Direitos Humanos: Relatório de ONG critica mortes pela polícia e prisões ‘medievais’
O Brasil ainda convive com “abusos crônicos” como tortura, execuções extrajudiciais, impunidade de crimes cometidos durante a ditadura e má condições de seus presídios, segundo um relatório da ONG Human Rights Watch divulgado nesta quinta-feira.
O capítulo brasileiro do documento – que avalia a situação dos direitos humanos em mais de 90 países do mundo em 2014 – reconhece que as polícias de São Paulo e Rio de Janeiro adotaram recentemente medidas para combater o uso indevido da força, mas aponta que essas duas corporações foram responsáveis, juntas, por 941 mortes nos primeiros nove meses do ano passado.
“O número de pessoas mortas em decorrência de intervenções policiais nesses Estados aumentou drasticamente em 2014 (40% no RJ e mais de 90% em SP)”, diz o levantamento. “Enquanto algumas mortes resultam do uso legítimo da força, outras não.”
Além disso, o sistema prisional abriga 37% de presos a mais do que sua capacidade, sendo que muitos são presos provisórios (ainda à espera de uma decisão judicial).
A diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, disse à BBC Brasil que a ONG identificou abusos significativos “desde a abordagem (policial) até a permanência de pessoas em um sistema cuja capacidade é inferior à necessária e as condições são insuficientes”.
“O fato é que a política de encarceramento em massa, em um sistema negligente e medieval, não tem sido eficiente no combate à criminalidade. Esse tipo de política de segurança pública não tem gerado mais segurança”, agrega.
A tortura também segue sendo “problema crônico no país”, afirma a ONG.
“Entre janeiro de 2012 e junho de 2014, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 5.431 denúncias de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante.” A maioria (84%) dos casos se referia a incidentes em presídios, delegacias e unidades de medida sócio-educativa.
‘Bússola’
Ao mesmo tempo, a HRW considera “positiva” a atuação do Brasil em fóruns internacionais no ano passado. Por exemplo, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde tomou posições favoráveis ao combate à discriminação pela orientação sexual e identidade de gênero, e contra as operações militares israelenses em Gaza e os abusos contra civis nos dois lados do conflito.
A ressalva da ONG é que o Brasil não teria aproveitado oportunidades para pressionar outros países por conta de abusos cometidos por estes.
O diretor-executivo da ONG, Kenneth Roth, diz no relatório que, ante tensões locais ou regionais, “a resposta de muitos governos (do mundo) foi a redução ou o abandono dos direitos humanos – uma relativização não apenas enganosa, mas também insensata e danosa”.
A ONG defende que a resolução de crises passa pela proteção dos direitos humanos e pelo exercício, por parte da população, do direito de se manifestar sobre os rumos de seus governos.
“Especialmente em períodos conturbados, os direitos humanos são uma bússola essencial para a tomada de ação política”, afirma Roth.
‘Estado Islâmico’ e Oriente Médio
Em âmbito global, “nenhum desafio no ano passado eclodiu de forma mais radical do que o surgimento do autoproclamado ‘Estado Islâmico'”, diz a HRW. O grupo que ganhou projeção global no ano passado já controla partes do Iraque e da Síria.
“Em parte, (o grupo) é produto da guerra e ocupação militar do Iraque, liderada pelos EUA e iniciada em 2003, que gerou, entre outras coisas, insegurança e abusos dos detentos de Abu Ghraib e em outros centros de detenção administrados pelos EUA.”
A opressão contra grupos sunitas promovida pelo governo iraquiano e milícias aliadas também contribuiu para o avanço dos extremistas no país.
“Sunitas foram demitidos de cargos públicos, cercados e, sob novas leis, sumariamente executados”, diz o relatório. “É provável que milícias xiitas contribuam mais para ajudar no recrutamento (de simpatizantes) do ‘Estado Islâmico’ que para derrotá-lo no campo de batalha.”
Segundo a HRW, se não for contido, o grupo pode ampliar seu domínio sobre partes também do Líbano, Jordânia, Líbia e outros territórios. O relatório nota que, na Síria, a brutalidade do “Estado Islâmico” rivaliza com aquela praticada pelas forças do presidente Bashar Al-Assad na guerra civil.
A HRW diz que, após entregar armas químicas, o regime de Assad tem recorrido a “bombas-barril” para atacar áreas civis.
“São tambores de óleo cheios de explosivos de alta potência e fragmentos metálicos”, explica o relatório, que costumam ser disparados do alto sobre áreas rebeldes que incluem prédios residenciais, hospitais e escolas.
Ainda no Oriente Médio, o relatório destaca a repressão do atual governo militar no Egito, que esmagou as aspirações democráticas da Primavera Árabe; o avanço dos assentamentos judaicos em terras reivindicadas pelos palestinos; e os abusos impunes cometidos tanto por soldados israelenses como pelo grupo palestino Hamas.
Boko Haram e Rússia
Na Nigéria, o avanço dos extremistas islâmicos do Boko Haram também é motivo de preocupação – o grupo pratica atos como o bombardeio de mercados, mesquitas e escolas, além de subjugar aldeias, raptando e violentando mulheres.
“Rica em petróleo, a Nigéria deveria ter sido capaz de arregimentar um Exército profissional que respeite os direitos e consiga proteger os nigerianos desse grupo”, opina o relatório. “No entanto, as autoridades do país deixaram suas Forças Armadas mal equipadas e sem motivação para defender (a população) contra o Boko Haram.”
Sobre a Rússia, o grupo acusa o Kremlin de ter dado início, em 2012, “à mais intensa repressão à dissidência desde a era soviética, tendo como alvo grupos de direitos humanos, jornalistas independentes, dissidentes, manifestantes pacíficos e críticos que utilizam a internet como forma de expressão”.
O grupo critica tanto os abusos cometidos pelas tropas pró-Rússia como a resposta do Ocidente à crise na Ucrânia.
“Ansiosos por apresentar a Ucrânia como vítima inocente da agressão russa, o Ocidente se negou a questionar aspectos preocupantes do comportamento ucraniano, como o uso de ‘batalhões voluntários’ que cometem abusos contra detentos de forma recorrente ou usam armas indiscriminadamente em áreas povoadas.”
Nascer em bairro pobre ‘prejudica ascensão social por décadas’
Na hora de determinar nosso destino econômico, poucas coisas importam tanto como o bairro em que nascemos e crescemos.
Todos sabemos que viver em uma região mais pobre reduz as possibilidades materiais de seus habitantes. Por isso, muitos sonham ir para uma parte mais afluente da cidade onde vivem.
Mas um estudo recente dos pesquisadores americanos Douglas Massey, da Universidade de Princeton, e Jonathan Rothwell, do Instituto Brookings, vai além: traz novas evidências de que simplesmente se mudar de um bairro precário para um melhor não é suficiente.
De acordo com a pesquisa, o local específico da cidade onde uma pessoa passa os primeiros 16 anos de sua vida é determinante na renda que ela terá muitas décadas depois, mesmo que mude seu local de residência diversas vezes.
A conclusão é uma má notícia para os que acreditam na possibilidade de ascensão e mobilidade social. E pode fornecer mais argumentos às discussões sobre propostas polêmicas de vários países, incluindo alguns latino-americanos, de levar habitantes de bairros pobres para viver em regiões mais ricas das cidades.
“O bairro é o ponto crítico onde se bloqueiam as aspirações das pessoas para subir na vida”, disse Massey à BBC.
Para ele, as experiências vividas no local de nascimento também são uma herança da qual é difícil escapar.
“Os bairros pobres tendem a ter taxas mais altas de desordem social, crime e violência. As pesquisas mostram cada vez mais que a exposição a este tipo de violência não tem somente efeitos de curto prazo, mas também de longo prazo na saúde e na capacidade cognitiva de seus habitantes”, afirma o pesquisador.
“Esses efeitos não se apagam quando as pessoas crescem.”
Integração
A vida nos bairros mais carentes implica frequentar escolas de má qualidade, ficar mais longe das oportunidades de trabalho e mais perto dos focos de violência de nossas cidades.
Segundo o estudo de Massey e Rothwell, um americano deixa de ganhar, em média, cerca de US$ 900 mil, ao longo de sua vida se vive em um bairro pobre, comparado com o que recebe uma pessoa de um bairro de classe alta.
Segundo os pesquisadores, a tendência é que esse valor aumente.
“À medida em que a distribuição de renda fica mais desigual, ocorre o mesmo com a distribuição dos bairros. A concentração da riqueza e da pobreza aumentou. Os bairros pobres se tornaram mais pobres e ficou mais difícil escapar do status socioeconômico da pobreza”, afirma Massey.
Mas qual seria a solução para evitar que nascer em determinado bairro se transforme em uma sentença?
Massey acredita que é importante acabar com a segregação por bairros, a mesma que faz com que a vida de cidadãos de diferentes classes econômicas acabem tomando direções opostas em suas vidas.
O pesquisador recomenda “ajudar as pessoas a se mudar de regiões de muita pobreza para áreas de classe média e alta, onde tenham acesso às vantagens que as comunidades mais abastadas oferecem”.
Ele sugere construir moradias públicas subsidiadas em bairros mais ricos para que os pobres possam sair dos bairros marginalizados das cidades.
Oferecer aos jovens de classes sociais mais baixas a oportunidade de começar suas vidas em regiões mais ricas, diz Massey, pode ter um grande impacto positivo em suas trajetórias de vida.
Esse é um dos argumentos usados em capitais europeias como Londres, onde, após a Segunda Guerra Mundial, foram construídos conjuntos habitacionais estatais subsidiados em meio aos bairros mais ricos da cidade – que ainda existem.
Nos últimos meses, a proposta do prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, de um programa piloto para levar habitantes pobres para viver em um conjunto de edifícios de um bairro rico causou polêmica na Colômbia.
A ideia foi chamada por opositores de medida populista e classificada como uso pouco eficiente de recursos públicos escassos. Eles afirmam que estes recursos deveriam ser usados para melhorar as condições dos bairros pobres onde vive a maioria dos habitantes da capital colombiana.
Estigmatização
O estudo de Massey e Rothwell se baseou em informações sobre bairros nos Estados Unidos, mas Massey insiste que os resultados encontrados na pesquisa se aplicam a qualquer outro país onde há altos níveis de segregação por causa de classe social.
“É um fenômeno que se observa frequentemente na América Latina”, afirma.
No entanto, a conclusão da pesquisa causou mais surpresa nos Estados Unidos.
“Os americanos não gostam de admitir, mas a classe social está se tornando uma prisão para as pessoas porque os bairros determinam nossa sorte. Nossa taxa de mobilidade social está ficando para trás em relação à de outros países industrializados”, explica Massey.
“Nos Estados Unidos gostamos de pensar que qualquer pessoa pode ir para onde quiser com base apenas em seus talentos e habilidades. Mas isso é cada vez menos o que acontece. O talento e a habilidade se contraem quando as pessoas estão presas em ambientes segregados.”
Riqueza de 1% deve ultrapassar a dos outros 99% até 2016, alerta ONG
A partir do ano que vem, os recursos acumulados pelo 1% mais rico do planeta ultrapassarão a riqueza do resto da população, segundo um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam.
A riqueza desse 1% da população subiu de 44% do total de recursos mundiais em 2009 para 48% no ano passado, segundo o grupo. Em 2016, esse patamar pode superar 50% se o ritmo atual de crescimento for mantido.
O relatório, divulgado às vésperas da edição de 2015 do Forum Econômico Mundial de Davos, sustenta que a “explosão da desigualdade” está dificultando a luta contra a pobreza global.
“A escala da desigualdade global é chocante”, disse a diretora executiva da Oxfam Internacional, Winnie Byanyima.
“Apesar de o assunto ser tratado de forma cada vez mais frequente na agenda mundial, a lacuna entre os mais ricos e o resto da população continua crescendo a ritmo acelerado.”
Desigualdade
A concentração de riqueza também se observa entre os 99% restantes da população mundial, disse a Oxfam. Essa parcela detém hoje 52% dos recursos mundiais.
Porém, destes, 46% estão nas mãos de cerca de um quinto da população.
Isso significa que a maior parte da população é dona de apenas 5,5% das riquezas mundiais. Em média, os membros desse segmento tinham um patrimônio individual de US$ 3.851 (cerca de R$ 10.000) em 2014.
Já entre aqueles que integram o segmento 1% mais rico, o patrimônio era de US$ 2,7 milhões (R$ 7 milhões).
A Oxfam afirmou que é necessário tomar medidas urgentes para frear o “crescimento da desigualdade”. A primeira delas deve ter como alvo a evasão fiscal praticada por grandes companhias.
O estudo foi divulgado um dia antes do aguardado discurso sobre o estado da União a ser proferido pelo presidente americano Barack Obama.
Espera-se que o mandatário da nação mais rica – e uma das mais desiguais – do planeta defenda aumento de impostos para os ricos com o objetivo de ajudar a classe média.
Quanto é preciso ter para estar entre o 1% mais rico do planeta?
A carteirinha do clube que reúne a parcela mais rica do planeta custa US$ 798 mil (cerca de R$ 2,1 milhões), segundo um estudo da ONG britânica Oxfam. Esse é o patrimônio que um indivíduo precisa ter para fazer parte do 1% mais abastado da população mundial.
Aproximadamente 295 mil brasileiros já fazem parte desse grupo seleto, de acordo com dados de um outro estudo, do grupo financeiro Credit Suisse, divulgado no fim do ano passado.
Segundo a Oxfam, o 1% da população mundial será dono de mais de 50% das riquezas do planeta no ano de 2016.
Porém, na prática, fazer parte dessa camada não significa viver uma vida entre jatinhos e mansões em diversos continentes.
É que, embora o patrimônio de R$ 2,1 milhões seja inalcançável para a maioria dos habitantes do planeta, muitas pessoas que se consideram de classe média em diversos países atingem essa cifra de ativos devido ao preço dos imóveis que possuem.
Os “verdadeiros” multimilionários representariam apenas 0,001% da população mundial, segundo os estudos.
Extremos
O estudo “Global Wealth Databook”, do Credit Suisse, apontou que há cerca de 35 milhões de pessoas no planeta com patrimônios avaliados entre US$ 1 milhão (R$ 2,65 milhões) e US$ 50 milhões (R$ 132 milhões).
Cerca de 15 milhões delas vivem na América do Norte; 11,7 milhões, na Europa e 6,7 milhões, na Ásia.
Já a parcela dos multimilionários (donos de mais de US$ 50 milhões) engloba 128 mil pessoas ao redor do mundo. Na América Latina, o Brasil é o país com a maior quantidade desses indivíduos: aproximadamente 1.900.
No ápice da riqueza global estariam 92 pessoas com patrimônios superiores a US$ 1 bilhão (R$ 2,6 bilhões). Juntos, eles teriam mais dinheiro que a metade mais pobre da humanidade.
Segundo o estudo da Credit Suisse, a metade mais pobre da população têm patrimônio inferior a US$ 3.660 (cerca de R$ 9,6 mil) per capita.
“É incrível a quantidade de riqueza nas mãos de 0,001% (da população), por isso decidimos calcular o patrimônio desses multimilionários”, disse à BBC Mundo Nick Galasso, pesquisador da Oxfam América.
‘Aspirações’
Para o editor de economia da BBC, Robert Peston, o nível de desigualdade que essas cifras refletem “é preocupante, e não apenas para aqueles na base da pirâmide de riquezas”.
“Uma das razões de preocupação é que as pessoas pobres com aspirações de ascensão têm grandes incentivos para contrair níveis excessivos de dívidas para manter seus estilos de vida, o que aumenta a tendência da economia sofrer crises financeiras”, diz Peston.
“Outra razão é que, em conjunto, os pobres gastam mais que os ricos (porque um bilionário não costuma comprar mais que alguns iates, e boa parte de sua fortuna fica guardada). Assim, o crescimento ocorre de maneira mais rápida quando os recursos se distribuem de maneira mais igualitária”, segundo Peston.
Para a Oxfam, a atenção ao problema por parte dos dirigentes políticos mundiais está aumentando. Mas ainda não há soluções à vista.
“No último ano foram dadas muitas declarações de líderes mundiais como Barack Obama e Christine Lagarde, do Fundo Monetário Internacional, sobre o aumento da desigualdade. Mas não se viu muita ação e o problema está piorando”, disse Nick Galasso.
Fonte: BBC
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