Sabe aquele jantar romântico que inúmeros casais farão hoje para comemorar o Dia dos Namorados? Boa parte de tais ceias românticas só acontecerá porque essas pessoas dividiram, um dia, o mesmo local de trabalho. Uma pesquisa feita por um portal de carreiras identificou que, num universo de 3.015 consultados, 12,5% já haviam tido (ou ainda têm) uma relação mais do que afetuosa com um colega da empresa.
E não são apenas casos pontuais na vida. Apesar de a maioria (61,9%) relatar apenas um relacionamento no trabalho, aqueles que tiveram dois somam 21,8%, ao passo que três são 7,8% e de quatro a treze (!) representam 8,5%.
Foi a primeira vez que o Vagas.com fez um levantamento como este e os resultados, segundo o coordenador da pesquisa na empresa, Rafael Urbano, surpreenderam.
— Como o brasileiro é muito expansivo, a gente achou que teria um número mais expressivo. E de, uma maneira geral, as pessoas se mostraram cautelosas. Dentro da parcela dos que afirmam nunca ter tido um relacionamento dentro da empresa, a maioria (54,9%) disse que não mistura vida pessoal com profissional — destaca.
Para o psicólogo e pesquisador da comunicação humana na Escola de Ciência da Informação da UFMG, Cláudio Paixão, a pesquisa exibe nada mais que uma consequência natural do convívio humano. Afinal, como ele ilustra, se nem mesmo uma igreja está livre de suscitar encontros amorosos, imagine um local onde as pessoas passam a maior parte do dia?
— Com tanto tempo junto, é normal que os colegas comecem a reparar em gostos semelhantes e atributos físicos atraentes. Isso acaba criando uma conexão, que pode fluir para um relacionamento — explica.
CHANCES DE FINAL FELIZ
Foi o que aconteceu com o casal Anna Amélia Cotta, de 48 anos, e José Carlos Freitas, de 58, hoje com 25 anos de união. Eles se conheceram quando trabalhavam juntos na Mesbla. Na época, ela era noiva há cinco anos e ele tinha um namoro de um ano. Apaixonados, tiveram duas tarefas: a de romper os relacionamentos anteriores e a de avisar aos chefes sobre o relacionamento.
No primeiro mês, a gente escondeu na empresa. Mas depois sentei para conversar com minha chefe e contei. Ela foi ótima e, inclusive, foi madrinha do nosso casamento, que aconteceu um mês depois do início do namoro — conta Anna.
Matrimônio selado, o casal se mudou para Belo Horizonte onde continuou na Mesbla, porém em lojas diferentes, em função do relacionamento. Depois disso, vieram filhos trigêmeos, novas carreiras e eles ficaram 23 anos trabalhando em empresas variadas até voltar, no ano passado, para o mesmo local de trabalho. Ambos são professores da Universidade Estácio de Sá.
— Sentíamos falta de trabalhar juntos, porque sempre tivemos uma boa harmonia na vida pessoal e laboral. A vantagem é que temos mais assuntos em comum e conseguimos organizar melhor nosso convívio familiar. Conciliar férias, por exemplo, é um grande vantagem — destaca Anna.
Se eles tiveram um final feliz, é porque souberam lidar da maneira correta com a situação. Segundo Ana Ligia Finamor, coordenadora dos MBAs da Fundação Getulio Vargas e doutora em desenvolvimento humano, os cuidados devem ser minuciosos. Para dimensionar a importância disso, ela vai direto ao ponto:
— O meio corporativo é muito competitivo. Se você der espaço, alguém pode usar o seu relacionamento para puxar seu tapete.
Nesse sentido, a primeira dica da especialista é jamais esconder o relacionamento. Manter tudo às claras diminui as chances de fofoca e especulação. Na sequência, ele destaca que demonstrações de carinho e utilização de apelidos carinhosos também devem ser evitados, até mesmo em canais de comunicação privados da companhia.
AGIR NATURALMENTE É FUNDAMENTAL
— Outra coisa fundamental é não se afastar dos colegas. Se possível, vale evitar ficar perto do parceiro ou da parceira dentro da empresa. E se os cargos forem de diferentes níveis hierárquicos, o cuidado deve ser ainda maior. Todos os critérios por trás de uma decisão precisam ficar devidamente esclarecidos para que a equipe não levante suspeitas de favorecimento — aconselha.
Para Ana, existe apenas um caso em que nenhuma dessas dicas se aplica: quando a empresa proíbe de maneira expressa o relacionamento.
— Se este é o quadro, a pessoa tem que escolher entre o namoro ou a empresa. Porque certamente será demitida, mesmo que o motivo alegado seja outro — afirma Ana, ponderando que isso é cada vez menos frequente.
A pesquisa feita pelo portal de empregos também questionou se as empresas onde as pessoas trabalham têm políticas sobre relacionamento amoroso entre colegas. A maioria (56,7%) afirmou que não há nada nesse sentido, enquanto 24,5% disseram que sim. Já uma parcela de 18,8% não soube responder.
Segundo o presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RJ, Marcus Vinícius Cordeiro, a empresa não pode proibir, porque isso seria uma invasão à privacidade. Entretanto, é possível estabelecer normas gerais de comportamento e conduta, como proibir manifestações de carinho.
— Judicialmente, a alegação de que mandou embora por causa de um relacionamento não é válida. Mas argumentos como brigas e utilização do relacionamento para exercer influência podem até acabar em justa causa — avisa Cordeiro.
Para evitar mal-entendidos, a L’Oréal Brasil estabeleceu uma política sobre esse tema. Pela regra, a empresa não impede a contratação ou a relação (seja de parentesco, amoroso ou de amizade), mas orienta que tanto funcionários quanto candidatos a uma vaga façam a indicação da existência desse vínculo, para que haja transparência em relação a um eventual o conflito de interesse.
— Já registramos casos do tipo, que foram solucionados com transparência, por meio dos canais disponibilizados. A mitigação do conflito de interesse se dá pelo remanejamento dos colaboradores envolvidos a outras áreas, sem que haja prejuízo ao desenvolvimento profissional dos mesmos, mas de forma que suas carreiras não se cruzem, ou, ainda, criando-se mecanismos de controle, com avaliação de gestores e terceiros no processo — afirma a diretora de ética da companhia, Rosmari Capra-Sales.
O psicólogo Cláudio Paixão, lembra que o mais difícil, na verdade, costuma ser administrar o outro lado da moeda, quando o assunto é relacionamento: brigas e términos que possam gerar o temido “climão” exigem mais maturidade ainda dos envolvidos.
— Talvez seja por isso que algumas empresas veem os relacionamentos com maus olhos. Não pelo durante, mas pelo depois — ressalta ele.
EXERCÍCIO DIÁRIO
O casal Leandro Amaral, de 35 anos, e Andréa Mendes, de 34, está há nove anos na Rádio Ibiza. Os dois já estavam juntos antes de entrar na empresa e comentam que o aperfeiçoamento no convívio é constante. Ele é gerente de TI e ela, assistente. Por causa da hierarquia, Andréa precisou controlar alguns instintos.
— Sou um pouco temperamental e, às vezes, era difícil aceitar ordens dele, como chefe. Mas aí, respirava fundo, e seguia enfrente. Também cheguei a sentir ciúme, mas trabalhei o autocontrole e resolvemos tudo na conversa — menciona.
Leandro também capricha nos cuidados para que nada saia errado.
— A gente só se trata pelo nome, mesmo por e-mail. Temos que ser profissionais. Senão a coisa não anda — afirma.
Fonte: O Paraná