Caos na educação

O Brasil vive uma das situações mais críticas de sua história na área do ensino, com escolas fechando as portas, faculdades demitindo e alunos sem aulas — até mesmo as virtuais. Tudo isso coloca em risco não apenas as gerações do amanhã, mas o próprio desenvolvimento do País

Crédito:  GABRIEL REIS

INDEFINIÇÃO Estudante Amanda Minet está sem aulas presenciais e virtuais desde março: continuação do curso é incerta (Crédito: GABRIEL REIS)

No campo da educação, 2020 é um ano praticamente encerrado — e perdido no tempo. Uma combinação de fatores não lhe poderia ter sido mais nociva, alguns deles decorrentes uns dos outros, já os demais fixados pelas mais diversas razões: pandemia, caos econômico, crise política, desgoverno total do País. Junte-se a isso uma gestão federal que olha o setor educacional como inimigo e tenta ideologicamente o seu aparelhamento — estratégia típica de regimes autoritários. Ilustra a desimportância que o presidente Jair Bolsonaro dá à educação o fato de que o Brasil já vai para mais de duas semanas sem um ministro para esse setor — e, até agora, somando-se os três que passaram pela pasta (o último, o das mentiras, sequer tomou posse) o resultado é zero. O primeiro foi um pândego, o segundo trocava Franz Kafka por Kafta e o último sofre de mitomania. Não é apenas a educação que sai lesada, mas, também, o próprio desenvolvimento do País.

O apagão começa no ensino infantil particular. Sem conseguir refinanciar dívidas e com a perda de quase metade dos alunos, a única saída para muitas escolas de pequeno porte foi fechar as portas. A falta de aderência ao ensino à distância por parte de crianças (o que é mais que normal) e a desistência de muitos pais desempregados levaram a uma situação insustentável. Estima-se que até 10% dos alunos deixaram as escolas privadas de ensino fundamental em todo o País, mas a evasão em escolas que atendem crianças de zero a três anos pode chegar até 80%. A situação pode ser exemplificada pela carioca Ednalva Maria dos Santos, mãe da garotinha Alice, de três anos de idade. Ela retirou a menina da escolinha no bairro de Cavalcante, na zona Norte do Rio de Janeiro. Ednalva é a única que ainda tem emprego na família. “O escola até reduziu a mensalidade, mas a minha situação financeira está desesperadora”, diz ela. Além do monstro da miséria, há outro monstro, esse invisível e que se chama coronavírus. Juntamente à falta de dinheiro, aí vem o medo de morrer, esse generalizado em todo o mundo: “não vou ter coragem de levar minha filha quando as aulas voltarem porque o risco ainda é grande”.

DUPLO SOFRIMENTO Ednalva e a filha, Alice, de três anos: medo do futuro financeiro e do presente de pandemia (Crédito:Divulgação)

Estima-se que até 300 mil docentes podem ter perdido seus empregos em todo o País. Em São Paulo, das 11 mil escolas que atendem desde o ensino infantil até o técnico, 80% possuem menos de 500 alunos, segundo o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp). A expectativa é de que essas insituições tenham perdido o equivalente a uma receita mensal completa, de acordo com o presidente da entidade, Benjamin Ribeiro da Silva. Com isso, cerca de 30% dos berçários, que atendem crianças de zero a três anos, não sobreviverão: alunos das primeiras séries do ensino fundamental deverão migrar para as escolas públicas, que poderão não absorver tanta demanda. No ensino médio, que historicamente tem dificuldade de evitar a evasão de jovens entre 15 e 17 anos, três em cada dez alunos já pensa em abandonar os estudos — aumento significativo, uma vez que anteriormente o nível de abandono era de 11,8%. Ou seja: lamentavelmente, de um patamar já alto passou-se a outro mais elevado ainda. Isso coloca em risco o futuro de gerações e o desenvolvimento da Nação.

No ensino superior particular, a inadimplência atingiu níveis recordes e, em maio, 23,9% dos estudantes não conseguiram pagar suas mensalidades. Cerca de 32,5% dos alunos acabaram trancando a matrícula ou desistiram do curso em abril. E aí entra diretamente a pandemia: a implantação de novas tecnologias e a possibilidade de reduzir estruturas físicas e, consequentemente, os custos, colocou na berlinda o corpo docente. Mais de 800 professores universitários foram demitidos no final do semestre,quando as faculdades passaram a montar salas com 200 ou até 300 alunos conectados numa única aula. A decorrência inevitável foi a redução do número de professores e, em média, houve o corte geral de quase 30% do corpo docente. Professor em de mestrado de educação, em São Paulo, Ricardo Casco estava encerrando os trabalhos do semestre após a adaptação de aulas ao ambiente virtual. No final de junho, quando foi inserir as notas dos alunos no sistema, não conseguiu mais acesso. Seu e-mail também havia sido bloqueado. Quando ligou para a faculdade só disseram que receberia um telegrama. “Fui demitido sumariamente sem nem saber o porquê”, diz ele.No ensino superior público, a crise é ainda maior, já que muitas faculdades não conseguiram sequer implantar ensino remoto, deixando alunos sem aulas o primeiro semestre inteiro. Amanda Minet, por exemplo, que estuda arquitetura, nem teve a chance de aulas virtuais. Até a semana passada ela aguardava uma decisão de sua faculdade para saber como será a continuação do curso. “Fiquei perdida”, diz a universitária. Fonte: Isto é