárias em 2016, é hora de a Europa abolir de sua rota obstáculos e oferecer assistência e passagem legal e segura para refugiados e imigrantes que fogem de condições desesperadoras”, finaliza o relatório

Fonte: Época

Após uma semana de intensos confrontos com forças rebeldes levando dezenas de milhares de sírios a deixarem suas casas, as tropas do governo recuperaram um povoado ao norte de Aleppo, informaram autoridades e ativistas da oposição. A conquista levou os combatentes do regime mais próximos à fronteira com a Turquia, onde cerca de 35 mil pessoas estão acampadas em tendas improvidas enquanto aguardam para entrar no país vizinho, fechado pelo quinto dia seguido — autoridades temem que até 600 mil cheguem. Para discutir o drama humanitário, a chanceler alemã, Angela Merkel, visitou Ancara nesta segunda-feira.

— Precisamos de um projeto visível. Os refugiados querem ver escolas, e rápido. Precisamos assegurar que não haverá muitos obstáculos burocráticos — advertiu a líder alemã em coletiva de imprensa com o premier turco, Ahmet Davutoglu.

O mais recente avanço do Exército ocorre no povoado de Kfeen, uma zona rural na região de Aleppo. Segundo a agência estatal de notícias “Sana”, os soldados eliminaram o último grupo de rebeldes instalados no local, que foram classificados como terroristas. A emissora de televisão do grupo Hezbollah, al-Manar, também noticiou a captura e divulgou imagens direto da vila.

A ofensiva foi apoiada pela Rússia e pelo Irã, num movimento que ameaça o futuro da insurreição rebelde. Milícias apoiadas pelo Irã tiveram um papel fundamental no solo ao mesmo tempo que caças russos intensificavam bombardeios, o que permitiu ao Exército sírio assumir o controle de importantes áreas no Norte do país pela primeira vez em mais de dois anos.

— Nossa existência está agora ameaçada, não estamos apenas perdendo terreno — disse o combatente Abdul Rahim al-Najdawi, do grupo rebelde Liwa al-Tawheed. — Eles estão avançando e nós estamos recuando porque em face a ataques aéreos tão fortes, precisamos minimizar nossas perdas.

Refugiados sírios estão em acampamentos improvisados na fronteira com a Turquia – BULENT KILIC / AFP

Mas, ao passo que o regime comemora, o drama humanitário se agrava ainda mais no país há quase cinco anos imerso em uma guerra civil. As imagens na fronteira turca denunciam o desespero vivido por cerca de 35 mil sírios impedidos de entrar no país vizinho, apesar dos apelos dos líderes da UE para deixá-los atravessar.

O vice-primeiro-ministro, Numan Kurtulmus, advertiu que a pior situação a curto prazo poderia ser “uma nova onda de 600 mil refugiados na fronteira”, já que pelo menos 150 mil estão em movimento após o avanço das tropas de Bashar al-Assad. A Turquia alega não ter recursos financeiros e nem estrutura para abrigar mais que os atuais 2,5 milhões de sírios em seu território.

Para tentar minimizar a gravidade da situação, no domingo o governo enviou caminhões de ajuda e ambulâncias para a população.

— Em algumas partes de Aleppo o regime de Assad interrompeu o corredor norte-sul… A Turquia está sob ameaça — disse o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, a repórteres em seu avião de volta de uma visita à América Latina, segundo o jornal “Hurriyet“.

Fonte: O Globo

Europa tem protestos contra imigrantes

Milhares de pessoas foram às ruas em diversos países; dezenas foram presas

Manifestantes do Pegida reuniram-se em Varsóvia – JANEK SKARZYNSKI/AFP
 

 

 

 

 

 

 

 

Milhares de pessoas participaram ontem de manifestações anti-imigrantes em diversas cidades da Europa convocadas pelo movimento islamofóbico Pegida. Os principais protestos foram em Dresden, no Leste da Alemanha, onde se concentraram entre seis mil e oito mil pessoas, e em Praga, onde marcharam cinco mil pessoas.

Também foram registradas manifestações em França, Eslováquia, Áustria, Holanda, Irlanda, Polônia e Reino Unido. Dezenas de pessoas foram presas durante os protestos contra a entrada de refugiados na Europa.

 

As manifestações realizadas ontem, batizadas de “Fortaleza Europa”, foram convocadas no fim de janeiro pelo Pegida, como é conhecido o movimento de extrema-direita alemão Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente.

Em Dresden, o berço do Pegida, os manifestantes agitaram bandeiras com dizeres contra a chanceler federal Angela Merkel, criticada por seus projetos de acolhimento de imigrantes. No ano passado, 1,1 milhão de refugiados pediram asilo no país, um recorde histórico.

— Temos de ter êxito em guardar e controlar as fronteiras externas e internas de novo — pregou Siegfried Daebritz, do Pegida.

Por outro lado, muitas cidades também receberam comícios contra o movimento. Em Dresden, 3.500 pessoas reivindicaram a tolerância aos imigrantes. Os cartazes tinham inscrições como “Não há lugar para nazistas” e “Não temos necessidade de xenofobia, nem de demagogia, nem de Pegida”.

IGREJA PEDE LIMITES

Numa entrevista publicada no jornal “Passauer Neue Presse”, o cardeal Reinhard Marx, presidente da Conferência Episcopal alemã, afirmou que o governo precisa “reduzir o número de refugiados”.

— A Alemanha não pode acolher todos os necessitados do mundo — enfatizou, pedindo que, neste caso, não se leve em conta apenas “a caridade, mas também a razão”.

Merkel anunciou no fim do mês novas restrições para reduzir o fluxo imigratório.

Fonte: O Globo

Suíça segue Dinamarca e apreende bens de refugiados para cobrir custos

Imigrante sírio mostrou recibo dado por autoridades após pagar mais da metade do dinheiro da família

Imigrantes que conseguem chegar à Grécia caminham para centro de refugiados na fronteira com a Macedônia. Os que chegam à Suíça, tem que pagar pela estadia – Boris Grdanoski / AP

Além disso, um panfleto do governo com informações para os refugiados foi exibido:

“Se você tem uma propriedade que valha mais de mil francos suíços, será obrigado a deixar esse valor em troca de um recibo”, diz o comunicado.

A Agência de Imigração do país justificou a medida, afirmando estar de acordo com a lei que pede aos requerentes de asilo contribuições, sempre que possível, para arcar com o custo do processo e o fornecimento de assistência social. Além disso, os refugiados que ganham o direito de permanecer e trabalhar na Suíça têm de entregar 10% de seu salário por até dez anos, até pagar 15 mil francos suíços.

— Se alguém deixa o local no prazo de sete meses, pode receber o dinheiro de volta. Caso contrário, o dinheiro será destinado para cobrir os custos — disse um porta-voz do órgão à TV suíça.

A prática, no entanto, foi condenada pelo grupo de ajuda a refugiados no país Schweizerische Fluechtlingshilfe.

— Isto é indigno e tem que mudar — disse Stefan Frey.

Nesta semana, o Parlamento da Dinamarca começou a debater o projeto de lei que propõe o confisco de objetos de valor a quem solicita refúgio no país. O texto inclui a revista das bagagens dos estrangeiros e a apreensão de objetos e quantias em dinheiro cujo valor exceda dez mil coroas dinamarquesas (R$ 1.600). Pela proposta, as autoridades locais não podem recolher relógios e joias com valor sentimental para os proprietários, como alianças de casamento, nem telefones celulares.

Várias organizações, incluindo o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, censuraram o país nórdico pela proposta e denunciaram seu caráter autoritário.

Casos envolvendo refugiados e sua aceitação na Europa mobilizam opinião pública

Britânico que tentou levar menina de Calais a Londres escapa de prisão

por O Globo / Com agências internacionais

/ Atualizado
Rob Lawrie segura menina Bahar Ahmadi nos braços antes de julgamento – Michel Spingler / AP

Um ex-soldado britânico que tentou contrabandear uma menina afegã de quatro anos para o Reino Unido a partir de um campo de refugiados em Calais foi considerado culpado por um tribuna francês de colocar em perigo a vida da criança. Pelo crime, Rob Lawrie, de 49 anos, recebeu uma multa de mil euros (US$ 1.080 ou R$ 4.320), que foi suspensa, e não terá que ir para a prisão. Durante o julgamento, ele pediu desculpas pela atitude e disse que agiu sem pensar, motivado por compaixão.

— Eu sinto muito. Eu me arrependo e eu não faria isso de novo — afirmou Lawrie, que apareceu com a menina em seus braços pouco antes do julgamento, pedindo compreensão.

‘Compaixão sempre vence’

O britânico foi detido no ano passado pelo controle fronteiriço em Calais e acusado de ajudar a imigração ilegal. O caso ilustra uma das muitas histórias que ocorreram nos últimos meses na Europa que se viu diante de um fluxo sem precedentes de imigrantes. Desde então, centenas de voluntários tentam ajudar os refugiados, muitos deles fugindo da guerra na Síria, a violência no Afeganistão ou a pobreza na África. A plateia presente no tribunal aplaudiu a decisão depois no anúncio do juiz. Bahar e seu pai, Reza Ahmadi, também assistiram a audiência.

A detenção e a possibilidade de que Lawrie fosse condenado levaram à criação de um abaixo-assinado no Reino Unido com mais de 50 mil assinaturas, pedindo ao chanceler britânico, Philip Hammond, que intercedesse junto à Justiça francesa solicitando clemência.

Com o Grande Tribunal de Boulogne lotado, Lawrie contou como seu negócio havia fracassado e seu casamento arruinado desde sua detenção. Ao receber a sentença do juiz Louis-Benoit Betermiez, o ex-soldado chorou copiosamente e agradeceu à Justiça francesa.

— A compaixão esteve neste tribunal. A França mandou a mensagem de que quando a compaixão é realizada com o coração, sem interesses financeiros ou segundas intenções, ela sempre vence.

Elogiado por voluntários franceses que trabalham no campo de refugiados de Calais, Lawrie afirmou não ser um herói.

— Os soldados das tropas aliadas na Segunda Guerra Mundial, Oskar Schindler e Martin Luther King são heróis. Eles colocaram suas vidas em risco para salvar outras pessoas. Eu coloquei minha liberdade em risco, mas isso não faz de mim um herói — defendeu. — Talvez faça de mim um homem um pouco estúpido. Sou um ex-limpador de tapetes do Norte da Inglaterra, só isso.

A advogada de Lawrie na França, Lucile Abassade, afirmou que o britânico “se deixou levar pelas emoções, e não suportou ver uma menina ao relento”.

O ex-soldado afirmou que continuará a trabalhar para ajudar refugiados.

— Vou descansar por uns dias e depois continuarei a chamar atenção para o problema dos refugiados, porque não podemos simplesmente abandonar essas crianças, e deixá-las na Selva para apodrecer e morrer de frio — afirmou, usando o apelido dado ao acampamento de refugiados em Calais.

Rpb Lawrie posa em foto com Bahar, a afegã de quatro anos que ele conheceu na “Selva” – Reprodução Youtube

O britânico se recusou no início, mas, no final de outubro, cedeu.

— Bahar adormeceu no meu joelho. Meu instinto paterno me atingiu — disse ele, que tem quatro filho e disse não ter pedido nem recebido dinheiro pela ação.

Em seguida, Lawrie escondeu Bahar em um dos compartimentos de sua van e a levou para o Reino Unido. Mas, sem que ele soubesse, dois eritreus também entraram na parte de trás do veículo. Ao serem encontrados por cães farejadores no controle das fronteiras, o ex-soldado foi levado algemado por um policial francês, enquanto Bahar foi devolvida a seu pai na “Selva”.

O ex-soldado afirmou que começou a realizar trabalhos humanitários depois que viu a foto do menino sírio, Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia turca há dois meses. A imagem comoveu a comunidade internacional ao denunciar a história de perigo pela qual passam vários imigrantes que tentam ao chegar à Europa.

‘Situação está piorando’

O comissário para imigração da União Europeia (UE), Dimitris Avramopoulos, autoridade máxima no assunto dentro do bloco continental, fez um severo alerta no Parlamento Europeu, em Bruxelas, afirmando que os esforços para gerir a pior crise migratória europeia desde a Segunda Guerra Mundial não estão dando resultados.

— A situação está piorando — afirmou categoricamente o comissário, diante dos legisladores europeus.

Enquanto mais de um milhão de refugiados chegaram ao continente no ano passado, pelo menos quatro mil pessoas por dia desembarcaram na Grécia durante o período de Natal e Ano Novo, fugindo de conflitos armados e da pobreza na África e na Ásia, vindos principalmente da Síria, do Iraque e do Afeganistão.

Avramopoulos ressaltou que os programas criados pela UE para gerenciar a chegada de imigrantes “não surtiram os resultados esperados”. Em setembro, o bloco lançou um plano para repartir 160 mil refugiados que haviam chegado à Grécia e à Itália. Entretanto, na prática, menos de 300 pessoas foram reassentadas em outros países. O projeto de levar imigrantes diretamente para países fora da UE, como a Turquia, também caminha a passos de tartaruga. Por outro lado, as nações da UE também estão falhando em devolver aos países de origem aqueles que não conseguem atingir os requisitos necessários para serem integrados ao bloco. Das centenas de milhares de pessoas que chegaram desde setembro, menos de 900 foram mandadas de volta para casa.

Além disso, o comissário enfatizou que o Acordo de Schengen, como é conhecido o tratado de livre circulação entre os países europeus signatários, está sob ameaça, e que Comissão Executiva da UE vai apresentar, em março, medidas destinadas a reforçar as fronteiras do bloco. Com isso, alerta ele, há uma tendência que vai minar a unidade da UE.

— Cada vez mais Estados-membros reintroduzem os controles de fronteira em resposta à crise migratória — afirmou Avramopoulos, referindo-se às recentes medidas de Alemanha, Suécia, Dinamarca e Áustria, que, assim como Hungria, Eslovênia e República Tcheca, começam a barrar refugiados. — Este será o começo do fim do projeto europeu.

Refugiados recusados

Médico austríaco se recusa a atender refugiados – Reprodução

Um papel na porta de vidro que leva a seu consultório deixa clara a posição do Dr. Thomas Unden, médico do distrito de Florisdorf, em Viena, em relação a seus pacientes: “Refugiados não são aceitos”.

— Mantenho minha posição. E o mesmo se aplica a políticos verdes (do partido Alternativa Verde), vermelhos (social-democratas) ou negros (do Partido Popular Austríaco) — diz.

Unden agora é alvo de uma investigação da Associação Médica da capital austríaca, após reclamações de clientes.

— Isso é absolutamente inaceitável e imoral — afirmou o presidente da associação, Thomas Szekeres, que registrou queixa.

Unden diz ser “um dos últimos parentes de Hitler”, e foi multado em R$ 6.500 anos atrás por dizer que as austríacas eram “uma combinação de seios murchos e varizes”.

No limite da sátira

O “Charlie Hebdo” provocou polêmica… de novo. Dessa vez, o semanário satírico publicou uma charge que envolve o menino turco Aylan Kurdi, cuja foto morto aos 5 anos de bruços numa praia turca se tornou símbolo da crise humanitária na Europa. “O que teria se tornado Aylan Kurdi se tivesse crescido? Um perseguidor sexual na Alemanha”, diz o texto da publicação, em referência às mais de 500 denúncias de agressões e violência sexual no réveillon nas cidades alemãs de Colônia e Hamburgo. A maioria dos suspeitos dos abusos é do Norte da África e do Oriente Médio, e solicitante de refúgio no país.

Com o título “Imigrantes”, a charge faz uma alusão à foto de Aylan e o mostra crescendo até se tornar adulto, perseguindo uma mulher assustada. A associação generalizante da imagem dos refugiados à dos suspeitos gerou revolta na internet.

“Charlie Hebdo nos lembra que não tem problema ser racista se você diz que está sendo satírico e brada pela liberdade de expressão”, ironizou um usuário do Twitter.

Mas houve quem compreendesse a iniciativa como sátira a estereótipos de imigrantes e à cobertura midiática da crise dos refugiados. A charge foi publicada uma semana após o aniversário de um ano do atentado que matou 12 pessoas na redação do “Charlie Hebdo”, em Paris.

Fonte: O Globo