“Viajar é bom. Voltar para casa é ainda melhor”. A mensagem de boas-vindas no tapete de entrada do apartamento do casal Diane Gallo, de 29 anos, e João Rafael Ciambelli, de 32 anos, retrata fielmente a lista de prioridades do casal. Juntos há quase quatro anos, voltaram as atenções para o aprimoramento das carreiras. Filhos, no momento, não estão nos planos. Diane e João Rafael representam um tipo de arranjo familiar cada vez mais comum no país, a dos casais que optam por não ter filhos. A parcela de lares de casais sem filhos no total de domicílios pulou de 13,5% para 18,8% em dez anos, até 2014. Ao contrário do Poema Enjoadinho, de Vinícius de Morais, que narra as agruras e as delícias da paternidade, para estes casais, é possível viver sem ter filhos e sem desejo de sabê-los.
No mesmo período, a participação dos casais com filhos no total de lares recuou de 54,8% para 44,8%. Em dez anos, também ganharam espaço os lares ocupados por uma única pessoa. Os domicílios nos quais o homem vive sozinho passaram de 6,8% para 9,1%. Aqueles em que a mulher vive sozinha passaram de 7,8% para 10,4%. Os dados foram levantados pela demógrafa Ana Amélia Camarano e pela socióloga Daniele Fernandes, pesquisadoras do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a partir de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Segundo Ana Amélia, as principais motivações para o aumento do número de casais sem filhos são a ascensão da mulher no mercado de trabalho e a mudança no padrão de consumo da população: — Casar e ter filhos passou a ser uma opção para a mulher, que conquistou espaço no mercado de trabalho. A sobrecarga familiar da mulher é grande e há dificuldades para conciliar carreira e filhos. São tarefas que demandam tempo e dedicação. Além disso, vivemos numa sociedade de consumo, onde família numerosa deixou de ser associada à felicidade. Prosperidade é ter uma boa casa, viajar para a Europa, ter o carro do ano e frequentar o Teatro Municipal. É uma tendência mundial. ‘NUNCA QUIS SER MÃE’Diane trabalha na área de marketing e João é engenheiro químico. Para eles, o estilo de vida atual não é compatível com a dedicação necessária para criar um filho: — Gostaríamos de ser pais presentes, não só encher de presente, sem dar carinho e atenção. Nunca quis ser mãe, e esse meu desejo de aprender constantemente faz o meu foco ser outro. Um filho inviabilizaria isso — argumenta Diane. João destaca os aspectos financeiros: — Se tiver um filho, quero dar boa educação e saúde. Estamos começando a vida. Somos recém-casados, compramos apartamento. Precisamos ter uma reserva financeira, e o tipo de viagens que fazemos não é adequado para uma criança.
A psicóloga, pedagoga e filósofa Margareth Moura Lacerda, de 55 anos, e o marido Edson Fernandes, de 56 anos, doutor em Comunicação e professor universitário, são casados há dez anos. Em 2012 lançaram o livro “Sem filhos por opção — Casais, solteiros e muitas razões para não ter filhos”. O livro surgiu a partir da experiência própria. — Nossa decisão foi financeira, motivada pela carreira. Já fiz três faculdades, trabalhava com consultoria e viajava bastante. Nós, mulheres, passamos a ter um papel importante no mercado de trabalho: tornou-se uma necessidade trabalhar oito, 12 horas por dia e ainda se leva trabalho para casa. As pessoas perguntavam para mim: “você não pode ter filhos?” É que gosto de minha profissão. Não vou ter uma criança para ser criada por outra pessoa — explica Margareth. Na pesquisa para o livro eles identificaram um perfil de casal que opta por não ter filhos. — Trata-se de uma geração de adultos entre 25 e 36 anos de idade que foca nos estudos e busca o sucesso. Querem conquistar o que os pais não conquistaram. Querem desafios e boa remuneração. Não duram mais de três anos em uma mesma empresa se ela não oferece isso. Curtem viajar, gastam dinheiro com tecnologia e sempre têm algum hobby — lista Fernandes. ESCOLHA OU FALTA DE OPÇÃO? A tendência, ressalta Fernandes, é que entre a geração seguinte aumente a parcela de casais sem filhos. As motivações, no entanto, devem incluir aspectos como preocupação com segurança, violência, desigualdade e meio ambiente. A socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp (Nepo) Maria Coleta Oliveira, pondera, no entanto, que nem toda decisão sobre ter filhos trata-se de uma escolha. Para a estudiosa, o contexto econômico pode empurrar o casal para o “não”: — Opção supõe liberdade de escolha. Quem garante que as mulheres não se viram “entre a cruz e a caldeirinha”, precisando trabalhar para colaborar no orçamento doméstico e, apesar disso, sem rendimentos suficientes que lhe permitissem pagar um berçário ou uma creche para deixar a criança no horário de trabalho? No caso de Diane, nem mesmo uma melhor condição financeira mudaria sua decisão: — Quando a pessoa quer muito o filho, ela dá um jeitinho. Como eu não quero, qualquer coisinha é usada como justificativa. Quando os custos são colocados na ponta do lápis, o investimento é grande. O gasto mensal com uma criança de classe média no Rio, incluindo escola, um curso de idiomas e atividades de lazer, fica em torno de R$ 4 mil, aponta Karine Karam, especialista em comportamento do consumidor e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Rio). — A infância é uma invenção do capitalismo. Antigamente as crianças eram felizes com muito menos. Criar um filho ficou muito caro. Você já começa tendo de desembolsar para pagar por uma boa creche, porque não conta com muitas opções públicas — opina a especialista. Os perfis de consumo dos casais com e sem filhos são bem distintos. O primeiro emprega a maior parte do orçamento em educação, atividades culturais, de entretenimento e lazer voltadas às crianças, enumera Karine. O segundo viaja mais, faz mais refeições fora de casa, se hospeda em hotéis de tarifa mais alta e gasta mais com vestuário. De olho nos casais sem filhos, hotéis e restaurantes do Brasil, México e Chile oferecem serviços nos quais crianças não são bem-vindas. MENOS FILHOS, POPULAÇÃO MAIS VELHAA decisão de não ter filhos já tem reflexo na taxa de fecundidade do país, que cai há pelo menos 50 anos. Era superior a 6 filhos por mulher até os anos 1960 e caiu para 1,9 em 2010, segundo o último Censo do IBGE. A tendência, ressalta o doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, é que ela chegue a 1,7 até 2020, levando a população a encolher e envelhecer: — Isto quer dizer que a população brasileira deve diminuir na segunda metade do século XXI. E sempre que essa taxa cai o envelhecimento aumenta, trazendo desafios. Em vez de as políticas públicas tentarem interromper o envelhecimento (forçando um aumento do número de filhos e netos), o mais apropriado seria criar condições para que o Brasil conte com idosos ativos, saudáveis, com altos níveis educacionais e com ótima qualidade de vida. A queda no número de filhos associada ao aumento da esperança de vida também fez crescer um outro tipo de família, chamada de “ninho vazio”. Nesta classificação se enquadram os casais com mulheres de quarenta anos ou mais sem filhos ou cujos filhos já cresceram e saíram de casa.
De acordo com o levantamento do Ipea, o número de “ninhos vazios” dobrou em dez anos, chegando a 8,6 milhões de lares em 2014. A dentista Anna Paula Picorelli, de 46 anos, e o professor de educação física Luís Amigo, de 45 anos, representam esse grupo. Estão juntos há oito anos. A união é o segundo casamento dos dois. No início, chegaram a cogitar ter filho, mas, após algumas ponderações, descartaram a ideia.
— O Luís já tem dois filhos do outro casamento. Sabemos das despesas, do trabalho que dá, a preocupação que tem até hoje, apesar de já estarem grandes. Nossos trabalhos não têm horário fixo. Com quem ia ficar? Se eu tivesse tido filho com 20 ou 20 e poucos anos talvez não tivesse feito uma segunda faculdade. Filho exige abrir mão. Desde viagem a dormir até mais tarde — conta Ana. A decisão exige sintonia. Do contrário, a relação do casal pode ser abalada, analisa a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins, que já presenciou separações motivadas por conflitos relacionados a esta escolha: — Quando você abre mão de algo importante pra salvar o casamento, como ter ou deixar de ter um filho, isso se reverte em ressentimento, rancor e mágoa. O preço cobrado depois é tão alto que inviabiliza a relação. É uma questão que tem de ser muito bem avaliada. Não passa só pelo bolso. Deixa com um compromisso para o resto da vida.
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Fonte: Correioweb
Daqui a duas décadas, o país deverá entrar em uma fase de queda irreversível no número de habitantes. A proporção de idosos será cada vez maior. E crianças de famílias que hoje têm baixa renda serão a maior parte dos jovens de amanhã.
"Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração". A música da Copa de 1970 traz lembranças contraditórias. E, sobretudo, mostra o contraste entre o Brasil de quase meio século atrás e o atual. Éramos um país sem liberdade política, com muita desigualdade social, ruas cheias de crianças brincando e um crescimento econômico pujante. Hoje, vivemos em uma democracia. Com 205 milhões de habitantes, somos um país de renda média alta, para padrões internacionais. Mas o nosso crescimento populacional é pífio. E também o econômico. O país ainda tem muitos jovens, graças ao aumento populacional do passado. Assim, há muita gente hoje tendo filhos. A cada 19 minutos, nasce um novo bebê entre o Oiaopoque e o Chuí, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parece muito, mas não é. A população cresce 0,83% por ano. É quase metade do ritmo que se via em 2001, de 1,40%. No início da década de 1960, quando atingimos o auge, o aumento anual era de 3%. O crescimento do número de habitantes tende a zero e, depois, à queda. Para o IBGE, a população vai atingir o ápice em 2043, com 228.343.224 habitantes. A partir daí, começará a se reduzir. Teme-se que a economia empaque. "A população é importante para fazer a bicicleta andar", resume a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Para Ana Camarano, a inflexão virá mais cedo, por volta de 2035. Mas o momento de se preocupar com o problema é já. Passa da hora, alertam especialistas, de nos prepararmos para as mudanças de que o país necessita. O Brasil do futuro terá muito mais idosos do que hoje, o que representará um desafios para o pagamento de aposentadorias, para a assistência médica e até mesmo para o urbanismo. Em 2001, 5,68% dos brasileiros tinham mais de 65 anos. Hoje, essa faixa etária concentra 7,90% do total de pessoas. Em 2060, limite das projeções do IBGE, serão 26,77%. Despencou até mesmo o número de filhos nascidos nas famílias mais pobres, mas elas ainda são as que têm a maior prole. É indispensável, dizem especialistas, que essas crianças cheguem à idade adulta em condições de trabalhar para a própria prosperidade e a do país. Para isso, é necessária uma rede de proteção social que permita às famílias mandar as crianças à escola. E que, com um ensino público de qualidade, elas não passem tempo à toa nas salas de aula. Ana Maria Bueno, 45 anos, moradora de uma casa precária de Itapirapuã (GO), tem cinco filhos entre 12 e 25 anos. Os netos são três. Não devem passar muito disso. Sua filha Débora, de 22 anos, tem um filho e está grávida. Pretende ligar as trompas depois do parto."Eu queria já ter parado no primeiro, sofro muito para cuidar dele", diz ela, que depende da pensão paga pelo pai da criança, em atraso. A transição demográfica está mostrando seus efeitos com maior clareza hoje, mas não começou recentemente. A fecundidade, número de filhos que as mulheres têm ao longo da vida, vem se reduzindo há décadas. Dez anos atrás, já estava em 2,09, abaixo de 2,1, nível para manter a população estável - assim, cada casal tem, em média, dois descendentes, com uma margem de segurança para compensar as pessoas que morrerão antes de chegar à idade reprodutiva.
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