Numa operação conjunta da Polícia Federal com a Receita Federal, foram apreendidos hoje em São Paulo, na “Operação Paraíso Fiscal”, um total de R$ 12,2 milhões em dinheiro vivo, como resultado de corrupção, em escritórios e casas de fiscais envolvidos numa gigantesca quadrilha que operava na região de Osasco, extorquindo empresas na “venda de fiscalizações” da Receita Federal. A informação acaba de ser transmitida pelo Ministério Público Federal em São Paulo, que participa da Operação Paraíso Fiscal, realizada em conjunto com a Polícia e a Receita Federal.

Oito mandados de prisão (seis preventivas e duas temporárias), expedidos pela 2ª Vara Federal Criminal, especializada em lavagem de dinheiro e crimes financeiros, foram cumpridos. Segundo a PF, esta pode ser uma das maiores operações já realizadas em São Paulo em termos de volume de dinheiro apreendido. Foram apreendidos R$ 7.844.000 e US$ 2.826.000 (R$ 4.436.820, pela cotação de hoje, de US$ 1,00 = R$ 1,57), além de pedras preciosas.

Auditores da Receita Federal de Osasco montaram gigantesco esquema de corrupção, advocacia administrativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, baseado na “venda de fiscalizações”. O esquema descoberto pela investigação envolvia a “venda de fiscalizações” por auditores fiscais lotados na Delegacia da Receita Federal em Osasco. Além das prisões de cinco auditores e de um doleiro, que são preventivas, o filho e a mulher de um auditor foram presos temporariamente. Outros cinco auditores fiscais foram suspensos cautelarmente de suas funções por ordem judicial.

A maior apreensão em espécie da operação aconteceu na casa de um auditor em Alphaville: R$ 2,5 milhões e US$ 2,5 milhões, encontrados no forro do telhado. Na casa do Delegado Adjunto da Receita Federal em Osasco foram apreendidos R$ 814 mil e US$ 232 mil. Com um dos chefes de fiscalização daquela Delegacia foram apreendidos quase R$ 1 milhão e US$ 91 mil. Com um quarto auditor, foram apreendidos R$ 530 mil e US$ 3 mil, além de pedras preciosas. Na casa de uma outra chefe de fiscalização, mais R$ 3 milhões foram apreendidos. No armário desta auditora-chefe na própria repartição da Receita foram encontrados R$ 45 mil.

Além das prisões, 25 mandados de busca foram cumpridos nos municípios de São Paulo, Osasco, Sorocaba e Barueri. Todas as contas bancárias de titularidade dos investigados foram bloqueadas. Para o MPF, há farta prova que permitirá denunciar os acusados pelos crimes de corrupção, advocacia administrativa (quando o servidor público usa de informações privilegiadas e da função para ajudar um criminoso), lavagem de dinheiro, evasão de divisas e quadrilha.

As investigações começaram com a denúncia de ex-auditor, encaminhada ao Escritório de Corregedoria da Receita. A “venda de fiscalizações” e de informações privilegiadas era feita da seguinte forma: empresários da região de Osasco eram abordados pelos funcionários públicos corruptos, que deixavam de autuá-los em troca de vantagens financeiras.

Segundo a Polícia Federal, os auditores também prestavam “consultoria” para empresas que já tivessem sido autuadas pela Receita Federal, buscando invalidar as autuações fiscais.

O trabalho investigativo demonstrou que os funcionários públicos residiam em casas de alto padrão, realizavam viagens internacionais com frequência e mantinham contas correntes no exterior. Provas obtidas mediante interceptação telemática e telefônica e o monitoramento de encontros com empresários fiscalizados comprovam a corrupção.

A Polícia Federal espreitou durante 8 meses diretores e sócios das empresas e flagrou encontros em escritórios e restaurantes com auditores da Receita. O relatório da PF indica relações muito próximas entre os dois grupos. São 549 páginas distribuídas em dois volumes de documentos ilustrados com fotografias dos alvos da operação e transcrição de interceptações telefônicas e telemáticas.

 

“As interceptações foram eficazes em descortinar o vasto patrimônio gerenciado pelos investigados, muitas vezes consistente em bens registrados em nome de terceiros, com a finalidade de ocultar a sua propriedade, uma vez que ela é incompatível com os rendimentos declarados”, assinalou o juiz Márcio Catapanni.

 

Dez auditores estão sob suspeita. Além dos 5 presos, são investigados Alaor de Paulo Honório, Patrícia Pereira Couto Fernandes, Antonio Ramos Cardozo, Fábio de Arruda Martins e Eduardo Paulo Vieira Pontes.

 

A PF apurou que o auditor João Eisenmann recebia empresários em sua firma particular, Luvamac Equipamentos de Segurança, supostamente para tratar de propinas. Uma funcionária particular dele, Renata Faris, elaborava procedimentos fiscais, embora ela não tenha vínculo com a Receita.

 

A Paraíso Fiscal foi deflagrada a partir de denúncia do auditor Jorge Luiz Miranda da Silva. Em maio, Miranda foi encontrado morto no Instituto Médico Legal de Nova Iguaçu (RJ). Oficialmente, ele foi vítima de acidente de carro. A PF abriu inquérito.

 

Miranda “presenciou uma sequência de fatos, o que corroboraria as suspeitas de corrupção”, diz a PF. Ele contou que, em setembro de 2009, chegou mais cedo ao trabalho e encontrou o auditor Eduardo Paulo Vieira Pontes “trocando páginas de um processo”. Os federais monitoraram festa patrocinada pela auditora Kazuko Tane para 24 convidados. O procurador da República Sérgio Suiama assinala que a PF apresentou contra Kazuko “diversos episódios que indicam padrão de vida bastante incompatível com os rendimentos auferidos”.

 
CONVERSAS
 
Grampo de 22 de junho, 15h19. Auditor João Eisenmann conversa com Benedito Herança, da Contillex Contábil:
 
Eisenmann: Mas ele não tem que pagar a primeira parcela dia 30?
 
Herança: Nós vamos conseguir resolver isso até o dia 30.
 
Eisenmann: A gente merece ganhar o que ganha, Benê. Essa é a verdade, viu?
 
 
Grampo de 2 de junho, 11h09. Einsemann liga para Renata Cristina Faris, sua funcionária, e pede para que ela faça o procedimento fiscal da Osram Lâmpadas:
 
Eisenmann: Então, você consegue aprontar a intimação lá pra Osram até as 9 e meia? Aí eu já saio com ela.
 
Renata: (risos) Tá, eu vou ver. Nem que eu leve pra fazer à noite. Tá dando trabalho, né? Eu não sei se eu tô pegando realmente as maiores notas fiscais. Eu filtrei, peguei os maiores valores. Mas eu tô pegando uma boa amostragem. Tá dando 3 milhões todo mês.
 
Grampo de 4 de abril, às 10h03. Eisenmann conversa com o empresário Ralph Rudnik, da Rudnik Produtos
 
Químicos:
 
Eisenmann: Deu um pouco mais de trabalho do que eu pensava. Bom, depois eu falo, né? Eu tô pensando em passar amanhã à tarde aí. É possível?
 
Ralph: Eu ainda não tô com aquele numerário todo em mãos.
 
Eisenmann: Tá bom.
 
Ralph: Se pudesse ser no dia 8 pra mim… (No dia seguinte, a PF flagrou Eisenmann chegando à sede da Rudnik).
 
Grampo de 12 de abril. A contadora Maura Cheng liga para Eisenmann:
 
Maura: Oi, João. O Chung (dono da gráfica Mega Box) me pediu pra te dar uma ligadinha pra gente ver o que é que a gente consegue fazer daquelas coisas dele lá… da fiscalização.
 
Einsemann: Olha, Maura. Eu acho que não consigo fazer mais nada agora. Talvez se tivesse comunicado antes. A gente talvez podia procurar um caminho alternativo.
 
Maura: E não tem o que a gente possa fazer?
Receita vai refiscalizar nove empresas envolvidas em caso de corrupção

Operação Paraíso fiscal detectou uma rede de auditores acusados de criar uma organização para fraudar fiscalizações; sonegação poderia chegar a R$ 3 bilhões

 

 

A Justiça Federal determinou a refiscalização de 9 empresas citadas na Operação Paraíso Fiscal, que flagrou uma rede de auditores da Receita acusados de integrarem organização criminosa para venda de fiscalizações e corrupção. A ordem é do juiz Márcio Ferro Catapanni, da 2.ª Vara Federal Criminal em São Paulo.

A Paraíso Fiscal, desencadeada há uma semana, prendeu 8 investigados, incluindo 5 auditores. A revisão de ações fiscais foi sugerida pela Polícia Federal. O delegado Otávio Russo suspeita de fraudes nos procedimentos. A ordem judicial atinge inicialmente Rehau Indústria Ltda, Natural Chemicals Laboratório de Bioativos Ltda, Leste Marine Importação e Exportação Ltda, Osram do Brasil Lâmpadas Elétricas Ltda, RR Donnelley Editora e Gráfica, Frenesius Hemocare Brasil, Rudnik Comércio de Produtos Químicos, Gráfica Megabox e Electro Plastic.

As empresas mantêm sede ou área de produção na região de Osasco e Cotia (Grande São Paulo). Os auditores atuavam na Delegacia da Receita de Osasco – Rogério Cesar Sasso, José Geraldo Martins Ferreira, Kazuko Tane, José Cassoni Rodrigues Gonçalves e João Francisco Nogueira Eisenmann. O doleiro Carlos Dias Chaves faz companhia ao grupo. O filho e a mulher do auditor Cassoni foram detidos temporariamente.

Os auditores reduziam o valor de multas ou excluíam empresas do cadastro de devedores de tributos. Teriam vendido cerca de 100 fiscalizações e amealhado R$ 200 milhões. A Receita estima em R$ 3 bilhões o montante sonegado por empresas.

O relatório da PF descreve uma vida suntuosa dos auditores. Foram confiscados na residência dos acusados R$ 12,9 milhões em dinheiro vivo. Eles foram vigiados por oito meses. Os federais fizeram imagens e gravaram telefonemas dos auditores negociando com empresários.

Para o juiz, “ficou evidente a intervenção dos servidores em procedimentos fiscais, em favor das empresas, com o objetivo de burlar a fiscalização e o consequente pagamento de tributos”.

No caso da Osram, a PF reconhece que “não é possível afirmar que houve irregularidade no término desta fiscalização”, mas pediu nova ação fiscal. A Osram informou que a fiscalização aconteceu “de forma oficial, a partir do recebimento do Mandato de Procedimento Fiscal”. “A Osram é sempre solícita às exigências dos órgãos que compõem o governo, em suas diferentes esferas, e esclarece que foi acionada por vias autênticas e recebeu os auditores durante visitas formais e de rotina, apresentando prontamente todos os documentos solicitados.”

Segundo a Osram, a fiscalização não encontrou nenhuma irregularidade. “Todas as etapas dessa fiscalização, considerada suspeita pela Corregedoria da Receita, estão devidamente documentadas e podem facilmente ser apresentadas à PF.”

A Rehau negou categoricamente “qualquer relação” com a Paraíso Fiscal. Em nota, a empresa destaca que sua atuação tem “a transparência e o respeito integral à legislação vigente como regras básicas de atuação”. “A Rehau não foi requerida ou intimada pelas autoridades para nenhum tipo de esclarecimento, não está sob nenhum tipo de fiscalização, nem respondendo por qualquer tipo de irregularidade perante instâncias judiciais ou policiais.”

A contadora Maura Soon Cheng, que trabalha para a Gráfica Megabox, confirmou ter se encontrado com o auditor Eisenmann, mas negou que tenha tratado de propinas. “É um absurdo. A empresa foi autuada. A refiscalização pode até ser boa para a empresa, porque não concordamos com a autuação.”

Maura admitiu ter ido à Luvamac Equipamentos, empresa de Eisenmann. “É até normal a gente se encontrar com o fiscal na Receita ou em outro lugar. Como pessoa, (Eisenmann) é excelente. Ele sugeriu que eu passasse (na Luvamac). É caminho para a casa de minha mãe. Pensei: posso tomar um cafezinho. Não quer dizer que tenha havido tratativas.”

Não foram localizados os responsáveis pela Natural e Leste Marine. As outras empresas não responderam os contatos feitos pela reportagem.

Fonte: Rede Globo