Há 500 milhões de anos, a quantidade de água é praticamente constante. 70% da superfície da Terra são cobertos de água: 97,6%, salgada e apenas 2,4%, doce. Dessa minguada porcentagem, 70% destinam-se à irrigação, 20% à indústria e somente 10% ao consumo humano. Entretanto, apenas 0,7% dos 10% é imediatamente acessível; o restante está nos aqüíferos profundos, nas calotas polares ou no interior das florestas. A renovação das águas é da ordem de 43 mil quilômetros cúbicos por ano descarregados nos rios, enquanto o consumo total é estimado em 6 mil quilômetros cúbicos por ano. Há muita água, mas desigualmente distribuída: 60% encontram-se em apenas 9 países, enquanto 80 outros enfrentam escassez. Pouco menos de 1 bilhão de pessoas consome 86% da água existente, enquanto para 1,4 bilhão é insuficiente e, para 2 bilhões, não é tratada, o que provoca 85% das doenças.
O Brasil é a potência natural das águas, com 13% de toda água doce do planeta, perfazendo 5,4 trilhões de metros cúbicos. Mas é desigualmente distribuída: 70% na região amazônica, 15% no Centro-Oeste, 6% no Sul e no Sudeste e 3% no Nordeste. Apesar da abundância, não sabemos usar a água, pois 46% dela são desperdiçados, o que daria para abastecer toda a França, a Bélgica, a Suíça e o Norte da Itália. É urgente, portanto, um novo padrão cultural.
Dois problemas têm criado o “estresse mundial da água”: sua sistemática poluição associada à destruição da biomassa que garante a perpetuidade das águas correntes e a falta generalizada de cuidado no uso da gota d’água disponível. Ensina Aldo Rebouças: é mais importante saber usar a gota d’água disponível do que ostentar sua abundância. Por ser um bem escasso, nota-se corrida desenfreada à posse privada da água doce. Quem controla a água controla a vida. Quem controla a vida detém o poder.
Surge então o dilema: a água é fonte de vida ou fonte de lucro? É um bem natural, vital e insubstituível ou um bem econômico e uma mercadoria? Os que apenas visam lucro, a tratam como mercadoria. Os que pensam a vida, a vêem como um bem essencial a todos os organismos vivos e ao equilíbrio ecológico da Terra. Direito à vida implica direito à água potável gratuita. Mas porque há custos na captação, tratamento, distribuição, uso, reuso e conservação, existe inegável dimensão econômica. Mas esta não deve prevalecer sobre o direito, antes, torná-lo real e garantido para todos.
Água doce é mais que recurso hídrico. É vida com todas as suas ressonâncias simbólicas de fecundidade, renascimento e purificação. Isso tem imenso valor, mas não tem preço. Se houver cuidado ela será abundante para todos
Fonte: Divulgando Ascensão
Entre furacões e secas, o clima muda na América Latina
“Tive que vender um bezerro para sobreviver, para comprar milho”, conta Teodoro Acuña Zavala, de 64 anos, vítima da seca na Nigarágua, uma vítima dos fenômenos climáticos extremos que afetam cada vez mais a América Latina.
Em sua aldeia de Palacagüina, no norte do país, Teodoro observa as galinhas ciscando restos de sua roça de milho, devastada pela falta d’água e lembra que há 16 anos, o furacão Mitch castigou seu terreno.
Este ano, a seca “foi pior que qualquer outra”, confessa este homem de rosto curtido pelo sol: “oito dias (de chuva) é tudo o que caiu para nós este ano”. Debaixo de sua casa modesta, o rio não é mais que um caminho rochoso.
“Nunca tinha visto isso”, acrescentou Guillermina Inglesia, de 54 anos, que tem uma pequena loja de comida perto dali. “O que vamos fazer a partir de agora com a seca? Se continuar, então do que vamos depender, se vivemos precisamente de milho e feijão? Se não temos milho, nem feijão, nós estamos praticamente sem comida”.
O fazendeiro nicaraguense Teodoro Acuna, de 42 anos, mostra feijões em seu campo de cultivo na comunidade de La …
Entre 1 e 12 de dezembro, a América Latina sedia em Lima, capital peruana, a 20ª conferência da ONU sobre mudanças climáticas, um fenômeno que torna a região particularmente vulnerável, explicou Sonke Kreft, encarregada destas questões no âmbito da ONG alemã Germanwatch, que avalia os países mais frágeis na questão.
“Os países da América Latina e do Caribe estão no topo de todas as nossas classificações, sobretudo a longo prazo”, explicou.
Em sua lista mais recente, a Germanwatch situou Honduras como primeira, o Haiti como terceira e a Nicarágua como quarta entre os países que mais sofreram com o aquecimento global entre 1993 e 2013. A ONG revelará sua nova classificação no começo de dezembro, em Lima.
Sua colocação nestes níveis se deve, sobretudo, a que a região “é frequentemente afetada por furacões”, explicou David Eckstein, um dos encarregados da classificação, que destaca que “a intensidade e a frequência dos furacões aumentaram claramente nos últimos anos”.
– Eventos climáticos extremos –
No final de 2012, o Banco Mundial avaliou que a América Latina e o Caribe seriam “uma das regiões mais afetadas pelo aumento da temperatura”, apesar de sua fraca contribuição (12,5%) às emissões globais de gases de efeito estufa.
“O México e a maior parte da América Central se tornarão mais secos e a América do Sul será mais úmida em sua parte norte e sudeste. Mas o centro do Chile e o sul do Brasil ficarão mais secos”, explicou Rodney Martínez, membro da comissão de climatologia da Organização Meteorológica Mundial
E “as principais provas das mudanças climáticas são os eventos (climáticos) extremos, cada vez mais numerosos”, como os furacões e os episódios de seca.
Tania Guillén, que representa a ONG nicaraguense Centro Humboldt nas discussões internacionais sobre o clima, pode atestá-lo: “este ano, na região, toda a área de corredor seco, de Guatemala, Honduras, até a Nicarágua, sofreu com a seca, o que afetou a produção de alimentos”.
“Após três meses de seca, começou a temporada chuvosa em setembro e tivemos inundações no país, com aproximadamente 30 mortos por diferentes consequências das inundações e da chuva”, prosseguiu.
Mas a chuva só chegou a uma parte da Nicarágua e a seca persistiu em outras regiões, atrasando em um mês o início da colheita do café.
“As mudanças climáticas significam uma tendência da temperatura para cima, mas outro problema é a variabilidade climática, um ano seco, um ano úmido, um ano frio, um ano quente”, confirmou Henry Mendoza, responsável técnico da associação nicaraguense de pequenos produtores de café Cafenica.
Na Nicarágua, o Centro Humboldt, que estuda com a ONG Oxfam a possibilidade de um plano de ajuda humanitária para as populações afetadas pela seca, se preocupa com as “coisas estranhas” que percebe agora sobre o clima, como a multiplicação de tornados ou os picos de temperatura, até oito graus acima da média habitual.
Com vazamentos na rede e sem reuso, Brasil fica à mercê do clima para evitar falta de água
A falta d’água que São Paulo enfrenta neste verão poderia ser quase despercebida se o Estado tivesse investido na construção de estações de reuso de água. O custo é alto, mas é de implantação relativamente rápida. “Uma estação como a do Aquapolo Ambiental permite suprir água para uma cidade como Santos”, afirma Gesner Oliveira, ex-presidente da Sabesp e professor da FGV. A crise vivida por São Paulo não é a exceção, e sim, a regra.
A capacidade do estabelecimento de estações de reuso de água está diretamente ligada à extensão da rede de saneamento básico. Municípios como Santarém e Ananindeua (PA) e Porto Velho (RO) não têm nenhum tipo de tratamento de água e redes de coleta entre 0% e 22% . Segundo a ONG Trata Brasil, o volume de esgotos não tratados nos 100 maiores municípios e retornados aos rios e córregos é o equivalente a mais de 2.900 piscinas olímpicas – cerca de 7.5 bilhões de litros.
O Brasil também praticamente não faz reuso da água. O Aquapolo Ambiental, estação da Sabesp que fica na divisa entre São Paulo e São Caetano do Sul, é a única do gênero no Brasil. Com o custo avaliado em cerca de R$250 milhões, levou pouco mais de 18 meses para ser construída. Novas estações foram anunciadas pelo governados Geraldo Alckmin, mas elas não estarão prontas antes do fim de 2015.
O engenheiro Renato Rossato, da Rehau Brasil, empresa que produz insumos usados entre outras coisas na construção de estações de reuso, afirma que cerca de metade da água que escorre pelos ralos ainda chega na forma de esgoto sem tratamento aos rios, córregos e represas de São Paulo. “Tratando pouco mais de um terço disso, a cidade de São Paulo teria o equivalente a dois sistemas Cantareira”, afirma. O sistema Cantareira, um dos mais afetados pela crise, tem capacidade de fornecer 33 mil litros de água por segundo. Segundo ele, o investimento inicial é alto, mas o retorno é bem maior.
Apesar do Brasil ser o país com maior quantidade de recursos hídricos no mundo (cerca de 8.230 Km3 – mais que o dobro da Rússia, a segunda colocada) o investimento em saneamento e tratamento de água no Brasil é ínfimo (0,1% do PIB, segundo a OMS).
Ainda segundo a Trata Brasil, dos 100 maiores municípios brasileiros, mais da metade não chega a investir 20% da sua receita em saneamento. Nos casos de Nova Iguaçu (RJ), Duque de Caxias (RJ), Juazeiro do Norte (CE), Montes Claros (MG), Porto Velho (RO), Maceió (AL), São João de Meriti (RJ), Vitória da Conquista (BA) e Várzea Grande (MT), esse percentual não passou de 2% entre 2011 e 2012.
O maior sintoma de ineficiência do Estado, contudo, está no montante de água já tratado e desperdiçado por conta dos vazamentos nas redes públicas. A média internacional considerada aceitável é de 10%. Em São Paulo, quase 37% da água tratada não chega ao consumidor, sendo perdida no meio do caminho. No Recife, essa cifra passa de 62% e em Macapá chega a 73%.
Os assustadores números de má gestão da água não são percebidos em muitos casos porque os recursos hídricos superam em muito a demanda, como é o caso das cidades na região Norte. 90% dos municípios não fizeram investimento para diminuir as perdas no sistema.
Em 2010, o governo federal estabeleceu metas no Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab) que previa que, neste ano, a coleta de esgotos atingiria 92% e o tratamento de água alcançaria 86%, mas nenhuma das metas parece possível de ser atingida ainda nesta década.
A crise hídrica em São Paulo não está só criando os transtornos domésticos do dia a dia. Economicamente, São Paulo também deve ter prejuízos mesmo que a situação do abastecimento não se agrave. “Dada a representatividade de São Paulo na composição do PIB nacional, já é possível estimar uma queda na ordem de 0,8% na economia”, prevê o professor de Economia do Insper, Otto Nogami. “Se o governo não começar a agir agora, podemos esperar que o crescimento encolha ainda mais”, completa.
Para se ter uma ideia, a seca que atingiu os Estados Unidos no verão de 2012 – a mais severa e mais longa dos últimos 25 anos – causou uma recessão de 0,2 ponto do crescimento da economia americana no segundo trimestre daquele ano.
Segundo Nogami, com a queda do PIB há um impacto direto na taxa de juros, impedindo que os preços caiam e dando início, assim, a uma reação em cadeia, que atinge desde o empresariado até o consumidor final.
“Preços altos alimentam a inflação, que pode chegar a ultrapassar os atuais 6,5%. A inflação alta desemboca na taxa de câmbio afetando a produção e, consequentemente, afetando a oferta no mercado interno. E importar produtos para abastecer o país com uma alta taxa de câmbio, inevitavelmente, vai impactar no poder de compra do consumidor”, complementa.
Segundo a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o setor já está demitindo por conta do problema. A situação só não é pior porque a indústria não está trabalhando com capacidade plena, o que reduz o impacto da escassez de água na produção. “Se a indústria estivesse trabalhando em plena capacidade, teríamos problemas muito maiores”, afirma Nelson Pereira dos Reis, diretor titular do Departamento de Meio Ambiente da Fiesp
Represa do Atibainha revela o área antes ocupada pela água (Foto: Luis Moura)As safras agrícolas também já apresentam resultados alarmantes. Uma reportagem do Wall Street Journal relata que as colheitas de café e cana de açúcar podem ser drasticamente afetadas, fazendo com que a estiagem tenha outro impacto negativo – o na balança comercial (relação entre importação e exportação de bens e serviços entre países).
“A medida que o preço de exportação estiver mais atrativo que o do mercado doméstico, a tendência é que os produtores direcionem ainda mais sua produção para o mercado externo, refletindo em aumentos de preços no mercado interno”, observa Nogami.
“Metaforicamente, a situação da economia do país, atualmente, é a seguinte: estávamos em uma estrada andando de carro, o pneu furou. A parada – a recessão técnica – já era inevitável, pois alguns parâmetros macroeconômicos têm de ser revistos. Esta seca que assola o país é como se caísse uma tempestade na hora em que tivemos que parar para trocar o pneu”, explica o professor.
Se a seca persistir, Nogami alerta, ainda, que os estados podem ter de recorrer ao racionamento de energia, uma vez que não haverá água suficiente para alimentar as usinas hidrelétricas que fornecem a maior parte da eletricidade do país.
“O potencial de produção das termelétricas – setor que teve grande investimento no Governo Dilma – também está chegando no seu limite, o que, em um cenário extremo de falta de água, torna o racionamento inevitável”, acrescenta o professor de economia.
A crise traz à tona um problema estrutural: nenhuma cidade brasileira está pronta para lidar com a escassez de água. “As políticas em matéria de gestão dos recursos hídricos no Brasil são insustentáveis”, afirmou Marcos Heil Costa, cientista climático da Universidade Federal de Viçosa, à NASA. “É uma combinação de falta de preparação para os baixos níveis de chuva e a falta de educação ambiental da população. A maioria das pessoas continuam a usar a água como se estivéssemos em um ano normal”, finalizou
Em 15 anos, a crise de água piorará em todo o mundo, de acordo com a ONU. Relatório recém-divulgado prevê que haverá 40% menos água do que o necessário para o consumo. O mundo ampliará as fatias de população vivendo sob “estresse de água”, na expressão da ONU.
Quase 800 milhões de pessoas ainda não têm acesso a fontes de água potável de qualidade. Os mais afetados são pessoas de baixa renda, e entre estas, as mulheres em especial.
Os estudos mostram que para cada dólar investido na proteção de uma área de captação, até 200 dólares podem ser economizados no tratamento de água.
Estudiosos preveem que em breve a água será causa principal de conflitos entre nações.
A distribuição desigual é causa maior de problemas. Entre os países, o Brasil é privilegiado com 12% da água doce superficial no mundo. É o país com maior disponibilidade hídrica em rios do mundo, a poluição e o uso inadequado comprometem esse recurso em várias regiões. Abriga o maior rio em extensão e volume do Planeta, o Amazonas. Mais de 90% do território brasileiro recebe chuvas abundantes durante o ano e as condições climáticas e geológicas propiciam a formação de uma extensa e densa rede de rios, com exceção do semi-árido, onde os rios são pobres e temporários.
Essa água é distribuída de forma irregular, apesar da abundância em termos gerais. A Amazônia, onde estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 78% da água superficial. No Sudeste, essa relação se inverte: a maior concentração populacional do país tem disponível 6% do total da água.
São Paulo, cidade nascida na confluência de vários rios, viu a poluição tornar imprestáveis para consumo as fontes próximas e tem de captar água de bacias distantes, alterando cursos de rios e a distribuição natural da água na região.
Na última década, a quantidade de água distribuída aos brasileiros cresceu 30%, mas quase dobrou a proporção de água sem tratamento (de 3,9% para 7,2%), e o desperdício assusta: 45% de toda a água ofertada pelos sistemas públicos.
A água disponível no território brasileiro é suficiente para as necessidades do país, apesar da degradação.
O consumo de água médio por habitante no Brasil atinge 200 litros por dia. Por exemplo, 90% das atividades modernas poderiam ser realizadas com água de reuso. Além de diminuir a pressão sobre a demanda, o custo dessa água é pelo menos 50% menor do que o preço da água fornecida pelas companhias de saneamento, porque não precisa passar por tratamento. Apesar de não ser própria para consumo humano, poderia ser usada, entre outras atividades, nas indústrias, na lavagem de áreas públicas e nas descargas sanitárias de condomínios.
É melhor participar e estimular a preservação do que aprender por meios mais drásticos. Como escreveu a poeta americana Emily Dickinson (1830-1896), “a água se ensina pela sede”.
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