Rio Refugia reúne refugiados de 20 países em Santa Teresa

Endel Molina, da Venezuela
Endel Molina, da Venezuela Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

 

No mês em que as Nações Unidas anunciaram o recorde de 65,6 milhões de deslocados em todo o mundo em 2016, uma iniciativa no Rio tenta reduzir o preconceito misturando o prazer de comer e beber ao encontro de culturas. Edição para lá de especial da feira Chega Junto, criada há dois anos para contemplar a gastronomia feita por refugiados e famílias de imigrantes na cidade, a Rio Refugia movimentou o Parque das Ruínas, em Santa Teresa, este sábado, com barracas de comidinhas de 20 países, entre eles, Síria, Índia, Camarões, Nigéria, Congo, Venezuela, Haiti entre outros.

– São receitas tradicionais e autênticas que não encontramos em restaurantes. Além disso, tem a pegada de comida de rua, o lado exótico da feira, que tem pratos com nomes insoletráveis, por exemplo, alguns do Congo – destaca a coordenadora Luciara Motta, que tem o apoio de instituições como a Cáritas, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que acolhe refugiados no Brasil, e a Abraço Cultural.

Claudine Mideda, em Santa Teresa
Claudine Mideda, em Santa Teresa Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Luciara, que fazia um trabalho de educação alimentar com crianças na Junta Local (fundação Jamie Oliver, Food Revolution, com voluntários no mundo), idealizou o programa a partir da fusão de refugiados a gastronomia.

– O cara perde família e tudo, mas sabe preparar uma comida, vem de berço – conta.

Na feira, além dos refugiados de 16 países, tem famílias de quatro países imigrantes (Peru, Japão, Uruguai e Argentina). Segundo Luciara, são “redes de contatos benéficos para a reintegração efetiva na cidade. A edição especial, em razão do Dia do Refugiado, celebrado na última terça (20), é a prova de que a proposta, que tem como berço o bairro de Botafogo, cresceu.

– Pelo simbolismo da data, queríamos estar num espaço mais central para ser mais do que um encontro de refugiados, mas para refugiados. Por isso, possibilitmaos a vinda de comunidades haitianas, congoleses, pessoas que moram mais distantes.

O sábado foi animado no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, que recebeu cariocas e refugiados na feira Rio Refugia
O sábado foi animado no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, que recebeu cariocas e refugiados na feira Rio Refugia Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Além das comidinhas variadas, houve debates, recreação infantil (oficinas de culinária e mandalas) e atrações musicais. Um grupo de congoleses, sem nome, se apresentou às 15h, e, nos intervalos, o haitiano Bob Martinar assumiu as picapes com ritmos caribenhos.

Em todo o mundo, o deslocamento forçado causado por guerras, violência e perseguições atingiram em 2016 o número mais alto já registrado, segundo relatório divulgado pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados). São mais de 65 milhões (mais de 300 mil em relação ao ano anterior), o maior desde 1945.

A nova edição do relatório “Tendências Globais”, o maior levantamento da organização em matéria de deslocamento, revela que ao final de 2016 havia cerca de 65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar seus locais de origem por diferentes tipos de conflitos – mais de 300 mil em relação ao ano anterior. Esse total representa um vasto número de pessoas que precisam de proteção no mundo inteiro.

Um dos destaques, não só das feiras de refugiados, mas entre a nova geraçao de chefs estrangeiros, o engenheiro sírio Anas Abdulrjab, que assinou um dos pratos principais no jantar especial servido no Museu do Amanhã, conversou com o jornal “O Globo”.

O que você lembra do seu primeiro dia no Brasil, há dois anos quando chegou?

O meu primeiro dia no Brasil foi muito ansioso, cheio de emoções e pensamento sobre o que deixei, (a família, os amigos e uma vida inteira)… e o que iria encontrar nesse país estrangeiro, cuja língua eu não falava e onde não conhecia ninguém. Tinha que começar tudo do zero, tudo do A,B,C.. Mas ao mesmo tempo eu estava muito esperançoso.

Como era sua vida antes de se refugiar no Brasil?

Eu morava e estudava em Trípoli, Libya, mas a situação lá ficou bem perigosa e não podia ficar nem voltar pra Síria, onde a minha família morava. Meus pais vivem em Damasco e ainda não querem deixar a terra deles, embora seja bem difícil sobreviver lá.

Onde aprendeu a falar português? É mais difícil que conseguir trabalho aqui?

Aprendi português na PUC. Conseguir trabalho é mais difícil porque ainda precisa falar com as pessoas.

Mora com outros refugiados? O que tme feito para se divertir no Rio?

Não moro com refugiados, com um brasileiro. Me divirto saindo com amigos, fazendo trilhas e viajando pelo Brasil

Qual é o sabor da comida árabe feita aqui? Você aprova?

A comida árabe aqui não é verdadeira… Muito triste vejo a minha cultura culinária representada nessa forma.

Que lugar do Rio faz você se lembrar de seu país?

Tem pedacinhos de Santa Tereza que parecem um pouco.

A violência te assusta? O que te provoca mais medo?

Tenho sim, o meu país está muito perigoso agora, mas ainda não tem assaltos na rua, ninguém se preocupa com este tipo de violência lá. É muito irônico isso.

Fonte: Extra

Brasil é visto como um lar por sírios refugiados da guerra

Dos 8.950 refugiados acolhidos no país, em fevereiro deste ano, 2.480 são sírios

Em fevereiro de 2017, o Brasil já tinha 8.950 mil refugiados. Desse total 2.480 são sírios, homens, mulheres e crianças que foram forçados a deixar seu país ao longo de seis anos de guerra na Síria, mas que vêem no Brasil uma oportunidade de recomeço, mesmo que o país também esteja em uma grande onda de violência urbana.

Segundo a 10ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública lançado em outubro de 2016, o Brasil registrou mais mortes violentas de 2011 a 2015 do que a guerra na Síria. Neste período, foram 278 mil casos de homicídios doloso, latrocínios, lesão corporal seguido de mortes, entre outros crimes. No entanto, desde 2011, quando começou a guerra na Síria os pedidos de refúgio de sírios com alguma ligação com o Brasil só crescem.

Em entrevista exclusiva para a Spuntik Brasil, o Arqueólogo sírio, nascido em Damasco, e radicado no Brasil, Ahmad Serieh, que já está morando em São Paulo há quase 8 anos acredita que a fuga dos sírios para o Brasil se dá muito pela facilidade de se conseguir visto.

“É muito fácil entrar no Brasil. Para outro país da Europa, como Alemanha ou França é muito difícil o visto para o sírio. A maioria de sírios no Brasil tem família aqui, porque há muitos imigrantes sírios e libaneses e muitos tem tios, tias aqui e os ajudam.”

Ahmad veio para o Brasil explorar sítios arquelógicos e aplicar aqui os seus conhecimentos do curso de doutorado realizado na Universidade de Varsóvia, na Polônia, mas ao se estabelecer em São Paulo e conhecer melhor o Brasil, o sírio mudou os planos e a permanência no Brasil, que seria inicialmente provisória, se tornou definitiva.

Mesmo com a violência diária estampada no Brasil, Ahmad diz que nunca se arrependeu ou teve medo de ficar morando aqui.

“Não tenho medo de morar no Brasil. Cada país tem o seu problema e o Brasil não tem grandes problemas. Durante oito anos eu nunca sofri violência, moro em paz, nunca fui roubado. Eu acho o Brasil um país muito bom para os sírios virem morar aqui. Todos os sírios que estão aqui, gostam de morar aqui. Todos trabalham, abrem restaurantes, há muitos técnicos, engenheiros e médicos. Eu tenho contato com muitos sírios e ninguém tem problemas aqui, todos vivem felizes aqui em São Paulo ou Curitiba.”

Além de ministrar aulas e palestras sobre Arqueologia em instituições universitárias, Ahmad Serieh em 2010 chegou a abriu em São Paulo o Centro Cultural Árabe Sírio, que funcionou durante cinco anos e atualmente ele se dedica ao Instituto Bibliaspa, que é a Biblioteca e o Centro de Pesquisa América do Sul – Países Árabes – África. Neste Centro, os refugiados e migrantes são recebidos,  aprendem a língua portuguesa e recebem orientação e auxílio para  se adaptem mais rapidamente ao Brasil.

Segundo o arqueólogo, cada vez mais a sociedade brasileira acolhe melhor os refugiados. “Cada vez muito melhor. O brasileiro recebe o refugiado muito bem, o sentimento é como se estivesse em casa.”

No entanto, as dificuldades ainda existem para os refugiados que estão tentando recomeçar suas vidas no Brasil. Ahmad destaca a falta de uma maior atenção por parte do governo em oferecer opção de trabalho. “No início, há a dificuldade para encontrar trabalho e a dificuldade com a língua portuguesa e encontrar uma escola para aprender o português, essa é a dificuldade para as crianças também, mas depois de um ano todo mundo acostuma viver no Brasil. O governo brasileiro precisa ajudar mais o refugiado em encontrar trabalho e oferecer assistência de saúde e uma boa escola é o que o refugiado quer.”

Fonte: Notícias ao Minuto

 

Refugiados sírios passam a receber Bolsa Família no Brasil

Sírios observam a destruição dos ataques aéreos em Damasco. (AFP)Sírios observam a destruição dos ataques aéreos em Damasco. (AFP)

Apesar de não poussuir um programa específico para abrigar e ajudar refugiados imigrantes, o Brasil é o país da América Latina que mais recebe sírios, com 2.097 vivendo no país atualmente, segundo o Ministério da Educação.

Este ano, com o aumento do fluxo de imigrantes da Síria em função da guerra civil que o país do líder Bashar Al-Assad vive, cerca de 400 sírios passaram a receber o Bolsa Família do Governo Federal esse ano. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Imigrantes perto da fronteira entre a Turquia e a Grécia. (AFP)Imigrantes perto da fronteira entre a Turquia e a Grécia. (AFP)

Em reportagem publicada no site da BBC Brasil, o imigrante “Ali” (nome fictício) revelou que recebe em média R$ 167 por mês. “Aqui no Brasil, eu sou pobre”, diz o sírio de 34 anos. No seu país natal, ele ganhava cerca de US$ 4 mil (aproximadamente R$ 15 mil) mensais e estudava pós-graduação.

Assim como Ali, muitos têm qualificação profissional, mas o idioma acaba sendo uma barreira difícil de transpor. “Principalmente no período de chegada, eles têm renda zero. É preciso analisar o que está acontecendo”, aponta Larissa Leite, integrante da organização Cáritas-SP, responsável por auxiliar refugiados, à publicação.

Sírios assistem ao jogo do Santos, mês passado. (Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC)Sírios assistem ao jogo do Santos, mês passado. (Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC)

Enquanto o governo não tem um programa específico de apoio ao imigrante, o Bolsa Família acaba sendo uma saída, mas, assim como vê o secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério, Helmut Schwarzer, não é o suficiente.

“Possivelmente a gente ainda vai ter algum aumento [de beneficiados]. À medida que a documentação das famílias for ficando pronta, que o direito de residência for concedido, pode ser que mais famílias solicitem o benefício”, garante.Fluxo de refugiados sírios na União Europeia. Brasil recebeu mais de 2.000 deles. Fluxo de refugiados sírios na União Europeia. Brasil recebeu mais de 2.000 deles.

No momento, os sírios são o maior grupo entre os mais de 8.500 refugiados no país. Depois deles vêm os angolanos (1.480), colombianos (1.093) e congoleses (850).

É importante ressaltar que esses números são incertos, uma vez que muitas dessas pessoas não possuem registro no Brasil. Outros dois povos comuns de se ver por aqui são os bolivianos e os haitianos, encontrados principalmente na cidade de São Paulo.

Na última sexta (9), o governo Dilma Rousseff liberou em medida provisória cerca de R$ 15 milhões destinados às políticas assistencialistas a imigrantes e refugiados. Segundo a Agência Brasil, os recursos devem ser investidos em moradia, assistência jurídica, social e psicológica, além de aulas de português e também no auxílio na inserção ao mercado de trabalho.

Brasil já concede mais vistos de refugiados a sírios que países europeus

Os sírios são o povo com mais refugiados reconhecidos no Brasil

Hania Alkhateb, de 25 anos, diz sentir-se privilegiada por sua filha ter nascido no Brasil, longe da guerra da Síria, mas ainda sonha com o dia em que seu país vai voltar a ter paz para que possa regressar com Zena Salha, de 4 meses. “Ela é brasileira, mas seu país é a Síria. Quero que ela cresça lá, mas só voltamos quando tiver paz.” Hania é um dos 2.077 sírios que conseguiram o refúgio no Brasil desde que o país entrou em conflito
Os sírios são o povo com mais refugiados reconhecidos no Brasil. Há dois anos, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, publicou uma normativa, facilitando a concessão de vistos a imigrantes da Síria, com isso o país se tornou uma das principais alternativas para as famílias que fogem dos conflitos.

O Brasil já concedeu mais refúgios para sírios do que países do sul da Europa, que recebem grande contingente de imigrantes ilegais pela facilidade geográfica. A Espanha, por exemplo, só concedeu refúgio para 1.335 sírios, a Itália para 1.005 e Portugal para 15, segundo a Eurostat, agência de estatísticas da União Europeia.

“Além da questão humanitária, o que já seria motivo suficiente para facilitar a acolhida dessas pessoas, o Brasil está cumprindo com seus compromissos internacionais e sua legislação nacional ao dar refúgio para quem necessita. Assim como nós buscamos melhores condições de vida, essas pessoas têm na imigração a única possibilidade de viver, elas foram obrigadas a sair de seus países”, disse Beto Vasconcelos, presidente do Conare.

Nos primeiros sete meses deste ano, o Brasil concedeu 10,4% mais pedidos de refúgios do que em todo o ano passado. Já são 8.400 refugiados em 2015; no ano passado, foram 7.609. Depois da Síria, os países que mais conseguiram refúgio brasileiro foram Angola (1.480) e República Democrática do Congo (844), ambos com conflitos políticos internos.

Perfil. Os refugiados no Brasil, segundo o relatório do Conare, são na maioria homens (70,7%) e com idade entre 18 e 39 anos (65,6%). No entanto, entre os refugiados ainda há 19% de menores de 17 anos.

Pedro Dallari, diretor do Instituto de Relações Internacionais da USP e um dos especialistas que elabora a proposta de anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil, disse que os sírios que migraram para o Brasil nos últimos dois anos são de famílias com maior poder aquisitivo e com maior grau de escolaridade. “Quem vai para a Europa sabe que naqueles países há uma melhor acolhida, com ajuda financeira e abrigos. Já no Brasil eles vão precisar batalhar mais, para conseguir se manter.”

É o caso da família de Hania. O pai, Bahaa, era dono de uma construtora na Síria, mas viu os negócios falirem com a guerra. “Vendi nossos móveis, roupas e colchões para pagar as passagens de todos (cerca de U$ 800 para cada um dos sete integrantes da família). Quando chegamos ao Brasil, tinha apenas U$ 29 na carteira e nenhum lugar para ir. Um funcionário do aeroporto que nos indicou ligar para uma ONG”, contou Bahaa. A família está há um ano no Brasil e mora na sede da ONG Livro Aberto, em Guarulhos.

Ao contrário da irmã, Akram, de 21 anos, não pensa em voltar para a Síria, onde cursou um ano de Medicina, mas precisou abandonar os estudos. “Vou prestar vestibular para recomeçar Medicina. Quero ficar aqui no Brasil, montar meu consultório e dar uma boa vida para os meus pais”. O sonho de Akram é se tornar oftalmologista.

Antes de vir para o Brasil, a família ainda tentou viver por um ano de forma ilegal no Egito e por sete meses na Mauritânia. “Não éramos bem aceitos. No Egito, por exemplo, não aceitavam que um sírio estudasse nas faculdades. No Brasil é diferente, as pessoas nos acolheram. Todos os sírios querem ir para a Europa, mas aqui é que podemos ter futuro”, disse Akram.

Entre expectativa e garantia de permanência, refugiados vivem no Brasil

Um grupo de cerca de 11,2 mil pessoas aguardam resposta do Estado brasileiro sobre a solicitação de refúgio

“É uma situação que precisa de muito tempo para vocês daqui entenderem. É uma coisa que a gente se acostumou, mas não é normal, nada é normal lá”. O sorriso fácil e olhar sereno de Charly Kongo contrastam com sua história, que poderia ter sido abreviada. Nascido na República Democrática do Congo, ele decidiu não se calar diante das injustiças e foi às ruas. Uma série de ameaças contra sua vida o fizeram tomar uma decisão: deixar a vida e a família na África e morar no Brasil.

“O povo Bakongo saiu às ruas pedindo a justiça. Aí o governo, como de hábito, reprimiu. Muitas pessoas morreram, muitas desapareceram”, conta. Ameaçado de morte em um cenário político turbulento, ele deixou seu país em 2008. Um amigo sugeriu que Kongo fosse para o Brasil e se ofereceu para ajudá-lo na concessão de visto, pois tinha conhecidos na embaixada brasileira. Mesmo assim, a adaptação não foi fácil. Ele chegou no Brasil sem falar uma palavra em português.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, onde se estabeleceu, fez o que, segundo ele, todos os estrangeiros fazem em situações semelhantes, procurou seus conterrâneos. Brasileiros o ajudaram e o levaram para o centro da cidade, onde encontrou outros congoleses, como ele.

“Eu entendi que, sem falar o português, não teria como viver. Aí procurei estudar o idioma, comecei a fazer um curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e isso me ajudou a melhorar meu português. Depois,consegui um emprego fixo, no setor de hotelaria. No hotel, comecei na área de limpeza, hoje trabalho como mensageiro”.

Kongo esperou por oito meses a concessão de refúgio e hoje não pensa em voltar a morar em seu país natal, pelo menos em um futuro próximo. “Gostaria de voltar à minha terra um dia, mas não por enquanto, vou esperar um pouquinho. Se Deus quiser aquele regime não estará mais lá”.

À espera de um “sim” do país que escolheu

Nascido em Bangladesh, Nurul Amin, 32, também tem o desejo de se manter no Brasil mas, ao contrário do congolês, sua permanência ainda não é certa. “A vida aqui é melhor do que lá. Todo mundo gosta do Brasil, o único problema é que não tenho os documentos da permanência ainda”. Ele chegou ao Brasil há dois anos para se afastar de uma situação política instável, e atrás de melhores salários.

A cada pergunta, Nurul Amin pensa, esboça uma resposta, para e retoma o raciocínio em seguida. Ainda aprendendo a falar português, cada palavra é pensada como uma equação. Às vezes uma palavra em inglês escapa, mas a comunicação não é mais a barreira que era. “Cheguei aqui e não sabia pedir água ou pão. Era muito difícil, mas agora estou aprendendo, e não está mais tão difícil”.

Ele divide com outros três conterrâneos uma pequena casa nos fundos de um lote em Taguatinga, cidade satélite do Distrito Federal. E todos vivem situação parecida. Tropeçando no português, Rony Ahmed, 28; Joynal Abedin, 24; e Masarof Hossain, 26; vivem um dia de cada vez, em empregos informais, e ajudando um ao outro.

“Gosto do Brasil, o sistema [político] é muito bom, o país e o trabalho aqui são muito bons, as pessoas ajudam se você precisa”, disse Ahmed. Muito simpático e sorridente, ele explicou o principal motivo de cruzar o Atlântico e chegar ao Brasil há dois anos. “Eu apoiava os líderes de oposição ao governo e já fui preso por isso. A polícia já me bateu e me prendeu por fazer oposição ao governo”, disse Ahmed, que também era eletricista em seu país, e hoje faz churrasco na rua para sobreviver.

Eles sonham obter o reconhecimento do refúgio para poderem trazer a família para o Brasil. Enquanto o primeiro tem esposa e um filho, Ahmed deixou a esposa na terra natal. Ao ser perguntado se pretende trazer a esposa para morar no Brasil, os olhos de Amin brilham de expectativa. “Eu quero muito, muito trazer ela! Mas não tenho o refúgio ainda. Eu já estou há dois anos aqui, enquanto minha mulher está lá em Bangladesh, esperando. É muito difícil, triste”.

Amin e seus compatriotas fazem parte de um grupo de 11,2 mil pessoas que, segundo a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), ainda aguardam uma resposta do Estado brasileiro sobre a solicitação de refúgio.

Não há prazo legal para que a decisão seja tomada pelas autoridades brasileiras. Com isso, só aumenta a angústia de quem aguarda uma definição sobre a própria vida. “Com os documentos do refúgio, poderia visitar minha esposa por dois, três meses, depois voltaria. Mas, sem isso, não posso, não posso deixar o Brasil”, explica Amin.

De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) o Brasil registra 7,7 mil refugiados reconhecidos. Pessoas de 81 nacionalidades já conseguiram refúgio no país. Os grupos que mais buscam refúgio no país vêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo (RDC).

Os sírios representam 23% do total de refugiados reconhecidos no Brasil. “O caso dos sírios pode ser explicado pela postura solidária do Brasil com as vítimas do conflito naquele país, inclusive por meio da aprovação da Resolução Normativa nº17 do Conare”, explica a Acnur, no documento “Dados sobre o refúgio no Brasil”, divulgado no ano passado.

De acordo com o ministério da Justiça, todo cidadão estrangeiro que quiser se estabelecer no Brasil na condição de refugiado, deve fazer o pedido em qualquer posto da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira. O solicitante recebe um protocolo provisório, válido por um ano e renovável até a decisão final sobre o pedido de refúgio.

De posse do protocolo, o estrangeiro já pode obter carteira de trabalho, CPF e acessar todos os serviços públicos disponíveis no Brasil. Em caso de indeferimento do pedido de refúgio, o estrangeiro pode recorrer ao ministro da Justiça. Outra possibilidade é um recurso junto ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), do Ministério do Trabalho, no caso de quem veio ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho.

Fonte: Correioweb

Centenas de fugitivos da Síria em São Paulo recebem assistência em mesquita

Após publicação de foto de menino afogado, empresários se oferecem para pagar passagem aérea


Muçulmanos oram em mesquita em São Paulo que ajuda refugiados – Marcos Alves / Agência O Globo

 “Tenho parentes na Síria , na Europa, no fundo do mar, nos lugares que eu ainda não sei”. O lamento do médico sírio Feras al-Laham, de 34 anos, não é um exagero ou força de expressão. Feras nasceu em Damasco, capital da Síria, e tinha uma carreira bem-sucedida como otorrinolaringologista até a guerra civil ser detonada, em 2011. Dois anos depois, Feras chegou ao Brasil e, desde então, tenta revalidar o diploma de Medicina. Em suas palavras, vive “sem trabalho, sem salário e sem ajuda”:

— Imagine outros sírios que nem têm uma profissão. A guerra é muito difícil. E reiniciar a vida do zero ainda mais — lamenta.

Feras é um entre os mais de dois mil refugiados sírios que chegaram ao Brasil nos últimos anos, o que os torna a nacionalidade mais frequente em busca de acolhida aqui, de acordo com os dados mais recentes do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça. São Paulo é a cidade por onde eles mais chegaram, pelo Aeroporto de Guarulhos. Embora o número de asilos a sírios concedido pelo Brasil seja superior a de países como Grécia, a Europa já recebeu cerca de 300 mil sírios, que também pediram status de refugiados.

Graças a uma norma estabelecida há dois anos pelo governo brasileiro e que será renovada este mês, o processo de asilo para sírios foi facilitado. O Brasil, diferentemente dos países europeus, reconhece de antemão a crise humanitária da Síria e não recusa refúgio aos cidadãos daquele país. Além disso, de acordo com a Cáritas, o processo de obtenção de vistos para sírios leva cerca de seis meses, enquanto solicitantes de outras nacionalidades podem esperar até três anos para obter o status de refugiado.

O perfil dos refugiados sírios é diferente do de africanos que chegam ao Brasil. Grande parte deles tem ensino superior e levava uma vida de classe média em seu país.

— Todos os dias nos chega aqui pelo menos uma família nova ou um refugiado sírio — afirma Ahmad Ismael, secretário geral da Mesquita Brasil, a mais antiga da América Latina, que virou um ponto de referência para refugiados muçulmanos, especialmente sírios.

De acordo com Ismael, apesar da facilidade para entrar no país, o governo dá pouco suporte a quem chega.

O aumento da procura por refugiados sírios fez com que a mesquita triplicasse o número de vagas para aulas de português. Apenas em julho, eles distribuíram três mil cestas básicas para refugiados. Desde que a imagem do menino sírio morto na praia ganhou as páginas de jornais no Brasil, a mesquita tem sido procurada por empresários dispostos a custear a vinda de sírios ao Brasil, segundo Ismael. Uma passagem de avião de Damasco para São Paulo custa em torno de US$1.500. A mesquita, no entanto, prefere não intervir no processo de fuga da Síria e se concentrar em ajudar os que chegam

‘Não tenho a opção de desistir’, diz sírio há um mês no Brasil

Jamal raciona a cesta básica, enquanto Mourad reconstrói a vida com receitas da família


Jamal e sua familia chegaram no Brasil há um mês – Pedro Kirilos / Agência O Globo

Após três aulas de Língua Portuguesa, o decorador sírio Jamal, de 57 anos, ainda não se sente à vontade para arriscar uma palavra no novo idioma. Jamal sequer sabia que no Brasil se falava português até desembarcar em Guarulhos, há um mês, com a mulher, a enfermeira Faise, de 50 anos, e os sete filhos. A família ficou perdida no aeroporto por horas até que um taxista os levou a um hotel que cobrou US$500 por uma diária. O mesmo taxista os devolveu ao aeroporto diante da negativa da família, e Jamal só saiu de lá depois de encontrar, por acaso, com um egípcio que falava árabe. Eles foram parar em um hotel barato no Brás. Em um quarto de dez metros quadrados, os nove passaram metade do seu tempo no Brasil. Atualmente ocupam uma sala, paga com dinheiro de doação. A comida, de cestas básicas que ganharam, é racionada.

— Tem horas que não entender nada do que se fala e não ter como ganhar o pão dá desespero — afirma.

Ele sustenta um sorriso no rosto, e se diz esperançoso “porque não tem a opção de desistir”. Seu maior desejo é que os filhos voltem a estudar. As duas mais velhas concluíram o ensino médio, embora não tenham documentos para comprovar porque fugiram às pressas, em meio a bombardeios.

 

— Ainda tenho a chave de casa — diz, sem saber se o lugar onde morou ainda existe.

Já o contador Khaldon Mourad, de 31 anos, tirou da mistura de castanhas e massa folhada a chance de reconstruir a vida. Quando a guerra estourou, há quase cinco anos, Mourad imaginava que seria resolvida rapidamente. Não foi. Há quase um ano e meio, percebeu que sua sobrevivência e a de sua família dependiam de uma saída drástica.

— Deixei para trás meu escritório, com seis funcionários, minha casa. Passei pelo Líbano e fui para a Jordânia. A única embaixada aberta era a do Brasil. Daqui eu sabia apenas algo sobre futebol — diz Mourad.

Ele aceitou empregos na indústria têxtil. Durante a Copa, vendeu camisetas do Brasil na rua. Até que se lembrou das receitas de doces e esfihas da família e começou a produzir. Aos poucos, montou uma estreita loja, em Pinheiros. O modesto estabelecimento virou ponto concorrido do bairro. O espaço foi batizado de Damascus. Com o dinheiro dos doces, Mourad custeou a vinda de 17 parentes, entre irmãos, sobrinhos e os pais. Há quatro meses, pôde trazer a noiva e se casar no Brasil. Ele não vislumbra perspectiva de voltar à Síria. Mas constata a realidade sem demonstrar pesar.

— Agora sou brasileiro — diz.

Da Síria ao Rio: ‘Meus filhos só brincavam dentro de casa’

Crianças nascidas durante a guerra civil encontram liberdade no Rio


Refugiados Sírios no Rio. Mohammad Najjar, Hind Najjar com os filhos Khaled e Nancy – Custódio Coimbra / Agência O Globo

O corre-corre das crianças se destaca no meio dos adultos. Entre os pequenos, dois deles são protagonistas. São os irmãos sírios Khaled Najjar, de 2 anos, e Nancy Najjar, de 4 anos, que pela primeira vez estão brincando de baixo da luz do sol. Depois de quase meia hora fazendo farra ao lado de outras crianças, em uma manhã de quarta-feira, Khaled diz que gostou mais do escorrega. Já Nancy pegou o lápis de cor e prefere rabiscar sem compromisso. Os dois estão sob olhares atentos dos pais, que aguardam na recepção da Cáritas Diocesana, uma casa branca, ao lado do Maracanã, responsável pela assistência aos refugiados no Rio. O pai é Mohammed Najjar, de 31 anos, e a esposa se chama Hind, de 29 anos. Ele é arquiteto, e ela uma economista. Mas, no momento, são uma das últimas famílias sírias que chegaram ao Rio, e pediram refúgio ao governo brasileiro, fugindo do horror da guerra.

— Meus filhos só brincavam dentro de casa. Para eles, não existia vida externa — conta Najjar, que veio com a família de Lataquia, cidade litorânea, a 350 quilômetros de Damasco, capital da Síria. — Em poucos dias no Rio, fizemos coisas inéditas em família, como andar de ônibus, ir ao mercado, e brincar em um escorrega. Não há futuro lá. Sobreviver não depende mais de você. É uma questão de sorte.

E de falta sorte Najjar não tem tem do que reclamar. Nos seus últimos dias na Síria, ele conta que da janela do escritório onde trabalhava, testemunhou o bombardeio de um prédio ao lado. O estampido, segundo ele, o derrubou da cadeira. Imaginando que o escritório poderia ser o próximo alvo, desceu pelas escadas e saiu correndo. Quando chegou em casa, disse para mulher que precisavam sair do país.

— Chegamos na Malásia em menos de uma semana. Na embaixada brasileira, pedi o visto para entrar no país. A prima da minha mãe mora no Rio, e ela que está me ajudando nesses primeiros dias. Vamos alugar um apartamento e quero arrumar um emprego. Desde que cheguei, só penso em construir uma vida no Rio. Meus filhos entendem árabe, mas já imagino vê-los falando português. O Brasil é minha nova nação.

Muito sírios também pensam assim. Segundo dados do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão ligado ao Ministério da Justiça, 2077 sírios receberam status de refugiados do governo brasileiro de 2011 até agosto deste ano. Hoje, a comunidade síria de refugiados reconhecidos no Brasil é a maior do país, à frente, por exemplo, dos angolanos (1480) e congoleses (844). O órgão estima que 600 deles estão no Rio. Só neste ano, cerca de 100 desembarcaram no aeroporto do Galeão e solicitaram refúgio.

— É difícil identificar onde vivem cada um. Quando um Sírio chega ao Rio, ele já pode solicitar refúgio imediatamente. Assim que é atendido, ele recebe um protocolo e consegue alguns benefícios como tirar carteira de trabalho — diz Cândido Feliciano da Ponte Melo, membro do Conare. — O governo brasileiro, durante três meses, doa R$ 300 para cada estrangeiro. É o período que ele tem para pensar o que vai querer. Alguns desejam tentar entrar na Europa, outros conseguem emprego e permanecer no Brasil.

Melo lembra que a Cáritas firmou parceria com a Uerj para disponibilizar aulas de português aos refugiados. O objetivo é acelerar a adaptação no Brasil porque, segundo ele, um dos principais entraves para que mais estrangeiros permaneçam no país é não conseguir se comunicar.

— Como o número vem aumentando, estamos estudando uma metodologia que permita que o aprendizado seja mais rápido.

BRASIL DE PORTAS ABERTAS

Quase 10 mil quilômetros separam Brasil e Síria no mapa, mas o governo brasileiro vem mantendo uma política diferente da de muitos países europeus em relação a refugiados sírios. Em 2013, o Conare publicou uma normativa facilitando a concessão de vistos a imigrantes daquele país. Até o final deste mês, o acordo deverá ser renovado já que a crise humanitária na Síria voltou a ganhar projeção depois que a imagem de Aylan Kurdi, o menininho sírio de três anos de idade que morreu afogado no Mediterrâneo foi encontrado na costa turca, virou símbolo da tragédia.

 

— O Brasil acerta em recepcionar os Sírios porque continua com sua política de portas abertas. Desde a década de 1950, o país faz parte da Convenção Internacional de Refugiados, e sempre acolheu imigrantes que precisaram de refúgio — diz Marcelo Mello Valença, professor do Departamento de Relações Internacionais da Uerj. — No período dos Governos Militares, na América do Sul, chegaram vários sul-americanos. Depois, nos anos 1980, foram iranianos perseguidos por causa de religião. Angolanos e Congoleses vieram em seguida. Esse movimento é sazonal. E o que o país está fazendo com os sírios serve como exemplo.

História sobre fugas e horrores da guerra civil na Síria também são compartilhadas na paróquia São João Batista em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O lugar foi montado pelo padre Alex Sampaio, nos fundos da igreja. Ali, vivem nove sírios, entre os 16 refugiados. Um deles é Khaled Fared, de 25 anos, que chegou ao Rio há três meses.

— Saí da Síria para tentar um dia montar uma família. No meu bairro moravam 20 mil pessoas. Hoje não chega nem a mil. Não tenho mais amigos, pois a maioria morreu. Meus pais continuaram lá. Tenho saudade da minha família. Queria que eles estivessem aqui comigo.

Fonte: O Globo

Candidatos a refúgio ficam no ‘limbo’ em sala de aeroporto

Entidades dizem que migrantes chegam a passar meses confinados em SP


Imigrantes no aeroporto de Cumbica, em São Paulo – Divulgação / Policia Federal

SÃO PAULO — Se eu voltar para o meu país, vou ser morto. Prefiro morrer aqui, não tenho nada nem ninguém para quem voltar — diz o nigeriano Jimoh Hammed Abiola, de 26 anos, em um inglês tão límpido quanto o pavor que se lê em seus olhos.

Abiola é cristão em um país destroçado pelo grupo terrorista islâmico Boko Haram. Em uma das centenas de ataques à bomba promovidas pelos extremistas, a família de Abiola foi pelos ares. E ele tomou um avião em fuga, até chegar ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

Em uma sala de 200 metros quadrados, ladeada por cadeiras e com janelas de vidro pelas quais podem ser vistos aviões, Abiola e outros 20 homens se atropelam para tentar contar sua história. São quase todos negros, jovens, de diversos países da África. Em comum, a maioria tem o receio de voltar para casa por medo de morrer e o desconhecimento de quanto tempo passarão num limbo espacial e jurídico.

— Ninguém fala com a gente, dizem que não falam inglês. Eu preciso de ajuda — diz Abiola, observado por policiais cujo inglês não é fluente.

A sala à qual o GLOBO teve acesso na última quinta-feira é chamada de Conector, uma área de segurança internacional localizada no Terminal 3 do Aeroporto de Guarulhos, onde ficam, quase sempre só com a roupa do corpo, os que não puderam entrar no Brasil, os que foram impedidos pelas empresas aéreas de seguir viagem para outro país e os que não querem ou não podem voltar para seu país de origem.Ali, essas pessoas chegam a passar semanas e meses, sem advogado ou contato com a família e sob a vigilância da Polícia Federal, até conseguir seguir viagem ou pedir refúgio no Brasil. Sem toalha ou sabonete, muitos não tomam banho. O cheiro de suor que impregna a sala é motivo de chacota entre agentes.

Os migrantes do Conector são peças de uma disputa entre dois conceitos (e seus representantes): a segurança nacional e os direitos humanos. E expõem a delicada situação do Brasil para lidar com seu recente status de destino de refugiados. Apenas no ano passado, o país recebeu mais de 11 mil pedidos de refúgio.

— Já recebemos denúncias de agressão e de pessoas que ficam doentes sem acesso à medicação. O Conector é um espaço de violação dos direitos humanos. Muitas vezes essas pessoas são tratadas como invasoras e não como possíveis refugiadas— afirma Paulo Amancio, assessor jurídico do Serviço Franciscano de Solidariedade, que apoia refugiados.

Na última quinta-feira, o nigeriano Bulaji Olaiya, de 45 anos, retido no Conector havia dois dias, dizia sofrer de diabetes, sem poder ter acesso à insulina que estava na sua bagagem.

Abiola, que também completava seu segundo dia na sala, ainda não sabia como sensibilizar as autoridades para sua situação. Dizia estar em risco de morte, mas em nenhum momento havia mencionado a palavra refúgio. Tampouco escrito que queria ser um refugiado. Abiola desconhecia essa possibilidade, prevista pela lei brasileira desde 1997.

A Polícia Federal alega que não pode informar os migrantes sobre a opção de pedir refúgio, mesmo em casos em que claramente o instrumento poderia ser usado, como o de Abiola. Há casos de gente que, após levar semanas para descobrir que poderia pedir refúgio, escreveu um apelo em papel higiênico.

— O policial não precisa induzir a pedir refúgio, mas nada o impede de mostrar as opções legais. Eles usam a lógica da palavra mágica, a pessoa tem que acertar se não não vai entrar no país — afirma o Defensor Público da União Daniel Chiaretti.

‘A GENTE CUMPRE A LEI’, DIZ PF

Para a Polícia Federal, no entanto, as pessoas que ficam retidas no Conector não são “legítimas refugiadas”, mas pessoas que “saíram de países complicados” em busca de uma vida melhor, para tentar chegar aos Estados Unidos ou, “às vezes, até aliciadas para cometer crimes”. Sem conseguir entrar, elas usariam o artifício do refúgio como um “Plano B”.

— Eles chegam aqui sem visto e querem entrar. Não são como os sírios, que estão fugindo de uma guerra e pedem refúgio logo que chegam. Muitos dos que vão para o Conector nem querem ficar no Brasil, mas, como percebem que não vai ter outro jeito, apelam para o refúgio — diz o delegado Wagner Castilho, da PF, em Guarulhos.

Castilho afirma que é responsabilidade da companhia aérea que trouxe o migrante fornecer alimentação e que a polícia investiga o caso de um nigeriano que foi agredido por comissários de voo que tentaram reembarcá-lo à força de volta para a Nigéria, mas nega qualquer outro tipo de violação dos direitos humanos.

 

— A gente cumpre a lei. Não estamos coibindo a entrada nem maltratando ninguém. É só pedir refúgio que entra. Somos São Pedro do paraíso sem portões— diz Castilho. Um homem negro, jovem e sozinho aparentava nervosismo durante o embarque para Lagos, a maior cidade da Nigéria, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). Seu comportamento e a mala de mão que ele levava chamaram a atenção de agentes da Polícia Federal, que encontraram quase quatro quilos de cocaína no forro da bagagem.

PF PRENDE 23 MULAS

Um homem negro, jovem e sozinho aparentava nervosismo durante o embarque para Lagos, a maior cidade da Nigéria, no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). Seu comportamento e a mala de mão que ele levava chamaram a atenção de agentes da Polícia Federal, que encontraram quase quatro quilos de cocaína no forro da bagagem.

O caso seria mais uma típica ocorrência em que uma mula — como são chamados os que transportam drogas para o tráfico internacional — é presa em flagrante. Mas os documentos do rapaz, um nigeriano, revelaram que ele era um dos milhares de solicitantes recentes de refúgio no Brasil.

A situação é nova e não é excepcional. Desde janeiro, a Polícia Federal conta ter prendido 23 estrangeiros que possuíam o protocolo do pedido de refúgio e tentavam, em São Paulo, embarcar com drogas para o exterior. Eles são 14% das mulas presas em flagrante este ano.

— Não estamos fazendo ilação. É um fato e nos chamou a atenção. Temos uma lei que salva vidas, mas um fato que se originou dessa lei é que muitos refugiados estão sendo cooptados pelo narcotráfico ou já vieram de seus países com a intenção de cometer crime— afirma o delegado Wagner Castilho.

DEMORA NA ANÁLISE DOS CASOS

Qualquer estrangeiro em território nacional pode pedir refúgio. Após fazer a solicitação, a pessoa recebe uma autorização provisória de permanência e tem direito a tirar carteira de trabalho e CPF. Cabe ao Comitê Nacional de Refugiados (Conare), órgão vinculado à Secretaria Nacional de Justiça, analisar o pedido e conceder ou não o status de refugiado.

O problema é que hoje o julgamento de cada caso leva mais de um ano para ser feito. Caso tenha o pedido negado, o migrante pode entrar com recurso. Desde 2012, porém, os recursos não são julgados. Hoje, há apenas cinco oficiais de elegibilidade, responsável pelas decisões, no órgão. A Secretaria Nacional de Justiça admite que a demora não é razoável e que haverá mudanças para acelerar o processo.

— A PF tem razão ao questionar o tempo de julgamento. Ele precisa ser diminuído, a demora fragiliza o instituto do refúgio — diz o defensor Daniel Chiaretti.

Segundo o delegado, as investigações apontam que as mulas foram cooptadas por quadrilhas nigerianas. E que as pessoas que passam pelo Conector têm o perfil de mulas:

— Elas estão vulneráveis, conseguem o protocolo de refúgio, mas têm pouca inserção social. São vítimas do tráfico.

DEFENSOR: PF USA PRISÕES PARA JUSTIFICAR CONECTOR

A divulgação pela Polícia Federal de casos de tráfico de drogas envolvendo solicitantes de refúgio provocou questionamentos entre autoridades e representantes da sociedade civil. As “mulas” que fizeram pedidos de refúgio representam 0,2% do total de solicitantes do ano passado.

— É um número irrisório. Qual é o propósito da PF de divulgar esse tipo de informação que pode disseminar grande preconceito contra os refugiados e nem é significativa sobre a realidade dessa população? — questionou Camila Asano, especialista em relações internacionais da Conectas, entidade de direitos humanos.

Para o defensor público Daniel Chiaretti, a intenção da polícia é legitimar suas ações, que ele considera “restritivas” em relação aos migrantes e refugiados:

— A PF faz uso dessas prisões para justificar a existência do Conector. Na prática, é a própria PF que está decidindo quem pode ou não pedir refúgio — afirma Chiaretti.

A Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal e as organizações de direitos humanos questionam o fato de que a Polícia Federal não assinou um convênio formulado no começo do ano que garantiria o acesso de defensores e assistentes sociais à área do Conector.

— A polícia está analisando ainda se vai assinar o convênio. Mas a Defensoria Pública e o posto humanizado da assistência social podem entrar quando quiser. Não sei por que eles não vêm — afirmou o delegado Wagner Castilho, da PF em Guarulhos.

Informado das declarações do delegado, o defensor público Daniel Chiaretti, disse que conseguiu ter a entrada autorizada no Conector apenas uma vez, depois de muita negociação, e que teve o acesso negado reiteradamente. E que, na única ocasião em que pode entrar, encontrou dois solicitantes de refúgio que não tinham sido encaminhados pela PF depois de vários dias retidos na sala.

— É mentira. É mentira que eu posso entrar. A polícia nunca permite a nossa entrada — afirmou Chiaretti.

Chiaretti questionou ainda o teor das informações passadas pela Polícia Federal em ofícios à defensoria. Na quinta-feira em que o GLOBO visitou o Conector e encontrou 21 pessoas, o defensor afirmou ter recebido um documento da PF informando que no espaço havia apenas um viajante indiano impedido pela companhia aérea de embarcar em férias para Port of Spain, a capital de Trinidad e Tobago. (Colaborou Tatiana Farah)

Fonte: O Globo
Brasil vira destino final de refugiados Jovens solteiros ainda são a maioria dos que buscam asilo no país, mas grupos de familiares são cada vez mais comunsAulas de português acolhem recém-chegados, que citam discriminação e dificuldades com a língua como maiores obstáculos no país adotivo Numa sala no centro de São Paulo, uma turma junta suas primeiras palavras em português para formar frases. “Onde você mora?”, “onde você come?”, “onde você dorme?”. “Onde” é o advérbio do dia, e eles aprendem verbos de uma nova língua para conjugá-los na nova vida. São refugiados vindos de países como Cuba, Colômbia, República Democrática do Congo, Camarões, Peru, Senegal, Etiópia e Somália.
Na turma do segundo horário, as nacionalidades não mudam muito. Mas, no meio dos adultos, estão um bebê colombiano de sete meses e uma serelepe menina de dois anos, nascida na República Democrática do Congo (ex-Zaire), enquanto os alunos, dentre eles seus pais, lêem frases em português.
Antes ponto de passagem ou paradeiro aleatório, o Brasil vem se firmando como destino final de refugiados.
O perfil dos que buscam o país também tem mudado lentamente nos últimos dois anos, dizem os envolvidos nas aulas de alfabetização em português às quais são enviados boa parte dos cerca de 30 a 40 solicitantes de refúgio que, segundo o diretor da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Ubaldo Steri, chegam por mês a São Paulo.
De acordo com Denise Collus, assistente social do Sesc onde são dadas as aulas, tem aumentado o número de famílias que procuram a instituição, em geral indicada pela Cáritas.
Apesar de não haver um número oficial registrado pelo Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), que coleta apenas dados individuais, as aulas servem como termômetro de um quadro mais amplo. “Se eles [o Sesc], que estão na ponta, percebem a mudança, esse dado deve proceder, sim”, diz o assessor do escritório brasileiro do Acnur, Luiz Fernando Godinho.Opção
Essas famílias chegam ao país tendo-o como destino e não apenas como um lugar de passagem ou como erro de itinerário -caso comum entre jovens africanos que vêem como clandestinos em navios.
Professora das turmas de português, Rosângela Portela sublinha a diferença. “Quando comecei a dar aula, há quatro anos, o perfil dos alunos era de pessoas que estavam de passagem”, conta. “O país tem se tornado opção com mais freqüência, principalmente neste ano”, relata a professora, que ilustra o fenômeno com o caso de outra mãe colombiana.
Já a mãe do bebê de sete meses, que prefere não se identificar, diz que, apesar da ajuda de instituições para refugiados, eles têm “vivido mal”. “Nós não quisemos aceitar albergues, porque ele [o bebê] esteve doente e é muito pequeno. Estamos em um quarto, nós e outra família”, relata a refugiada, que foi reassentada após ter passado pelo Equador, onde a família foi ameaçada.
A colombiana, que tem 20 anos e estudava direito, entrou como voluntária num serviço de direitos humanos e conheceu o pai do bebê, de 24.
“Ele já havia tido problemas com guerrilhas e paramilitares. Morava na Amazônia, na região de Putumayo. Houve ameaças de morte e bombas”, conta, segurando no colo o bebê.
“A chegada aqui foi muito difícil, porque falam outra língua. As pessoas desconfiam muito, pensam que somos delinqüentes. Ficam desconfiadas até para dar informações na rua.”
Enquanto o número de famílias cresce, os homens vindos sozinhos da África ainda são o grupo mais representativo dos refugiados no Brasil. “Quando saí do Congo, não sabia que viria para cá”, conta um refugiado que não quer se identificar.
“Não tenho emprego. Já fiz entrevistas, mas não houve respostas”, diz o refugiado, de 36 anos, que estudou pedagogia na República Democrática do Congo e planeja dar aulas de francês no Brasil, onde vive há oito meses. “Espero que consiga voltar. Mas não sei do futuro. Depende de Deus”, diz.
A dificuldade de emprego é ressaltada pelo peruano Aldo, 42. “Não há muitas oportunidades para refugiados no Brasil. Deveria ter algo na TV e nos jornais explicando aos empregadores o que é um refugiado, que não é uma pessoa má, é alguém que sai do seu país porque sua vida está em perigo.”
Para Aldo, há diferença no tratamento de refugiados que vêm de países reconhecidamente em guerra e quem foge de perseguições mais pontuais.
O diretor da Cáritas afirma que a diferença que existe é para “pessoas que o Acnur chama “vulneráveis”, com problemas, menores, mulheres, famílias e idosos. O tratamento é igual para todos, não há distinção de causa nem de situação.”Lista de extermínio
Com a família, Dragica Sebescen, 46, deixou a ex-Iugoslávia em 1992 rumo a um país que ficasse “o mais longe possível” da guerra da qual fugia. O português foi aprendido com dificuldade em casa, ao se separar do marido, quatro anos depois. “Eu precisava trabalhar. Pedi às minhas filhas para só falarem comigo em português.”
Dragica, nascida na cidade sérvia de Pancevo, a 16 km de Belgrado, veio para SP com o ex-marido, húngaro, e as três filhas, nascidas no que hoje é a Croácia, ao saber que a família estava em lista de extermínio.
“Vou me naturalizar”, diz ela, que dá aulas de modelagem de roupas, está terminando a pós-graduação em docência e acaba de financiar um apartamento.
Dragica afirma não se sentir mais uma refugiada, mas ainda hesita sobre ser brasileira. “Me chamaram outro dia para ir a um evento, aí tocou o hino [brasileiro]. Pensei: eu canto o hino ou não canto?”, pergunta, reiterando que o conhece de cor. “É complicado. Aí eu chorei.”
Se a língua é o maior muro entre os refugiados e a nova vida, para o angolano Diamantino Feijó -ou MC Diamond Dog- o que poderia aproximar Angola e Brasil esbarrou no racismo. “Eu me deparei com um preconceito escancarado, foi “trash”. Não me lembro de sofrer preconceito por ser refugiado ou por ser angolano. Mas sim por causa da cor da pele.”
Há sete anos no Brasil, após se formar em jornalismo, na UFMG, em Belo Horizonte, Feijó se mudou para São Paulo há oito meses e, há dois, conseguiu emprego, como designer.
“É difícil, mas o Brasil também tem os seus problemas. Eu jamais iria querer estar aqui para ser mais um problema”, diz.
Sobre voltar ao seu país, que, após 27 anos de conflito, começou a ver paz em 2002, ele hesita. Cita um poema do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto (1922-79), chamado “Havemos de voltar”. Mas diz que, mesmo assim, quer pedir o visto permanente do Brasil, ao qual já tem direito.
Fonte: Uol

Rejeitados pela Europa, refugiados veem Brasil como destino seguro

Vinte de junho é o Dia Mundial do Refugiado. Uma ocasião para lembrar que, atualmente, guerras, perseguições e violações de direitos humanos obrigaram milhões de pessoas a deixar suas vidas para trás em busca de segurança e paz. Um drama que está no centro dos debates políticos internacionais e traz à tona as dificuldades das nações lidarem com um problema tão árduo. Enquanto a Europa se empenha em fechar cada vez mais as fronteiras, o Brasil vem recebendo um número crescente de refugiados com uma política elogiada pelas grandes instituições da área.
Nos últimos cinco anos aumentou em 2.000% o número de refugiados que procuraram o Brasil. Se em 2010 a média era de 500 a 600 pedidos por ano, hoje são 12 mil e, apenas no primeiro semestre de 2015, já foram feitas mais de 6.300 solicitações.

Andrés Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), analisa porque o Brasil tem todas as condições para dar um bom acolhimento. “O Brasil é um país que, se comparado a outros do mundo que recebem refugiados, está muito bem, economicamente. A gente não tem como comparar o Brasil com os países da África ou do Oriente Médio. O Brasil é a sétima economia do mundo. E mesmo se o número de chegadas está aumentando, ainda é pequeno se compararmos com outras regiões do mundo e com a população brasileira, com a economia e o tamanho geográfico”, diz Ramirez.

Política generosa que requer mais estrutura

No mapa geopolítico global, Ramirez contextualiza o Brasil e a Europa em termos de acolhimento de refugiados. Mesmo admitindo que é complicado comparar as duas regiões, ele constata que a situação na Europa é muito grave e que a política para os refugiados é cada vez mais restritiva, ao contrário da brasileira, que é bem generosa.

O problema, segundo o diretor da Acnur no Brasil, é a falta de estrutura do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que tem que ser fortalecido, e as autoridades brasileiras sabem disso. “A situação de chegada de refugiados está piorando e isso vai continuar, e só vai aumentar”, observa Ramirez, analisando que as crises mundiais, a política restritiva da Europa e a visibilidade do Brasil no plano internacional formam um conjunto que nos faz entender porque o país atrai cada vez mais refugiados.

De onde vêm os refugiados do Brasil?

Marcelo Haydu é um dos fundadores e diretor executivo do Instituto de Reintegração do Refugiado (Adus), sediado em São Paulo, que apoia os recém-chegados na sua adaptação ao novo país. Ponte entre refugiados e empresas, o Instituto oferece aulas de português e cursos profissionalizantes, e apoia administrativamente os que ainda não falam o português.

“As pessoas chegam de 81 países e as que mais nos procuram vêm da Síria, República Democrática do Congo, Mali, Nigéria, Costa do Marfim, Palestina… Esses são os que mais nos procuram”, comenta, concordando com a Acnur no que se refere à falta de estrutura geral para se lidar com a crescente solicitação de refúgio.

“O Brasil não se preparou para a entrada dessas pessoas. São Paulo começa a se movimentar nesse sentido, foram criadas algumas estruturas de acolhimento e albergues, postos de saúde, mutirões com empresas para tentar que contratem os refugiados”, explica Marcelo Haydu, concluindo que tudo isso ainda está muito aquém do que pode ser feito.

Fonte: GGN