“Viajar é bom. Voltar para casa é ainda melhor”. A mensagem de boas-vindas no tapete de entrada do apartamento do casal Diane Gallo, de 29 anos, e João Rafael Ciambelli, de 32 anos, retrata fielmente a lista de prioridades do casal. Juntos há quase quatro anos, voltaram as atenções para o aprimoramento das carreiras. Filhos, no momento, não estão nos planos. Diane e João Rafael representam um tipo de arranjo familiar cada vez mais comum no país, a dos casais que optam por não ter filhos. A parcela de lares de casais sem filhos no total de domicílios pulou de 13,5% para 18,8% em dez anos, até 2014. Ao contrário do Poema Enjoadinho, de Vinícius de Morais, que narra as agruras e as delícias da paternidade, para estes casais, é possível viver sem ter filhos e sem desejo de sabê-los.

No mesmo período, a participação dos casais com filhos no total de lares recuou de 54,8% para 44,8%. Em dez anos, também ganharam espaço os lares ocupados por uma única pessoa. Os domicílios nos quais o homem vive sozinho passaram de 6,8% para 9,1%. Aqueles em que a mulher vive sozinha passaram de 7,8% para 10,4%. Os dados foram levantados pela demógrafa Ana Amélia Camarano e pela socióloga Daniele Fernandes, pesquisadoras do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Segundo Ana Amélia, as principais motivações para o aumento do número de casais sem filhos são a ascensão da mulher no mercado de trabalho e a mudança no padrão de consumo da população: — Casar e ter filhos passou a ser uma opção para a mulher, que conquistou espaço no mercado de trabalho. A sobrecarga familiar da mulher é grande e há dificuldades para conciliar carreira e filhos. São tarefas que demandam tempo e dedicação. Além disso, vivemos numa sociedade de consumo, onde família numerosa deixou de ser associada à felicidade. Prosperidade é ter uma boa casa, viajar para a Europa, ter o carro do ano e frequentar o Teatro Municipal. É uma tendência mundial. ‘NUNCA QUIS SER MÃE’Diane trabalha na área de marketing e João é engenheiro químico. Para eles, o estilo de vida atual não é compatível com a dedicação necessária para criar um filho: — Gostaríamos de ser pais presentes, não só encher de presente, sem dar carinho e atenção. Nunca quis ser mãe, e esse meu desejo de aprender constantemente faz o meu foco ser outro. Um filho inviabilizaria isso — argumenta Diane. João destaca os aspectos financeiros: — Se tiver um filho, quero dar boa educação e saúde. Estamos começando a vida. Somos recém-casados, compramos apartamento. Precisamos ter uma reserva financeira, e o tipo de viagens que fazemos não é adequado para uma criança.

A psicóloga, pedagoga e filósofa Margareth Moura Lacerda, de 55 anos, e o marido Edson Fernandes, de 56 anos, doutor em Comunicação e professor universitário, são casados há dez anos. Em 2012 lançaram o livro “Sem filhos por opção — Casais, solteiros e muitas razões para não ter filhos”. O livro surgiu a partir da experiência própria. — Nossa decisão foi financeira, motivada pela carreira. Já fiz três faculdades, trabalhava com consultoria e viajava bastante. Nós, mulheres, passamos a ter um papel importante no mercado de trabalho: tornou-se uma necessidade trabalhar oito, 12 horas por dia e ainda se leva trabalho para casa. As pessoas perguntavam para mim: “você não pode ter filhos?” É que gosto de minha profissão. Não vou ter uma criança para ser criada por outra pessoa — explica Margareth. Na pesquisa para o livro eles identificaram um perfil de casal que opta por não ter filhos. — Trata-se de uma geração de adultos entre 25 e 36 anos de idade que foca nos estudos e busca o sucesso. Querem conquistar o que os pais não conquistaram. Querem desafios e boa remuneração. Não duram mais de três anos em uma mesma empresa se ela não oferece isso. Curtem viajar, gastam dinheiro com tecnologia e sempre têm algum hobby — lista Fernandes. ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? A tendência, ressalta Fernandes, é que entre a geração seguinte aumente a parcela de casais sem filhos. As motivações, no entanto, devem incluir aspectos como preocupação com segurança, violência, desigualdade e meio ambiente. A socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp (Nepo) Maria Coleta Oliveira, pondera, no entanto, que nem toda decisão sobre ter filhos trata-se de uma escolha. Para a estudiosa, o contexto econômico pode empurrar o casal para o “não”: — Opção supõe liberdade de escolha. Quem garante que as mulheres não se viram “entre a cruz e a caldeirinha”, precisando trabalhar para colaborar no orçamento doméstico e, apesar disso, sem rendimentos suficientes que lhe permitissem pagar um berçário ou uma creche para deixar a criança no horário de trabalho? No caso de Diane, nem mesmo uma melhor condição financeira mudaria sua decisão: — Quando a pessoa quer muito o filho, ela dá um jeitinho. Como eu não quero, qualquer coisinha é usada como justificativa. Quando os custos são colocados na ponta do lápis, o investimento é grande. O gasto mensal com uma criança de classe média no Rio, incluindo escola, um curso de idiomas e atividades de lazer, fica em torno de R$ 4 mil, aponta Karine Karam, especialista em comportamento do consumidor e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio). — A infância é uma invenção do capitalismo. Antigamente as crianças eram felizes com muito menos. Criar um filho ficou muito caro. Você já começa tendo de desembolsar para pagar por uma boa creche, porque não conta com muitas opções públicas — opina a especialista. Os perfis de consumo dos casais com e sem filhos são bem distintos. O primeiro emprega a maior parte do orçamento em educação, atividades culturais, de entretenimento e lazer voltadas às crianças, enumera Karine. O segundo viaja mais, faz mais refeições fora de casa, se hospeda em hotéis de tarifa mais alta e gasta mais com vestuário. De olho nos casais sem filhos, hotéis e restaurantes do Brasil, México e Chile oferecem serviços nos quais crianças não são bem-vindas. MENOS FILHOS, POPULAÇÃO MAIS VELHAA decisão de não ter filhos já tem reflexo na taxa de fecundidade do país, que cai há pelo menos 50 anos. Era superior a 6 filhos por mulher até os anos 1960 e caiu para 1,9 em 2010, segundo o último Censo do IBGE. A tendência, ressalta o doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, é que ela chegue a 1,7 até 2020, levando a população a encolher e envelhecer: — Isto quer dizer que a população brasileira deve diminuir na segunda metade do século XXI. E sempre que essa taxa cai o envelhecimento aumenta, trazendo desafios. Em vez de as políticas públicas tentarem interromper o envelhecimento (forçando um aumento do número de filhos e netos), o mais apropriado seria criar condições para que o Brasil conte com idosos ativos, saudáveis, com altos níveis educacionais e com ótima qualidade de vida. A queda no número de filhos associada ao aumento da esperança de vida também fez crescer um outro tipo de família, chamada de “ninho vazio”. Nesta classificação se enquadram os casais com mulheres de quarenta anos ou mais sem filhos ou cujos filhos já cresceram e saíram de casa.

Vida a dois. Luís e Anna Paula estão no segundo casamento e avaliam que seria difícil manter o estilo de vida atual se tivessem filhos – Fernando Lemos / Agência O Globo

De acordo com o levantamento do Ipea, o número de “ninhos vazios” dobrou em dez anos, chegando a 8,6 milhões de lares em 2014. A dentista Anna Paula Picorelli, de 46 anos, e o professor de educação física Luís Amigo, de 45 anos, representam esse grupo. Estão juntos há oito anos. A união é o segundo casamento dos dois. No início, chegaram a cogitar ter filho, mas, após algumas ponderações, descartaram a ideia.

— O Luís já tem dois filhos do outro casamento. Sabemos das despesas, do trabalho que dá, a preocupação que tem até hoje, apesar de já estarem grandes. Nossos trabalhos não têm horário fixo. Com quem ia ficar? Se eu tivesse tido filho com 20 ou 20 e poucos anos talvez não tivesse feito uma segunda faculdade. Filho exige abrir mão. Desde viagem a dormir até mais tarde — conta Ana. A decisão exige sintonia. Do contrário, a relação do casal pode ser abalada, analisa a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, que já presenciou separações motivadas por conflitos relacionados a esta escolha: — Quando você abre mão de algo importante pra salvar o casamento, como ter ou deixar de ter um filho, isso se reverte em ressentimento, rancor e mágoa. O preço cobrado depois é tão alto que inviabiliza a relação. É uma questão que tem de ser muito bem avaliada. Não passa só pelo bolso. Deixa com um compromisso para o resto da vida.

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Fonte: Correioweb

Daqui a duas décadas, o país deverá entrar em uma fase de queda irreversível no número de habitantes. A proporção de idosos será cada vez maior. E crianças de famílias que hoje têm baixa renda serão a maior parte dos jovens de amanhã.

"Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração". A música da Copa de 1970 traz lembranças contraditórias. E, sobretudo, mostra o contraste entre o Brasil de quase meio século atrás e o atual. Éramos um país sem liberdade política, com muita desigualdade social, ruas cheias de crianças brincando e um crescimento econômico pujante. Hoje, vivemos em uma democracia. Com 205 milhões de habitantes, somos um país de renda média alta, para padrões internacionais. Mas o nosso crescimento populacional é pífio. E também o econômico. O país ainda tem muitos jovens, graças ao aumento populacional do passado. Assim, há muita gente hoje tendo filhos. A cada 19 minutos, nasce um novo bebê entre o Oiaopoque e o Chuí, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parece muito, mas não é. A população cresce 0,83% por ano. É quase metade do ritmo que se via em 2001, de 1,40%. No início da década de 1960, quando atingimos o auge, o aumento anual era de 3%. O crescimento do número de habitantes tende a zero e, depois, à queda. Para o IBGE, a população vai atingir o ápice em 2043, com 228.343.224 habitantes. A partir daí, começará a se reduzir. Teme-se que a economia empaque. "A população é importante para fazer a bicicleta andar", resume a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para Ana Camarano, a inflexão virá mais cedo, por volta de 2035. Mas o momento de se preocupar com o problema é já. Passa da hora, alertam especialistas, de nos prepararmos para as mudanças de que o país necessita. O Brasil do futuro terá muito mais idosos do que hoje, o que representará um desafios para o pagamento de aposentadorias, para a assistência médica e até mesmo para o urbanismo. Em 2001, 5,68% dos brasileiros tinham mais de 65 anos. Hoje, essa faixa etária concentra 7,90% do total de pessoas. Em 2060, limite das projeções do IBGE, serão 26,77%. Despencou até mesmo o número de filhos nascidos nas famílias mais pobres, mas elas ainda são as que têm a maior prole. É indispensável, dizem especialistas, que essas crianças cheguem à idade adulta em condições de trabalhar para a própria prosperidade e a do país. Para isso, é necessária uma rede de proteção social que permita às famílias mandar as crianças à escola. E que, com um ensino público de qualidade, elas não passem tempo à toa nas salas de aula. Ana Maria Bueno, 45 anos, moradora de uma casa precária de Itapirapuã (GO), tem cinco filhos entre 12 e 25 anos. Os netos são três. Não devem passar muito disso. Sua filha Débora, de 22 anos, tem um filho e está grávida. Pretende ligar as trompas depois do parto."Eu queria já ter parado no primeiro, sofro muito para cuidar dele", diz ela, que depende da pensão paga pelo pai da criança, em atraso. A transição demográfica está mostrando seus efeitos com maior clareza hoje, mas não começou recentemente. A fecundidade, número de filhos que as mulheres têm ao longo da vida, vem se reduzindo há décadas. Dez anos atrás, já estava em 2,09, abaixo de 2,1, nível para manter a população estável - assim, cada casal tem, em média, dois descendentes, com uma margem de segurança para compensar as pessoas que morrerão antes de chegar à idade reprodutiva.

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Da explosão demográfica à implosão

Pouco tempo atrás, era comum falar em explosão populacional. Agora a conversa é outra: a implosão demográfica. O medo é que, em um mundo com poucas pessoas, seja mais difícil para as empresas encontrar mão de obra e também consumidores; que o número menor de contribuintes faça os impostos se tornarem ainda mais pesados; e que, com menos pessoas trabalhando, o sistema de aposentadorias entre em colapso. O ritmo de crescimento do número de pessoas já caiu muito a partir da segunda metade de século 20. Entre 1960 e 1965, o aumento médio por ano da população atingiu o ápice: 2,06%. No quinquênio seguinte, já baixou. E não parou de cair. De 2010 a 2015, o incremento foi de apenas 1,18%, quase a metade do que se via cinco décadas atrás. Quando o aumento populacional estava no auge, nos anos 1960 e 1970, muitos países introduziram políticas para limitar esse avanço, incluindo a disponibilzação de cirúrgias de esterelização de homens e mulheres mais pobres. Houve muito controvérsia em torno disso, sob o argumento de que, por trás disso, havia preconceito contra os pobres e até mesmo racismo. A China adotou a regra mais radical: casais só poderiam ter um filho. Exceções para um segundo filho existiam no caso de duas pessoas que não tinham irmãos. Há dois meses, porém, o país anunciou uma mudança histórica: todos podem ter dois filhos. Mas tornou-se difícil reverter a tendência de as famílias terem apenas três pessoas. %u201CSem dúvida, o maior contraceptive que existe é o desenvolvimento, principalmente o aumento no nível de educação das mulheres", afirma Colin Lewis, professor da London School of Economics and Political Science (LSE). As previsões são de que a população mundial continue crescendo, embora a um ritmo menor, para além de 2100. A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que haverá 11,2 bilhões de pessoas no fim deste século, no cenário mais provável. Na estimativa com maior possibilidade de crescimento, o total iria a 13,29 bilhões. E na de menor taxa, ficaria em 9,47 bilhões de pessoas, já em franca trajetória de queda - o pico populacional ocorreria em 2070, com 9,66 bilhões de habitantes sobre a Terra. Muitos analistas consideram, porém, essas previsões otimistas demais, por ignorarem a velocidade das transformações que o planeta atravessa, com a crescente urbanização dos países mais pobres. O risco é que em meados deste século ocorra o ápice da população mundial, com 8,2 bilhões de pessoas, e a partir daí a população comece a cair. Caso a inflexão ocorra ainda neste século, será um evento histórico de primeira ordem, um marco milenar.
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Sobra gente na hora errada

Vivendo o bônus demográfico na pior fase econômica desde a década de 1930, o Brasil vai ficar velho antes de ficar rico Ter o máximo de filhos no Brasil foi, durante muito tempo, o mais aceito socialmente. Isso não ocorreu apenas por costume das pessoas. "Foi uma política de Estado, com grande apoio da igreja católica", conta o economista e demógrafo José Eustáquio Diniz, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), no Rio de Janeiro. "A ideia era garantir o povoamento do vasto território brasileiro", explica. Embora isso tenha ocorrido ao longo do tempo em muitos lugares, a diminuição no número de filhos começou há muito tempo. "A França liderou o processo, ainda no começo do século 19. Estados Unidos vieram depois. A Inglaterra ainda permaneceu durante muito tempo com taxas de fecundidade elevadas, pois era necessário povoar as colônias", diz. Em quase todo o mundo, porém, a mudança ocorreu. Em alguns lugares, como o Brasil, de forma muito rápida. A transição entre o momento de altas taxas de fecundidade para o patamar inferior a 2,1, considerada a taxa de reposição, levou um século nos países mais ricos. No Brasil, foram apenas três décadas, a partir do início dos anos 1980. A transformação explica o bônus demográfico que o país vive. Um número ainda relativamente pequeno de idosos para cuidar e uma quantidade menor de crianças do que no passado, por conta da redução do número de nascimentos. Enquanto isso, há muitos brasileiros em idade adulta, com a mão na massa, graças ao grande número de nascimentos do passado. Em escala nacional, isso significa uma sobra de recursos que poderiam ser usados para melhorar a infraestrutura, por exemplo, permitindo ao país conquistar uma nova patamar de desenvolvimento. A fase que estamos vivendo começou no início da década atual. Terá seu auge em 2020. E acabará em 2030. "O problema é que estamos exatamente em um dos piores momentos econômicos da nossa história", lamenta Diniz. "Vamos perder a oportunidade do nosso take-off (decolagem). E vamos ficar velhos antes de ficarmos ricos", sentencia. Num país com pouca qualificação, a escassez de mão de obra já se faz sentir em muitos lugares. O empresário Josias Alves, 33 anos, dono de uma confecção em Novo Brasil (GO), emprega 20 pessoas. Já teve quase o dobro. Teve de vender máquinas porque não conseguia gente para operá-las. Além da escassez de gente, ele se queixa da falta de ambição da maior parte dos trabalhadores. O salário, de R$ 860, pode crescer em 50% dependendo da assiduidade e d a produção. "Mas só duas pessoas em toda a equipe recebem mais que o piso. Parece que, para a maioria, R$ 100 não é muito dinheiro. Para mim, até R$ 10 é dinheiro", diz ele, que já foi motorista de ônibus em Goiânia, antes de abrir o negócio que lhe rende R$ 3 mil por mês.
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O peso das aposentadorias

O funcionário público aposentado Carlos Fernandes, 61 anos, faz suas caminhadas todos os dias à beira do mar de Copacabana, no Rio, com um carrinho de bebê. Morador do Leme, ele aproveita para unir o exercício físico ao passeio do filho David, de 8 meses. A esposa, advogada, tem 36 anos. Fernandes está em seu segundo casamento, mas no primeiro filho. "Não havia encontrado a pessoa certa", explica. Ele está aposentado há 14 anos, desde que encerrou sua carreira de funcionário do Judiciário aos 47 anos. "Comecei a trabalhar aos 10 . Por isso, parei tão cedo", explica. Sua história resume os vários aspectos atuariais do rombo da Previdência no país. Ele já recebe o benefício há muito tempo, e continuará a receber por muito mais. A administradora hospitalar Lourdes Leite, 51 anos, moradora de Goiás (GO), aposentou-se há dois meses, depois de 30 anos de trabalho. Ela continua no atual emprego, como coordenadora de um hospital, mas pretende parar daqui a dois meses. "A rotina é muito pesada. Se não fosse, eu continuaria", diz. Ela não pretende ficar em casa: vai abrir uma loja de roupas. A expectativa de vida de quem está nascendo agora é de 75 anos. Mas para quem já conseguiu chegar à idade madura, a conta é diferente. Esse grupo será menos sujei to a acidentes de carro, à violência e a doenças que atingem os mais jovens. Tendem a viver, portanto, muito mais. Quem chega aos 60 anos, vive em média mais 22, até os 82. Em 1940, a expectativa dos sexagenários era chegar apenas aos 73. Esposas e filhos jovens, como no caso da família Fernandes, se transformam em um custo prolongado para o sistema previdenciário, pois são grandes as chances de que herdem uma pensão do titular. Não por outra razão, a Previdência Social brasileira é uma das mais deficitárias do mundo. Neste ano, o deficit será de R$ 88,9 bilhões. Em 2016, de 124,9 bilhões. Isso significa que mesmo as pessoas desempregad as estão financiando, com os impostos que pagam, as pensões do sistema previdenciário. E esse dinheiro deixa de ser aplicado em escolas, hospitais, saneamento básico e rodovias.
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O desafio de educar melhor

O maior benefício da queda no crescimento populacional de um país é a possibilidade de ter mais recursos para educar as crianças. É difícil encontrar uma nação onde tal oportunidade seja tão grande quanto o Brasil. Por duas razões: os nascimentos estão caindo aqui mais rápido que no restante do planeta e o nível médio do nosso ensino ainda é muito baixo, o que significa que qualquer ganho resulta em benefícios enormes. Vários colégios públicos do país conseguem resultados melhores do que particulares. Caíque Rafael, 16 anos, estudava em instituição paga em Tucumã (PA). Hoje, está no 2º ano do Ensino Médio na escola estadual Alcide Jubé, em Goiás (GO), com aulas em período integral. "Este modelo de ensino aqui é muito melhor". Caíque mudou-se há dois anos para morar com a avó no assentamento de reforma agrária Chico Mineiro, em Itapuranga (GO). Todos os dias, ao longo deste ano, ele e o amigo Matheus Silva, 18 anos, que acaba de concluir o 3º ano, se deslocaram uma hora para vencer os 40km que os separam da escola. Saíam de casa às 5h30 e voltavam só às 19h30. Matheus sonha estudar mecatrônica. A escola de Caíque e Matheus é a demonstração da queda da demanda que existe em várias áreas do país. Marisete Araújo, 51 anos, professora de português do colégio, estudou lá quando o estabelecimento tinha 600 alunos. Em 2013, último ano do sistema com turnos, só havia a metade disso. A unidade foi, então transformada para o ensino em tempo integral, como outras 20 no estado, e passou a abrigar 75 estudantes, com um currículo que valoriza artes e literatura. Com a queda no número de estudantes, o professor de história Sandro Moraes, 50, marido de Marisete e também ex-aluno da escola, tornou-se policial civil.
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Todo poder às mulheres

Sempre relegadas a segundo plano, as mulheres estão mais poderosas do que nunca, sobretudo se o assunto é filhos. Com mais acesso à educação e às melhores vagas no mercado de trabalho, elas decidem limitar radicalmente a prole ao perceberem que não terão apoio suficiente do marido ou da sociedade para criá-la. Certamente, isso não acontece nos países mais atrasados do mundo, onde os direitos das mulheres são muito inferiores aos dos homens. Mas se engana quem aposta que a mudança de comportamento feminino ocorre nas sociedades mais desenvolvidas quanto à equiparação de gêneros, que estão também entre as que dispõem da maior renda per capita. A história, observada nos países de primeiro mundo, deve servir de alerta ao Brasil, que combina alguns avanços consistentes nas oportunidades às mulheres com uma cultura machista ainda muito forte. As nações que tiveram maior queda na fecundidade na Europa são Portugal (atualmente com 1,28 filho por mulher), Espanha (1,32) e Itália (1,43). São locais onde os trabalhos domésticos ainda pesam mais sobre elas do que os do norte do continente. A média de fecundidade europeia é de 1,60. Se o chamado custo de oportunidade dos filhos é maior para as mulheres que têm uma carreira profissional, o obstáculo econômico é muito claro em qualquer nível de renda. "Quando o salário sobe um pouquinho, é porque as coisas dobraram de preço", afirma Adriana Paula da Silva, 21 anos, moradora de Itaberaí (GO). Mãe de Vítor, 9 meses, ela não pretende ter outros filhos. Sua irmã e os dois irmão têm também só um filho cada um, e pretendem parar por aí. "Sempre quis ter um filho só. Algumas amigas minhas dizem que é ruim para a criança não ter irmãos, mas eu não acho", diz ela, que já trabalhou no comércio e fez bicos como babá. Adriana parou de estudar no 2º ano do ensino médio. Sonha concluir completar o ciclo e chegar à faculdade.
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Redução generalizada

Vai longe o tempo em que as ruas cheias de crianças brincando eram uma cena comum no Brasil. Até mesmo nas bucólicas cidades do interior essa é uma visão rara atualmente. A natalidade caiu em todas as classes sociais e também de modo amplo do ponto de vista geográfico. Embora as diferenças regionais persistam, não se pode dizer que o número de filhos impressione em qualquer parte do país. "Tenho pena desses pais e mães de hoje", diz a dona de casa Geralda Luiza Botelho, 78 anos, moradora de Goiás. Ela se casou quando tinha 14 anos e o marido, 19. Tiveram nove filhos. "É muito mais difícil criar as crianças agora. O mundo está muito difícil. Acho que, se fosse hoje, eu teria só dois filhos", afirma. A baixa natalidade alia-se a outro fenômeno, a migração, que tem feito muitas cidades do país encolherem. Entre 2000 e 2013, 21,1% dos municípios do país tiveram redução no número de habitantes. O Rio Grande do Sul liderou a queda, com 211 cidades. Mas o fenômeno está longe de ser exclusivo de um estado ou região. Minas Gerais, que tem o maior número de municípios do país, vem em segundo lugar, com retração em 183 localidades. O estado de Goiás ficou em quinto, com 64 cidades encolhendo. A cidade de Goiás, antiga capital do estado, registrou diminuição de 8,6% no número de habitantes no período. Com um riquíssimo patrimônio cultural, incluindo a casa onde viveu a escritora Cora Coralina, o município carece de serviços voltados ao turismo. Uma das dificuldades da cidade é o fato de um dos municípios vizinhos, Itaberaí, ter atraído uma grande fábrica, a Superfrango. Não por outra razão, a população ali não diminuiu entre 2010 e 2013: aumentou 37,1%. Muitos dos habitantes de Goiás passaram a ir para lá trabalhar. Depois, acabaram levando suas famílias. Para o economista Cláudio Porto, presidente da Macroplan, é preciso que o país busque atrair imigrantes de outras partes do mundo. "Acredito que vamos superar os problemas da transião demográfica", diz.
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