‘Cirurgia radical usada só em casos especiais’, diz Drauzio de mastectomia
Atriz Angelina Jolie provocou discussões no mundo inteiro ao revelar que tirou os seios preventivamente para evitar o risco de ter câncer de mama.
Uma das maiores estrelas do cinema foi notícia esta semana no mundo inteiro ao revelar que tirou os seios preventivamente para evitar o risco de ter um câncer de mama. Agora, o doutor Drauzio Varella vai esclarecer: será que a decisão da atriz Angelina Jolie foi a mais acertada? O que devem fazer as mulheres que estão na mesma situação?
“É uma decisão difícil, mas ao mesmo tempo a gente vive com aquele fantasma que persegue a gente”, diz Odete.
A história da família Lopes é contada por suas sobreviventes.
“Minha irmã mais velha, Rosângela, teve um câncer de mama aos 29 anos. E ela faleceu com 36 anos. As quatro irmãs do meu pai faleceram com câncer de ovário. E a minha prima, que faleceu com 26 anos com câncer de mama também”, conta Rosana.
“A gente ficava assustada: será que vou ser a próxima?”, destaca Odete.
Odete, Teresa, Célia são tias de Rosana. As quatro têm uma alteração genética que aumenta muito o risco de câncer de mama e de ovário ao longo da vida.
“Essas pessoas que têm a doença herdada recebem do pai ou da mãe delas um gene defeituoso, alterado”, explica o médico geneticista Bernardo Caricochea.
Foi essa mesma falha genética que levou a atriz americana Angelina Jolie a escrever um artigo que surpreendeu o mundo esta semana: “Eu e meus filhos muitas vezes falamos da mamãe da mamãe, e eu tento explicar a doença que a levou. Eles me perguntaram se o mesmo poderia acontecer comigo”, diz um trecho.
Aos 37 anos, Angelina retirou as duas mamas para reduzir o risco de câncer. A mãe da atriz morreu aos 56 anos. Teve câncer de mama e de ovário.
A hereditariedade está envolvida em 5% a 10% dos tumores malignos das mamas. Existe um jeito de saber se a pessoa, mulher ou homem, carrega essa alteração genética. O teste genético é realizado com uma amostra de sangue ou de saliva. No DNA dessas células, o médico estuda os genes BRCA 1 e BRCA2 à procura de determinadas mutações relacionadas com o aparecimento de tumores.
Drauzio Varella: O fato de você ter o gene defeituoso não quer dizer que você vá ter o tumor de mama com certeza absoluta…
Bernardo: Perfeitamente. Isso significa, às vezes, que você tem o risco maior. Porque não é o gene que causa o câncer diretamente.
Você deve desconfiar de uma alteração genética se tiver câncer de mama ou ovário com menos de 35 anos, se duas ou mais parentes de primeiro grau – mães, irmãs ou filhas – tiverem câncer de mama ou ovário, se alguma parente tiver câncer nas duas mamas e se algum parente homem tiver câncer de mama.
O teste para os genes BRCA 1 e 2 é complicado, demorado e muito caro. Não é um exame para matar a curiosidade de ninguém e deve ser pedido por um médico que vai analisar o número de casos de câncer de mama e de ovário na sua família. Quando há indicação, e somente quando há indicação, existe uma lei que obriga os planos de saúde a pagar o exame.
Com o resultado positivo, o próximo passo é analisar as opções para se proteger. Uma delas é tomar um medicamento que se opõe à ação dos hormônios femininos nas células mamárias, tratamento disponível no SUS.
Angelina optou pela solução mais radical. “Decidi ser proativa e diminuir os riscos ao máximo. Eu tomei a decisão de fazer uma dupla mastectomia preventiva”, declarou no artigo.
Nesse tipo de cirurgia, é feito um corte na pele através do qual é extraída a glândula mamária inteira. Se no mamilo não houver nenhum tumor, ele poderá ser preservado. É deixada apenas uma camada de meio centímetro de gordura para manter a pele em boas condições. A última fase é a reconstrução com próteses de silicone, acomodadas embaixo do músculo peitoral para que não saiam do lugar.
“Essa técnica proporciona uma redução para risco de câncer de mama da ordem de 95%”, explica o médico mastologista Alfredo Barros.
Claudia optou pela retirada dos seios. A história da família dela é parecida com a da família Lopes: “O câncer para nós era a morte”, ela diz.
Ela perdeu nove parentes para a doença. “Eu me sentia programada para morrer aos 40 anos. Hoje eu me sinto desprogramada”.
Mas há desvantagens na operação. Não se deve enxergar a mastectomia como um simples implante de silicone.
“Cerca de 20% das mulheres que fazem a mastectomia subcutânea não ficam felizes com o resultado estético final”, avalia Alfredo.
Existe o risco de os seios ficarem desiguais. E a mulher perde a sensibilidade na região.
As mulheres que apresentam defeito nos genes BRCA 1 e 2 não precisam obrigatoriamente retirar as duas mamas. Essa é uma cirurgia radical usada apenas em casos especiais. A alternativa é fazer exames frequentes: ultrassom, mamografia e, principalmente, ressonância magnética para detectar o tumor assim que ele aparece em uma fase em que é curado com facilidade.
Odete até agora, não fez a retirada das mamas.
Drauzio: E por que você está resistindo? O que você está pensando nesse momento?
Odete: Sinceramente, dúvida da cirurgia, eu não tenho. Às vezes eu fico muito tensa, muito triste de pensar. Porque é difícil tirar um órgão que eu sei que está saudável.
“A decisão é muito mais complexa e a decisão é sob medida para cada pessoa. Não cabe ao médico impor uma conduta”, destaca o médico.
Odete faz exames rigorosos a cada seis meses. Ela e a irmã Célia são atendidas na Universidade de São Paulo pelo Sistema Único de Saúde. Mas essa assistência fora dos centros universitários é difícil de ser conseguida. Os testes genéticos, que podem custar até R$ 7 mil, não são oferecidos pelo SUS.
“Eles são encarados como testes que vão onerar o Estado, quando, na minha interpretação, eles vão reduzir custos do Estado, a médio e longo prazo, com as pessoas se prevenindo”, diz médico geneticista Salmo Raskin.
“Se fosse concentrado em alguns centros nos quais o SUS cobriria os estudos, o estudo poderia ser feito em alto volume, o que baratearia bastante o custo do procedimento”, avalia diretor do Instituto do Câncer do estado de SP, Paulo Hoff.
A maior preocupação das famílias portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA 2 é com os descendentes.
Yara, filha de Rosana, ainda não fez o teste, por medo. Ela deseja que seus filhos, Isabela e Matheus, não precisem passar por essa situação traumática.
Drauzio: Aconteceu muita coisa ruim na família, mas estão vindo outros, uma nova geração.
Odete: Essa criança aqui vai ter mais chance do que a gente, se Deus quiser.
As mulheres da família Lopes esperam que avanços na medicina permitam corrigir esse defeito genético, como se fosse um brinquedo quebrado.
Fonte: Globo
Câncer – cartão de embarque para onde?
por Marilene Pitta
Vivemos num momento aterrorizador para nós mulheres. As
pesquisas dão um indicativo cada dia mais crescente das estatísticas do câncer
em nós. É uma doença maliciosa, chega sem avisar, nenhum
sinal.
Instala-se e nos leva para o abismo do medo. Passei pelas bancas
de revistas e só vi estampada a beleza de Angelina Jolie (assustada e bela).
Tomou uma decisão que mexeu com a psique de todas nós mulheres. Teve acesso à
informação que tinha 80% de chance de ter um câncer de mama. Tomou uma decisão
radical: se o alvo são os meus seios… tiro-os e me livro desse tiro certeiro.
Como em alguns dos seus filmes famosos: atiro fora do meu caminho. Atiro e mato.
Pronto. Estou salva.
Foi nesse contexto de opiniões, análises de gente
contra, gente a favor,que me veio novamente o registro de quando a morte chega
sem pedir licença.
Isso aconteceu comigo (há mais de vinte e cinco anos).
Minha querida irmã (filha depois de mim, que sou a mais velha, uma guerreira,
lutadora, valente de um riso encantador; gente boa minha irmã.). Adorava Roberto
Carlos. Fera ferida era a sua música. Um dia foi ao médico e veio com a seguinte
notícia: vou cuidar de mim, tenho um tumor e a operação será na próxima semana.
Foi tão assustador para mim que emudeci. Vaidosa não tirou o seio, quis o peito
machucado perto do seu coração.
Engraçado que ela falava de tantos planos
que o câncer foi chegando devagar e tomou conta. Meu Deus! Hospital. Cuidados.
Quimioterapia. Viagens e viagens em busca da cura. É nítido em minha lembrança
quando estávamos na sala e passava um trio elétrico. Ela veio se arrastando. Não
deu tempo ir atrás do trio. Ficou o som. O trio elétrico se foi. Naquele
instante, a morte tornou-se presente. Era como uma rainha, dava as ordens e
todos tinham que obedecer sem protesto. Você vai. Você fica. A longa fila de
todos obedecendo à senhora morte sob o olhar vigilante do câncer que não saía do
lugar. Devorava o corpo. Tinha fome de cabelos e eles caiam fartamente. A dor
era calada. A ferida era intensa. Orações. Promessas. Como rezávamos e
confiávamos. A família unida segurando o choro e esperando… Enfim, ela veio e
levou a minha irmã, mãe de uma linda menina (hoje uma fisioterapeuta
empresária). Tinha sete anos e a mãe 26 anos! Feroz esse câncer!Fiquei sem saber
o que fazer com uma perda tão jovem, bela e cheia de planos.
A dor foi
tanta que não se esgotou com o tempo. Refleti e rezei muito. Depois tomei uma
decisão: vou fazer alguma coisa. Dizer como é a senhora da morte, como chega, os
sintomas, os cuidados. Enfim, falar algo. Expressar a dor. Mais uma vez,
agradeço a arte, a poesia e a palavra que veio rápida. Texto pronto sobre o
“Câncer”.
Vamos à luta. Marquei hora com o médico oncologista que tinha
cuidado da minha irmã. Texto, trilha sonora, personagens, história. Então, eis
aqui uma proposta de Saúde-Educação. Leia e decida se estamos juntos nessa luta.
Deveríamos fazer um trabalho de Arte, Teatro-Educação sobre o câncer para a
população de nossa amada cidade. Ele me pediu um tempo.
Depois de uma
semana me ligou e disse: não sei nada de encenação, mas vamos fazer, é uma forma
de informar à nossa comunidade sobre os exames preventivos e discutir essa
questão da morte de uma forma reflexiva.
Iniciamos o processo.
Convocamos professores, pessoas da comunidade. E o elenco foi se formando com um
laboratório vivo e tocado pela presença de todos. Os ensaios à noite. Lá
ficávamos discutindo com o grupo. As falas. Os gestos. As marcações. A
iluminação. A trilha sonora. A composição dos personagens. Uma professora
conceituada na cidade resolveu fazer uma cena com os seios à mostra explicando
como se faz um exame. Esse trabalho nos fez muito bem, um exorcismo da senhora
morte. Entendi o quanto um sistema de crenças inadequado com ideias falsas,
valores incorretos podem e vão prejudicar a saúde de nossa psique. O corpo fala,
as emoções se expressam, as dores da alma quando caladas e sufocadas reagem e
enlouquecem. Os sentimentos furiosos dentro de cada uma de nós fazem um desastre
terrível.
A cada ensaio, as pessoas ficavam mexidas e falavam com as famílias
e uma rede de solidariedade cresceu e se fortaleceu.
Assim foi. Pensava
em minha irmã, tomava fôlego e ia em frente. Tudo pronto. Teatro lotado. Gente
de todo lugar. Pobre. Rico. Silêncio absoluto. O câncer se mostrava para todos e
todas. A senhora da morte como uma imperatriz nos olhava. As pessoas não
aplaudiram, elas silenciaram. Todas as mulheres sabiam dos riscos. Fizemos
denúncia dos planos de saúde. Da necessidade de projetos para a Saúde da Mulher.
Há quase 30 anos…
Fomos para os bairros mais pobres. A encenação era
onde dava para fazer. Eu sabia que estava me reconstruindo, curando as feridas,
cicatrizando a alma em perplexidade. Nesse trabalho, o poeta Manuel Bandeira
muito ajudou nas suas poesias. Fizemos o nosso melhor. Certamente, na memória de
cada pessoa está essa história de vida.
Aí, depois de várias encenações
fiquei em paz. Vi a população mais consciente dos riscos. Depoimentos de
mulheres que fizeram os exames e estavam conseguindo uma sobrevida. Parece que
quando se fala sobre o assunto ele perde a força do apavoramento, do medo, da
perda.
Assim, agradeço essa experiência à minha irmã que me ensinou a
morrer com dignidade e altivez. Numa tarde linda, ela se foi. Fez a passagem em
meus braços. Entre rezas e lágrimas, o câncer passou por nós.
Hoje, medito e
falo para o meu corpo: vamos vivendo com beleza, com alegria, com mais silêncio,
com mais amor. Libere, amado corpo pensante, a palavra não dita, o abraço
recusado, o beijo não roubado, a mágoa que se vai como uma chuva fina que cai na
calçada. Estamos no Outono, estação da renovação da Natureza e que esse processo
também se faça em nós. O possível! Aprender a abençoar cada dia, cada coisa com
afeto que jorra da fonte do coração puro.
Foi o jeito que encontrei para
conviver com o fantasma do câncer. Ele deve estar dormindo em meu corpo, afinal,
somos irmãs. Em relação à Angelina Jolie -anjo de luz- as mamas se foram, os
riscos diminuíram… E se ele vier por outra via… Uma transversal… Um
atalho…
Um caminho torto. Nunca se sabe. Ainda acredito que ter consciência
é o caminho saudável para as aventuras do viver e do morrer…
Quando???
Interrogação de pernas ar. Ainda bem.
Não temos o controle quando ela
virá ao nosso encontro, chamar-nos pelo nome, e mesmo que não queiramos teremos
que dizer: presente. Lá vou eu. Levando nas mãos o cartão de embarque… Para
onde…
Prefiro o céu iluminado!
Fonte: Site Vidanova