Supremo dará a palavra final sobre redução da maioridade penal aprovada na Câmara
Aprovação da idade criminal aos 16 anos poderá ser questionada pelo menos de três formas. OAB e PT já anunciam ações, e juristas avaliam que há brecha para a defesa do próprio infrator
Todos os caminhos até a aplicação da maioridade penal aos 16 anos, aprovada em 2/7/15 a toque de caixa pelo Câmara dos Deputados, em primeira votação – vão levar ao Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, anunciou que vai propor uma ação na Corte para derrubar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, caso ela seja aprovada da mesma forma pelo Senado e promulgada. O Partido dos Trabalhadores (PT) também vai impetrar mandado de segurança contra a forma como a proposta foi aprovada. E ainda, mesmo se chegar a ser aplicada, a medida pode ser questionada por qualquer cidadão brasileiro, já que fica instituída, no país, uma “dupla maioridade penal”, dependendo do crime do qual o menor é acusado.
De acordo com o presidente da OAB, a PEC aprovada é inconstitucional, por alterar cláusula pétrea da Constituição, um direito que não pode ser modificado pelo Congresso. “A OAB reitera sua histórica posição sobre o tema, considerando um equívoco colocar mais alunos nas universidades do crime, que são os presídios do país”, afirmou. “Mais adequado é aumentar o rigor de sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aumentar o prazo de internação, ampliar o período diário de serviços comunitários para quem comete delitos, obrigar a frequência escolar e o pernoite em casa, além de investir na inclusão de todos”, defende Coêlho.
RECURSO ANUNCIADO No dia anterior à aprovação, o presidente da OAB havia emitido nota, na qual já deixava clara sua intenção de recorrer ao Supremo, caso a PEC passasse. Coêlho declarou que qualquer alteração do conteúdo da Constituição seria “derrubada” pelos ministros da Corte, em questionamento a ser apresentado pela entidade.
O constitucionalista José Alfredo Baracho Júnior compartilha da opinião de Coêlho. Para ele, em seu artigo 60, a Constituição trata dos direitos individuais, e, é exatamente nesse ponto, que a PEC da Maioridade, aprovada nessa quinta-feira, fere uma cláusula pétrea. “Quando se reduz para 16 anos a idade de responsabilização criminal, está-se restringindo também um direito à liberdade, que é um direito fundamental”, explica.
Na madrugada dessa quinta-feira, 24 horas após o plenário rejeitar a PEC 171, uma nova versão da proposta foi apresentada e aprovada em primeiro turno por 323 votos a 155. O texto reduz a maioridade apenas no caso de crimes hediondos e contra a vida, como homicídios dolosos e lesão corporal seguida de morte.
NA PRÁTICA Apesar de evitar falar em inconstitucionalidade, o procurador da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gilvan Alves Franco levanta outra questão para a aplicação da nova regra. “Ainda não existe uma doutrina consolidada sobre a inconstitucionalidade da PEC, mas, com certeza, a partir da promulgação dessa lei, passaremos a conviver com duas maioridades penais, que vão depender do crime cometido. Você não tem como criar menoridade relativa para o mesmo indivíduo”, defende. Para Alves Franco, não resta dúvida que, após a aplicação da regra, a própria defesa dos acusados vai questioná-la no Supremo.
Com o mesmo entendimento, o constitucionalista Ronaldo Garcia classificou como “inoportuna” e “equivocada” a aprovação da PEC da Maioridade. Ele diz que o texto aprovado traz um problema prático para sua aplicação em razão da duplicidade da idade penal. E explica: “Tomando um caso prático de um adolescente de 16 anos, acusado de homicídio doloso, que é preso em razão da nova regra. No entanto, durante a instrução do processo, o crime é desclassificado de doloso para culposo – que não está na lista dos crimes incluídos na redução penal –, o que fazer?”. Garcia não considera, porém, que a redução seja inconstitucional por ferir cláusula pétrea. Para ele, tema é tratado no capítulo da família, portanto, sujeito a alteração.
Nessa quinta-feira à noite, secretários de Justiça e de Direitos Humanos de 24 estados, reunidos em Brasília, lançaram manifesto contra a PEC. Fonte: EM
Duas visões: O Brasil deve reduzir a maioridade penal?
De volta aos holofotes com o início dos trabalhos de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira, a proposta de emenda constitucional para reduzir a maioridade penal no Brasil ainda está longe de ser alvo de consenso no país.
Tramitando em regime de urgência no Congresso, a medida, que promete grandes impactos na legislação e na sociedade, divide especialistas, parlamentares e lideranças políticas.
A sessão da comissão especial foi interrompida por protestos contrários à proposta e adiada para quarta-feira que vem.
O parecer do relator da PEC 171/93, o deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), deverá pedir a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de forma geral, cumprindo pena em locais separados dos presos comuns, além de orientar a realização de um referendo para consultar a população.
Bessa tem usado como argumento uma pesquisa do Datafolha de abril deste ano, que ouviu 2.834 pessoas em 171 municípios e concluiu que 87% dos brasileiros são a favor da redução.
Para ser aprovada, a proposta precisa ser colocada em votação pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que vem se manifestando a favor da medida. Cunha já afirmou que pretende colocar o tema para votação em Plenário em 30 de junho.
Após votações em dois turnos tanto por deputados quanto por senadores, a PEC não precisa de sanção da presidente Dilma Rousseff, que tem se colocado abertamente contrária à alteração na Constituição.
Entre os especialistas, há divisão quanto à eficácia da medida para reduzir a criminalidade, os impactos da alteração em outras leis, como exploração de menores, além da compra de bebidas alcóolicas e o direito de dirigir.
Outros pontos polêmicos são o ingresso num sistema carcerário já superlotado, a possibilidade de contato com a “escola do crime” dentro dos presídios, questões sociais em torno da criminalidade infanto-juvenil e a necessidade de punição mais severa do que a prevista atualmente para crimes graves como latrocínio, homicídio e estupro.
A BBC Brasil ouviu especialistas com experiência na área do direito infanto-juvenil para discutir se o país deve ou não reduzir a maioridade penal. Veja seus principais argumentos:
A favor: ‘Adolescente infrator opta por ter arma na mão’
Para o promotor Thales Cesar de Oliveira, é importante reduzir a maioridade penal para coibir o crime, aumentando nos jovens o temor pela lei. Ele é promotor da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo há 25 anos e desde 1990 atende uma média de 1,5 mil adolescentes infratores por ano.
“Todo adolescente tem plena consciência do que está fazendo. Ele sabe que furtar, roubar, estuprar e matar são crimes, e comete o ato infracional ciente de que está fazendo algo errado, mas ao mesmo tempo ciente da sua impunidade. Ao ser pego, emite aquela frase conhecida, ‘sou menor’, como um alerta, de que sabe que está protegido”, diz.
“É um erro passar a mão na cabeça do adolescente infrator e vê-lo como vítima, como alguém que não teve outra opção por conta da pobreza ou da exposição ao tráfico, por exemplo. O adolescente infrator não é o que pede esmola no sinal, é o que opta por ter uma arma na mão. Claro que pais ausentes, periferia, favela, violência aumentam as chances, mas há os que optam pelo trabalho”, indica.
“Nos meus 25 anos no MP concluí que a grande maioria desses adolescentes tinha plena consciência ao fazer a coisa errada e muitos sabiam que nada aconteceria. Conto nos dedos quantos cometeram crimes por questões sociais, de sobrevivência. A mãe, do lado, sempre desmente. Diz que havia arroz e feijão na mesa, e que não permitia a entrada de nada roubado em casa. O crime acontece por opção mesmo e tem que ser punido”, avalia.
Quanto ao impacto futuro da PEC na redução da criminalidade e o argumento dos grupos contrários à medida – de que em vez de diminuir a maioridade penal o governo deveria investir mais em educação -, o promotor defende um “pacote de mudanças”.
“Espero que reduza (a maioridade), sim, mas aí tenho que concordar que são necessários investimentos em escola integral, desfavelização, educação como um todo, políticas públicas, sociais. Se o Brasil não fizer este pacote de mudanças, das quais a PEC é apenas uma, corremos o risco de, daqui a dez anos, estarmos discutindo a redução da maioridade para 14 anos”, adverte.
Oliveira rejeita um dos maiores argumentos contrários à PEC, de que o ingresso dos jovens no sistema carcerário significaria colocá-los em contato com a “escola do crime”, aumentando a criminalidade a longo prazo. Para ele, essa “escola” está “aqui fora, e não dentro das cadeias”.
Contra: ‘Ao sair da cadeia, jovem cometerá mais crimes graves’
O advogado Ariel de Castro Alves é especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC-SP, ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e fundador de órgão semelhante na OAB nacional. Para ele, a resposta para a criminalidade infanto-juvenil e a violência no Brasil não passa pela redução da maioridade penal.
Entre os principais motivos estariam a incapacidade do sistema carcerário de receber esse novo contingente, além dos riscos de efeito reverso, por acreditar que a medida, a longo prazo, aumentaria a criminalidade ainda mais. Ele também argumenta que a alteração é inconstitucional.
“Por piores que sejam as condições, nas instituições de internação esses menores têm uma chance maior de recuperação. Nos presídios, superlotados e dominados pelo tráfico, essa possibilidade será muito menor. Além disso, a alteração deste artigo é inconstitucional, por tratar-se de cláusula pétrea, de direitos essenciais, e em caso de aprovação no Congresso, caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar esse mérito”, diz.
Para o especialista, a aprovação da medida seria um retrocesso de forma generalizada.
“ONU, Unicef, ONGs internacionais de direitos humanos, Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, todos estes grupos já estão nos criticando. Será algo ruim para a imagem internacional do Brasil. É como se assinássemos um atestado de falência na educação e proteção dos nossos jovens, decidindo colocá-los em prisões”, avalia.
Questionado sobre o panorama de vulnerabilidade social, Alves diz que o ambiente externo tem grande influência sobre a trajetória desses jovens infratores.
“O crime inclui quando o Estado exclui. Sem escola, moradia adequada, segurança, sem curso profissionalizante, sem saúde, sem assistência social, em famílias desestruturadas e ameaçadas pelas drogas e o alcoolismo, o crime tem uma concorrência desleal ao que a vida oferece a esses adolescentes”, diz.
Neves acredita que, a longo prazo, os efeitos da potencial redução da maioridade penal seriam “perversos” para a sociedade brasileira. “Ao saírem das cadeias com maior intimidade com o mundo do crime, esses jovens cometerão mais homicídios, latrocínios, crimes graves. É um grande equívoco achar que estaremos controlando a criminalidade”, avalia.
Na contramão do Brasil, EUA reduzem punição a jovens infratores
Enquanto no Brasil o Congresso discute reduzir a maioridade penal, nos Estados Unidos o número de menores presos tem diminuído ano após ano, e o Judiciário e legisladores de vários Estados vêm criando restrições à punição de menores como se fossem adultos.
Segundo a ONG americana Campaign for Youth Justice, desde 2005, 29 Estados americanos e a capital Washington aprovaram leis que tornam mais difícil processar e punir adolescentes como se fossem maiores de idade.
Com isso, o número de jovens em prisões de adultos vem caindo em quase todos os Estados. Segundo o Council of State Governments Justice Center, outra ONG americana, o total de menores de 18 anos nessas penitenciárias baixou 65% entre 2007 e 2012.
A ONG estima que todos os anos 250 mil menores sejam julgados e punidos como adultos nos Estados Unidos. No país, que tem as maiores populações de jovens e adultos encarcerados do mundo, cada Estado tem relativa autonomia para definir sua legislação punitiva.
Em alguns locais e a depender da gravidade do crime, menores podem ser julgados e condenados como adultos, cumprindo pena em prisões regulares. Há casos de menores que foram condenados à prisão perpétua em penitenciárias estaduais quando tinham 12 ou 13 anos de idade.
No Brasil, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em discussão no Congresso prevê baixar de 18 para 16 anos a idade a partir da qual infratores passariam a ser julgados como adultos.
Nesta terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara avaliou que a proposta não fere a Constituição. Com isso, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criou uma comissão especial para discutir o conteúdo da matéria ao longo dos próximos meses. Só ao fim desse processo a proposta poderá ser posta em votação.
Prisões reduzem crimes?
“A redução massiva do envio de jovens para prisões de adultos ocorreu após estudos mostrarem que prender não tem um efeito considerável nos índices de crimes”, diz à BBC Brasil Mike Tapia, professor do Departamento de Justiça Criminal da Universidade do Texas e autor de um livro sobre o perfil dos jovens encarcerados nos Estados Unidos.
Para ele, a melhor prática para lidar com menores infratores é mantê-los em suas comunidades e famílias, “que são chave no processo de reabilitação”.
Fora das celas, diz ele, os jovens correm menos riscos de cometer novos crimes ao fim da pena e se livram dos abusos, da corrupção e da violência comuns a carceragens nos Estados Unidos.
As restrições à punição de jovens infratores nos Estados Unidos também se devem a decisões da Suprema Corte. Em 2005, os juízes proibiram condenar menores à prisão perpétua e, em 2010, a corte manteve a pena máxima apenas para jovens que tivessem cometido homicídio.
Agora os Estados discutem se a medida deve se aplicar a crimes cometidos antes da decisão. Estima-se que 2,5 mil presos nos Estados Unidos cumpram prisão perpétua por crimes cometidos enquanto eram menores.
Onda punitiva
O afrouxamento das punições a jovens nos Estados Unidos reverte uma tendência iniciada nos anos 1990, quando o aumento no índice de crimes cometidos por menores levou 47 dos 50 Estados americanos a ampliar as penas para esses atos.
O endurecimento das leis se embasou numa crença, amplamente difundida por pesquisadores e políticos da época, de que com o tempo os jovens americanos cometeriam cada vez mais crimes.
Mas não foi o que ocorreu. Em estudo publicado em 2013 pela Universidade de Ohio, os criminologistas Franklin E. Zimring e Stephen Rushin dizem que as taxas de homicídios cometidos por jovens americanos despencaram entre 1993 e 2010.
Uma corrente de pesquisadores avalia que a redução se deveu ao endurecimento das punições de jovens infratores. Para esses acadêmicos, as penas mais duras desencorajaram muitos crimes que teriam sido cometidos sem a mudança.
Mas os autores da pesquisa apontaram que, no mesmo período analisado, os índices de homicídios cometidos por jovens adultos americanos tiveram uma queda equivalente, sem que as punições para esse grupo tivessem aumentado significativamente.
Os autores concluíram que as leis mais rígidas tinham pouco efeito nos índices de crimes entre jovens e aconselharam os Estados a rever a prática de encarcerar menores infratores por prazos longos.
Crimes cometidos por jovens reacendem debate sobre redução da maioridade penal
Em meio ao contínuo envolvimento de menores em crimes no Rio de Janeiro, como arrastões e roubos, ainda não há consenso sobre a redução da maioridade penal, polêmica que já suscitou dezenas de projetos de lei no Congresso e que segue dividindo opiniões no país.
Tema de debate da última disputa presidencial, o assunto dividiu os candidatos da oposição, Aécio Neves (PSDB), que se colocou a favor de alterar a idade criminal, e a candidata reeleita, Dilma Rousseff (PT), contrária à medida.
O tema é recorrente e volta à mídia cada vez que um crime cometido por adolescente ganha destaque ou quando ocorrem ondas de criminalidade como a dos arrastões nas praias cariocas e as polêmicas medidas da polícia, que intercepta ônibus com jovens provenientes das periferias com destino à orla nos fins de semana.
Dados nacionais mostram uma elevação no índice de jovens internados por cometerem crimes. Levantamento da Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, aponta que o número de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas com restrição de liberdade subiu de 16.868, em 2008, para 20.532, em 2012.
Juristas e advogados ligados aos direitos das crianças e adolescentes têm, ao longo dos últimos anos, se mostrado contra alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990, que ratificou a maioridade penal de 18 anos estabelecida desde o Código Penal de 1940.
Por outro lado, outras correntes de juristas defendem que adolescentes menores de 18 anos deveriam sofrer punições maiores do que a atual pena máxima de três anos de internação em instituições de ressocialização.
O apoio à redução da idade criminal encontra ressonância entre autoridades de segurança pública, muitas das quais têm se mostrado a favor da medida como forma de lidar com a criminalidade.
Recentemente, o secretário de segurança do Estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, disse que “a idade e o período de detenção deveriam depender da gravidade do crime que o menor cometeu”. “(O jovem) precisa sofrer as agruras da lei em cima do que fez”, afirmou.
Em São Paulo, o novo delegado-geral da Polícia Civil, Youssef Abou Chanin, foi mais longe ao defender a medida quando assumiu o cargo, em janeiro deste ano. “Os menores hoje são 007, têm licença para matar. Por quê? Porque vão para a Fundação Casa, ficam presos um período e saem”, disse.
Contrário à alteração na lei, o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC-SP, ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e fundador de órgão semelhante na OAB nacional, diz que reduzir a maioridade penal é uma “ilusão”.
“Na prática essa alteração só formaria criminosos de forma cada vez mais precoce, dentro das cadeias. O crime só inclui quando o Estado exclui, quando o jovem procura escola, trabalho, estágio, e não consegue”, diz.
Mitos e escola integral
Consultados pela BBC Brasil, juristas que participaram de debates sobre a reforma do Código Penal, em 2012, analisaram o tema da criminalidade de menores e apresentaram argumentos contra e a favor da redução da maioridade penal.
Luiz Flávio Gomes, mestre em direito penal pela USP e ex-consultor da ONU, diz que há uma série de mitos em torno da concepção de que no Brasil o menor não é punido.
O jurista, que se diz contrário à redução da maioridade, relembra que o ECA prevê punições e medidas socioeducativas, com ou sem restrição da liberdade, para crianças a partir de 12 anos.
Ele admite, no entanto, que a pena máxima de três anos poderia ser revista, e elevada para até oito anos. “Como o ECA coloca três anos para tudo, acaba gerando uma injustiça. Eu não posso equiparar um roubo a um homicídio.”
Gomes diz acreditar no ajuste da pena máxima e investimentos em educação como as melhores opções. “Além da reforma do ECA e da adoção da escola integral em todo o país, não vejo outras soluções. Argumentar a favor da redução da maioridade, jogando adolescentes no sistema prisional já falido, é parte de estratégias eleitoreiras e ideológicas, que se valem do medo e do pânico da população”, disse.
Punição e flexibilidade
Do outro lado do debate, o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, defende a redução da maioridade penal para 16 anos.
“É algo que tem ser discutido, sim. Num momento em que muitos jovens estão cometendo crimes violentos, tráfico, roubos, latrocínios, este debate se faz pertinente. E não se pode esquecer que há muitos detalhes a serem decididos”, diz.
Piñeiro Filho sugere, por exemplo, que, no caso da redução da maioridade penal para 16 anos, os condenados menores de 21 anos cumpram pena em presídios separados dos maiores de 21 anos.
Ao avaliar o momento atual, o jurista Ariel de Castro Alves diz que existe um clamor nacional em torno do assunto, e que a tendência é que o debate só aumente. Ele acredita, no entanto, que apesar dos problemas no sistema atual, as instituições ainda funcionam melhor do que os presídios, e que a maioridade penal deve ser mantida em 18 anos.
“Antes de tentar mudar o ECA ou suprimir direitos, é necessário garanti-los. É necessário reconhecer que o Brasil precisa ter políticas sociais, políticas afirmativas, bolsas de estudo, e que é preciso oferecer possibilidades para que os jovens não sejam alvo fácil do mundo do crime”, diz.
Fonte: BBC
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