Tartarugas raras morrem na Baía de Guanabara

Pesquisadores dizem que animais não resistem após comerem lixo deixado nas águas

Uma tartagura-verde na Baía de Guanabara: espécie vem passar a juventude em águas fluminenses – Agência O Globo / Custódio Coimbra

 

Elas passaram por cataclismos e sobreviveram à extinção dos dinossauros. Já estavam nos oceanos quando o homem surgiu na face da Terra. Passados 110 milhões de anos desde o seu aparecimento, as tartarugas marinhas sobrevivem a duras penas na costa brasileira e, em especial, nas poluídas águas da Baía de Guanabara. Diferentemente dos botos, a espécie Chelonia mydas, popularmente conhecida como tartaruga-verde, é companhia frequente de pescadores e esportistas em praias de Niterói, como Icaraí e Jurujuba, e do Rio, entre elas as da Ilha do Governador e da Urca. Elas costumam aparecer próximo às pedras, com a cabeça fora da água, para respirar. Medindo às vezes quase um metro, vêm de ilhas oceânicas — principalmente as da Trindade (ES), do Atol das Rocas (RN) e de Fernando de Noronha (PE). A Baía de Guanabara entra na rota de migração como um porto seguro na fase juvenil, de crescimento e reprodução, quando precisam de mais alimentos. Pena que as águas fluminenses não sejam tão paradisíacas.

 

A começar pela sujeira da baía, uma das causa de morte no Rio da tartaruga-verde, que está na lista de animais ameaçados de extinção, conforme classificação da International Union for Conservation of Nature (IUCN). A necrópsia, na Universidade Federal Fluminense (UFF), de um animal encontrado morto nas águas da Guanabara revela o tamanho do impacto do lixo para esse tipo de vida marinha, cuja população na costa fluminense é desconhecida por pesquisadores.

— A tartaruga estava cheia de microlixo no sistema digestivo. Era muito plástico — conta a veterinária Andrea Grael, voluntária da área de animais selvagens da UFF.

O problema é comum. Na sua pesquisa de doutorado, sobre a contaminação de tartarugas na costa brasileira, a bióloga Liana Rosa analisou animais mortos encontrados no Sul, em São Paulo, Rio e estados do Nordeste. No caso das tartarugas achadas nas praias da Baía de Guanabara e encaminhadas para o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores (Maqua), do Departamento de Oceanografia da Uerj, 70% tinham lixo no estômago.

Para o estudo, Liana, doutoranda em ecologia e evolução na Uerj, analisou cerca de 400 animais de várias partes do país. O Rio, afirma ela, é o estado que concentra a maior quantidade de impactos negativos à sobrevivência da espécie. Na baía, as tartarugas estão à procura de uma alga verde comum, chamada ulva, que lembra uma folha de alface e é encontrada nos costões rochosos. Mas acabam se deparando com outros “alimentos”.

— A gente já encontrou de tudo nas tartarugas. Muito plástico mole, saquinhos, balão de aniversário, caixinha, chiclete, embalagens de todo tipo de bala, fio de náilon, rede de pesca… O mais comum é o plástico, que, quando mais rígido, pode machucar a tartaruga por dentro. Quando ele é mais mole, pode provocar a retenção de gás dentro do trato digestório, fazendo com que ela flutue mais, não conseguindo se deslocar normalmente. Isso pode levar a colisões com embarcações. Já recebemos três com carapaça dilacerada devido a esse tipo de acidente — afirma Liana, dizendo que o animal também sofre com os contaminantes provenientes das atividades agrícola e industrial.

LIXO OU ALGAS?

Das pouco mais de cem tartarugas mortas vindas da Baía de Guanabara e recebidas pelo Maqua nos últimos anos, apenas uma era da espécie cabeçuda — o restante era tartaruga-verde. Andrea Grael, que monitora as tartarugas-verdes em Niterói, explica que a espécie acaba confundindo lixo com algas.

— As tartarugas encontradas na baía estão na adolescência, em processo de desenvolvimento e crescimento. Por isso, precisam se alimentar mais. O problema é que elas consomem lixo. Elas usam muito o olho para identificar os alimentos e confundem plástico com lulas, águas-vivas — completa Andrea, que, há alguns dias, viu uma tartaruga enrolada numa rede de pesca.

Ela conseguiu alertar pescadores, que libertaram o animal, evitando, assim, que morresse afogado. Mas a rede, outro dos grandes perigos, também foi jogada no mar. Coube ao marido de Andrea, o velejador Torben Grael, retirá-la da água.

Suzana Machado Guimarães é bióloga marinha e pesquisadora do Projeto Aruanã, da UFF, que acompanha as tartarugas na área de Itaipu, em Niterói, e também na baía. Ela conta que a vida desses répteis não é fácil por aqui. Já houve casos de tartarugas encontradas presas a pneus e doentes com um vírus que estaria relacionado à poluição. E o lixo, afirma Suzana, pode levá-las à morte:

— Ao ingerir lixo flutuante, elas podem morrer por constipação intestinal ou inanição. E muitas ficam agarradas no lixo, sendo impedidas de nadar ou subir para respirar.

O Aruanã é o grupo que mais de perto acompanha essa espécie na costa do Rio. Como não há estudos anteriores, a equipe não sabe dizer se essa população cresceu ou diminuiu na baía nos últimos anos. O velejador Lars Grael diz que, nos anos 80 e 90, elas eram bem menos vistas. Ele tem uma hipótese para um possível aumento na década passada:

— Uma possibilidade é a redução da pesca de arrastão na baía, ou provocada pela poluição ou por uma maior fiscalização da pesca predatória. Com isso, a tartaruga pode ter se favorecido.

Aquelas que sobrevivem à aventura na suja Baía de Guanabara retornam, após a adolescência (um período de até 15 anos), aos paraísos de origem no Atlântico para desovar. Já adultas — elas podem viver até 120 anos —, saem para explorar outros lugares ou voltam para a baía, destino que deverá ser seguido pelos filhotes no futuro. E assim segue o ciclo.

Fonte: O Globo