Por que as monarquias do Golfo se recusam a receber refugiados?

Estados árabes estão entre os que mais deram armas para os grupos que lutam contra Bashar Assad na Síria. Agora, são acusados de não acolherem os refugiados desse país e do Iraque

A Arábia Saudita declarou hoje que já recebeu 2,5 milhões de refugiados sírios desde o início do conflito em 2011 e já enviou 700 milhões de dólares para ajudá-los. A afirmação, que dificilmente pode ser comprovada já que a monarquia é muito fechada, foi uma resposta às acusações de que os ricos países do Golfo não estariam fazendo o suficiente para auxiliar os que tiveram de sair de seus países por causa da guerra. Casos de refugiados que se deslocam para os ricos Estados árabes têm sido muito raros.

Oficialmente, os sírios podem se candidatar para um visto de turismo ou permissão de trabalho para entrar em qualquer um dos países do Golfo. Mas esse processo é caro e há uma percepção generalizada de que muitos dos países mantêm restrições não formais que, na prática, dificultam a concessão de um visto.

A maior parte dos casos bem-sucedidos é de estrangeiros estendendo suas estadias ou de solicitantes que têm familiares nesses países. A Arábia Saudita e seus vizinhos temem que refugiados e imigrantes reduzam as ofertas de emprego para seus cidadãos e também se preocupam com a infiltração de grupos terroristas. O paradoxo nessa história é que muitos desses grupos foram financiados e receberam armas e munições dos países do Golfo.

Como recentemente apontou a Anistia Internacional, os “seis países do Golfo – Qatar, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Omã e Bahrein – não ofereceram nenhum lugar de reassentamento para os refugiados sírios”. A ausência de programas humanitários das nações do Golfo ficou mais evidente quando o governo da Alemanha e de outros países europeus passaram a abrir suas fronteiras e receber os refugiados. Quando há quase cinco anos começaram as manifestações da Primavera Árabe na Síria, Líbia, Tunísia, Egito, Iêmen, as nações do Golfo Pérsico também fecharam suas fronteiras para aqueles que fugiam da guerra. Nenhum desses países é signatário da Convenção de Refugiados das Nações Unidas, de 1951, que define o que é um refugiado, quais são seus direitos, assim como as obrigações dos Estados em relação a essas pessoas.

É uma situação bastante controversa, devido principalmente à relativa proximidade desses países com a Síria e Iraque, assim como a grande quantidade de recursos disponíveis para acolher esses imigrantes. E essa é justamente a justificativa das ditaduras do Golfo, apoiadas pelo ocidente por seus interesses petrolíferos, que além de afirmarem que a maior parte da sua população já é constituída por imigrantes, argumentam que a adaptação dos refugiados seria difícil em uma sociedade de alto nível econômico. Insistem que já auxiliam na contenção da crise com quantias em dinheiro, que ajudam a manter os campos de refugiados da Jordânia e Turquia e que cumprem com suas obrigações humanitárias.

Mas o esforço oferecido atualmente ainda parece pouco. Aos refugiados sírios foi destinado 1 bilhão de dólares (3,8 bilhões de reais) em doações coletivas – os Estados Unidos doaram quatro vezes essa quantia. O interesse parece ainda menor quando comparado ao montante investido pela Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos na guerra do Iêmen.

Nas redes sociais, muitos usuários pedem ações dos países do Golfi. A hashtag #Welcoming_Syria’s_refugees_is_a_Gulf_duty foi compartilhada no Twitter mais de 33.000 vezes na última semana, de acordo com a BBC. Internautas também postaram imagens emocionantes em suas páginas, para ilustrar a caótica crise. Fotos de pessoas se afogando no mar, crianças sendo passadas por baixo de cercas de arame farpado ou famílias dormindo no chão áspero rodaram a internet nessa tentativa de protesto contra a indiferença e falta de vontade política dos países árabes.

Fonte: Veja

Artigo: Países do Golfo Pérsico se omitem na crise migratória

Região deve perceber que agora é a hora de mudar a política para refugiados da Síria


Kerry e os aliados se mostraram em sintonia após defesa de acordo e cooperação na região – Brendan Smialowski / AP

 

O mundo ficou paralisado nas últimas semanas pela crise de refugiados na Europa, um fluxo sem precedentes desde a Segunda Guerra. A situação ficou assustadoramente em destaque na quarta-feira, com a imagem da criança síria afogada: seu corpo sem vida deitado sozinho numa praia turca.

Notícias e análises abordaram o fracasso de governos ocidentais em aliviar adequadamente a sobrecarga sobre os países vizinhos da Síria, que se esforçam para aguentar o peso dos cerca de quatro milhões de sírios forçados a deixar o país pela guerra civil.

Alguns países europeus têm sido criticados por oferecer abrigo apenas para um pequeno número de refugiados, ou por discriminação entre muçulmanos e cristãos. Há também uma boa dose de nervosismo continental sobre a disfunção geral dos sistemas europeus para migração e asilo.Menos ira, entretanto, tem sido direcionada a outro conjunto de nações que quase certamente deveriam fazer mais: Arábia Saudita e os ricos Estados árabes do Golfo Pérsico.

A Anistia Internacional assinalou: os “seis países do Golfo — Qatar, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Omã e Bahrein — ofereceram zero local de reassentamento a refugiados sírios”.

É um número chocante, dada a proximidade destes países com a Síria, bem como os incríveis recursos à disposição deles. Como Sultan Sooud al-Qassemi, um comentarista político baseado em Dubai, observa, estes países têm alguns dos maiores orçamentos militares do mundo árabe, os mais altos padrões de vida, bem como uma longa história — especialmente no caso dos Emirados Árabes Unidos — de acolher imigrantes de outras nações árabes e transformá-los em cidadãos.

Além disso, estes países não são espectadores totalmente inocentes. Em graus variados, elementos dentro da Arábia Saudita, do Qatar, Emirados Árabes Unidos e Kuwait têm investido no conflito sírio, desempenhando um papel notável no financiamento e armando uma constelação de rebeldes e facções islamistas na luta contra o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad.

Nenhum destes países é signatário da Convenção dos Refugiados da ONU, de 1951, que define o que é um refugiado e os direitos dele, bem como as obrigações em protegê-los.

Como os países europeus, a Arábia Saudita e vizinhos também têm receio de que imigrantes tomem empregos, e também podem invocar preocupações sobre segurança e terrorismo. Mas o atual esforço de auxílio do Golfo para os refugiados sírios, o que equivale a doações coletivas abaixo de US$ 1 bilhão (os EUA proveram quatro vezes esta soma), parece pouco — e tudo fica mais irritante quando se levam em conta as vastas somas que Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos aplicaram no conflito deste ano no Iêmen, uma intervenção que alguns consideram um erro estratégico.

Os países do Golfo, em tese, têm uma capacidade muito maior para lidar com um grande número de imigrantes do que os vizinhos mais pobres da Síria: Líbano e Jordânia.

A região tem capacidade de rapidamente construir habitação para os refugiados. As gigantes empresas que construíram as torres reluzentes de Dubai, Abu Dhabi e Riad devem ser contratadas para erguer abrigos. A Arábia Saudita tem muita experiência no gerenciamento de grandes números de imigrantes: recebe uma onda anual de milhões de peregrinos rumo a Meca.

Não há outra razão para que não se faça isto que não seja a indiferença ou uma total falta de vontade política. Nas mídias sociais, a hashtag em árabe #Receber_refugiados_sírios_é_um_dever_do_golfo foi tuitada mais de 33 mil vezes semana passada, segundo a BBC.

— O golfo deve perceber que agora é a hora de mudar a política de acolhimento dos refugiados da Síria — escreve o colunista Qassemi. — É o passo moral, ético e responsável a ser dado.

Fonte: Yahoo