Eles já somam cerca de 70 pessoas que começaram a participar das passeatas
principalmente depois do dia 26 de julho, quando 13 agências de banco foram
destruídas em São Paulo. Esse dia ficou marcado como a primeira manifestação
convocada pelos adeptos da tática Black Bloc, grupo que prega a destruição de
bancos, lojas, lanchonetes como forma de se manifestar politicamente.
Eles têm entre 15 e 25 anos, são de classe média baixa, estudaram em geral em
escolas públicas e universidades privadas. Formam, no entanto, uma massa
heterogênea, integrada por professores, analistas de sistema, ecologistas,
ex-presidiários e internos da Fundação Casa. A maioria conheceu os protestos
somente depois que o Movimento Passe Livre (MPL) foi para as ruas, nas
manifestações de junho, que acompanharam como coadjuvantes.
“As ações do MPL foram uma aula. Eu já sentia muita raiva, mas só depois de
junho eu aprendi o que era ação direta, como a violência pode provocar mudanças
no sistema. Esse tipo de protesto é o resultado do ódio que eu sinto contra o
sistema. O objetivo é destruir para construir”, disse um dos adeptos da
tática.
Para compreender as motivações desses encapuzados, o Estado conversou com
cinco black blocs – duas mulheres e três homens. Também teve acesso às
impressões e à parte dos diálogos que a professora Esther Solano, do curso de
Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e o
professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas, vêm travando com esses
jovens.
Nos últimos dois meses, eles conversaram com cerca de 20 ativistas, que
conheceram nas manifestações. “Nosso objetivo é compreender o papel da violência
nos protestos. Ela faz parte das ações policiais e dos manifestantes. Isso diz
algo a respeito de São Paulo e do Brasil”, diz Esther, de 30 anos, que é
espanhola. “Não adianta simplesmente fingir que o fenômeno não existe. Pode
mostrar algo que ainda não sabemos”
A estratégia de ação dessa nova fase black bloc mudou. Na época do MPL, a
depredação ocorria só depois que a Polícia Militar tentava dissipar os protestos
ou desbloquear as vias. Os integrantes agiam em nome da redução da tarifa. “A
tática da reação é inspirada nos manifestante europeus. Depois de julho, quando
os black blocs começaram a convocar os protestos, passou a se adotar o estilo
americano, criado em Seattle, que ataca mesmo antes de ser provocado. A
depredação não tem objetivo claro. Mostra a indignação e a raiva.”
Grito. A agressividade teve inspiração nos black blocs do
Rio. É dos mascarados fluminenses a ideia do grito que antecede os rituais de
quebra-quebra, similar aos macacos ou homens da caverna: uh-uh-uh. Nas
manifestações paulistas do MPL, em junho, na primeira fase dos protestos, o som
característico eram os gritos políticos e o som do bumbo da Fanfarra do Mal.
Desde 7 de setembro, quando a tática black bloc foi reproduzida em diversos
Estados brasileiros e 200 pessoas foram detidas, a repressão se intensificou.
Boa parte deles já foi detida. Muitos estão recebendo intimações para comparecer
a delegacias. “O cuidado foi triplicado. Tiramos perfis do Facebook, aprendemos
programas para embaralhar mensagens”, diz.
Na semana passada, o excesso da tática black bloc voltou a repercutir na
imprensa quando jovens mascarados lançaram bombas, frascos de coquetel molotov e
bolas de ferro contra os policiais. Numa das cenas mais simbólicas da
manifestação, black blocs viraram um carro da Polícia Civil. “Foi lindo. Foi um
troféu”, disse um deles. “Somos contra a violência contra pessoas. Mas, no caso
da polícia, eles representam o Estado que age contra nós de forma violenta”,
explica um integrante.
Depois da confusão, na terça-feira, o governo de São Paulo anunciou uma
força-tarefa para enfrentar os adeptos da tática. Quem for pego depredando
patrimônio nas manifestações será enquadrado por associação criminosa. “Isso não
vai diminuir as ações. Novos protestos vão ocorrer. O nosso foco é a Copa do
Mundo e a Olimpíada”, diz uma black bloc.
Fonte: Estadão
RJ: ‘musa’ dos Black Blocs critica Veja e questiona fama de ‘sex symbol’
Terra conversou com Emma, jovem que surgiu como representante nas redes sociais da ala feminista do grupo Black Blocs, que tem tomado a dianteira das manifestações em todo o País
Olhos claros, rosto encoberto. Fama de namoradeira, discurso político afiado. No universo negro, sem trocadilhos, dos Black Blocs, ela surgiu como representante nas redes sociais da ala feminista do grupo que tem tomado à dianteira das manifestações em todo o País. “Não sou feminista, as pessoas confundem muito”, tratou logo de avisar. Há cerca de duas semanas, ao contar um pouco de sua trajetória em entrevista para a Mídia Ninja, órgão independente que se tornou a voz dos ativistas, ficou ainda mais conhecida pelo fato também de ter o nome da famosa anarquista do século XX, a lituana Emma Goldman, que, com seus artigos e atitude anticapitalistas, foi a referência do movimento na época, na América do Norte.
A jovem Emma, simples assim, sem maiores detalhes de sua vida pessoal, é uma manifestante de 25 anos, do Rio de Janeiro, que virou o rosto da capa da revista Veja para ilustrar uma extensa reportagem sobre os Black Blocs, movimento que tem fama de arruaceiro e de enfrentamento para com a Polícia Militar.
“Usaram uma foto minha sem a minha autorização. Foi surpreendente para mim”, esclareceu em entrevista na qual o Terra foi autorizado a participar, junto com integrantes da Mídia Ninja, em plena avenida Delfim Moreira, no Leblon, próximo ao apartamento onde vive o governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB), o grande alvo das manifestações no Rio de Janeiro. Emma é integrante do Ocupa Cabral, movimento que há 23 dias acampa no local para pedir a renúncia de Cabral.
Totalmente arredios a entrevistas para o que chamam de “grande mídia sensacionalista”, os jovens de ambos os movimentos costumam convocar assembleia para decidirem se concedem ou não entrevista para um determinado órgão de imprensa. “A gente até acredita no jornalista, no profissional, mas a gente sabe que quando ele levar aquele material para dentro da redação eles vão ser manipulados”, disse Emma, em sua opinião.
Com o Terra, a situação não foi diferente. O repórter fotográfico Daniel Ramalho foi “aprovado” e teve acesso ao encontro marcado e gravado para que Emma apresentasse sua fúria, recheada de argumentos, para com o seu perfil publicado pela Veja. “Eles provavelmente pegaram esse depoimento do Mídia Ninja e cataram umas frases avulsas. Essa questão da manipulação tendenciosa é que eu me sinto sacaneada (sic). E fico bem irritada, pois eu fico imaginando quem é que está por trás disso, qual é a intenção real disso, quem é que está mandando?”, opinou a jovem.
“Eu não me sinto ofendida, até porque a gente conhece o histórico político da Veja e se a gente for analisar todas as pessoas que foram execradas pela revista até que eu estou num hall bem bacana. E eu acho que ser ridicularizado pela Veja significa que a gente está certo. Se eu recebesse qualquer tipo de apoio ou aprovação, sinceramente, iria desfazer esse acampamento e começaria tudo do zero”, completou.
Eu estou cagando para o que as pessoas vão dizer
A publicação em nenhum momento diz que conversou com Emma, e usa informações, de fato, do que foi dito na entrevista anterior ao Mídia Ninja, para reunir informações como, por exemplo, que a jovem saiu de casa aos 16 anos para viver numa favela e que chegou a trabalhar num banco, antes de abandonar o emprego “por desobediência civil”. Ela publicará em sua página pessoal no Facebook uma carta aberta a Veja na qual repudia o tom do artigo. E esclarece que a camisa vermelha da foto “é a bandeira da Paraíba” e que o grupo “não tem estoque grande de roupa preta, nenhuma loja de rock resolveu patrocinar os Black Blocs”, ironizou.
Para a manifestante, a fama repentina junto com sua foto espalhada, inclusive, em outdoors pelo País pode, no final, acabar sendo considerado “um favor para mim com toda essa visibilidade, porque se eu sofrer qualquer tipo de tentativa de agressão e homicídio, as pessoas já sabem quem é a Emma. E se tentarem algo, isso pode ser estopim para uma revolta ainda maior”. “Eu temo, sim, pela minha vida, temo pela minha família, mas isso não vai me cercear. Não vou sair do Ocupa Cabral, e não vou deixar de ir às manifestações”, disse ainda.
Se não esclareceu nome e sobrenome, Emma, ao menos, repercutiu a fama repentina tratando logo de desmentir o que considerou uma série de boatos que vêm surgindo a seu respeito. “Tem gente dizendo que eu estou fazendo vídeo de inscrição para o Big Brother Brasil. Outros que eu vou posar para a Playboy. Se eu for realmente começar a ficar paranoica com essa gente vai começar a dizer, eu vou parar para me preocupar só com isso e vou parar de fazer coisas extremamente importantes aqui dentro”, justificou.
Eu sou realmente namoradeira e acho triste as pessoas que não fazem esse tipo de coisa
EmmaIntegrante do Ocupa Cabral
Sorridente, ela disse não entender o fato de que seus olhos claros, esverdeados, possam ter o poder de torná-la uma espécie de “sex symbol” das manifestações. “Eu achei muito engraçado o fato das pessoas terem começado a me fazer muitos elogios, me chamando de linda, e bonita. Com uma máscara! Como as pessoas conseguiram associar a isso se eu estou coberta? Claro que tem a questão dos olhos, mas tem outras meninas de olhos claros aqui na ocupação. Isso é uma bobagem”, explicou.
“Eu tenho vaidade de cuidar do cabelo (por exemplo). Isso me foi imposto de certa forma e é difícil me desvincular disso. Posso dizer que não teve tratamento melhor do que permanecer ocupada numa via pública. Não tem como você ter controle disso, e você está preocupada com coisas muito mais importantes”, esclareceu ainda sobre se é vaidosa ou não sem ter um lugar certo para tomar banho e fazer suas necessidades básicas – ela também participa da ocupação na Câmara Municipal de Vereadores contra a presidência e relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ônibus.
Ela tratou também de deixar claro “que as mulheres que estão na ocupação não ficam lavando a louça, enquanto os homens ficam preparando a parte pesada. Pelo contrário. As mulheres têm tido uma voz muito mais respeitada e ouvida do que muitos homens aqui.”
Fonte: Veja