Cortiços do Rio Antigo resistem na Zona Portuária

Pesquisa revela 54 endereços no berço da cidade, alguns do século XIX

Um dos cortiços mais antigos da cidade fica na Rua Senador Pompeu 65, perto do antigo Cabeça de Porco, demolido em 1893 na rua paralela. A herdeira do imóvel conta já ter visto assombração de madrugadaFoto: Domingos Peixoto
Um dos cortiços mais antigos da cidade fica na Rua Senador Pompeu 65, perto do antigo Cabeça de Porco, demolido em 1893 na rua paralela. A herdeira do imóvel conta já ter visto assombração de madrugada – Domingos Peixoto
     Tábuas de madeira rangem quando alguém caminha na varanda. Tudo é antigo e vem de outra época, de uma cidade que já não existe e que, ao mesmo tempo, resiste. Debruçada no tanque, Nivea lava roupa antes de ir à praia. Ao lado, Paulo toma banho e se barbeia para fazer um bico como segurança. Dona Francisca, recém-chegada de Brasília, se aproxima com uma panela de feijão e lava os grãos junto aos vizinhos. A vida pulsa em um dos cortiços mais antigos da cidade, na Rua Senador Pompeu 43, onde moram 80 pessoas.

Símbolos de um passado distante, quando o Rio foi centro do Império, cortiços eram os quilombos da capital — habitações coletivas à margem de uma cidade que aspirava ser europeia. Seus habitantes, escravos libertos e imigrantes, homens e mulheres pobres, foram expulsos de onde viviam pelos prefeitos Barata Ribeiro e Pereira Passos. O primeiro pôs abaixo, em 26 de janeiro de 1893, o lendário Cabeça de Porco, onde moravam pelo menos duas mil pessoas numa imensa construção na Rua Barão de São Félix 154. Após a demolição, a “Revista Illustrada” publicou em sua capa um poema melancólico e um desenho, mostrando uma cabeça de porco servida num prato, com uma lágrima escorrendo.

Mas os cortiços nunca deixaram de existir. Coordenada pelo cientista social Orlando Alves dos Santos, uma pesquisa do Observatório das Metrópoles (UFRJ) conseguiu mapear 54 cortiços existentes no berço do Rio: a Zona Portuária. São habitados por cerca de 800 famílias e diferem, em sua maioria, das habitações que inspiraram Aluísio Azevedo no romance “O cortiço”, publicado em 1890. Há desde invasões promovidas por traficantes do Morro da Providência, em endereços comerciais abandonados, até ocupações de casarões da Venerável Ordem Terceira por moradores sem teto. Quatro desses cortiços foram erguidos em meados do século 19 — três deles na mesma rua, a Senador Pompeu, e um na Rua Costa Ferreira. Os quatro ficam a uma curta distância do velho Cabeça de Porco.

No primeiro andar da Senador Pompeu 43, há moradias com quarto, sala e banheiro. Um fogão é improvisado na sala, que serve de cozinha, e as refeições, muitas vezes, são feitas do lado de fora, onde há mais espaço. As instalações do segundo andar são franciscanas, com quartos de aproximadamente cinco metros quadrados, paredes de estuque cheias de buraco, um banheiro feminino, um masculino e apenas um chuveiro.

— O problema no andar de cima é que só as mulheres limpam o banheiro — reclama a cearense Bianca Souza, prestes a completar 21 anos.

  • Nivea Freire pendura as roupas recém-lavadas no cortiço onde vive, na Rua Senador PompeuFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Vida em comunidade: mulher lava os cabelos no tanque de sua casaFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • A pequena Ana Bela vive em um dos cortiços mais antigos da cidade, na Rua Costa FerreiraFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Paulo Otero faz a barba antes de sair para o trabalhoFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Vizinhos almoçam na varanda de cortiço na Senador Pompeu, onde as tábuas de madeira rangem quando alguém passaFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Baiana, Dona Maria passava fome na casa de família onde conseguiu seu primeiro trabalho no Rio, no Leblon, há 40 anosFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Embaixo, casas com quarto, sala e banheiro; em cima, apenas quartos de cinco metros quadradosFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Morador de cortiço à vontade após tomar banho em ducha comunitáriaFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • No número 65 da Senador Pompeu, as placas dos quartos são em algarismos romanos, como antigamenteFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Paulo Otero na janela enquanto Nivea Freire lava suas roupas no Dia dos FinadosFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Seu Raimundo está ficando cego e não vê as baratas ao seu redor. Perdeu os documentos e espera uma cirurgia de catarata há seis meses Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

  • Dona de um cortiço na Senador Pompeu, Andreia Barros, neta de portugueses, passa as noites com sua família na calçada de casaFoto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

 

Segundo ela, “as portas de casa ficam abertas, mas é cada um por si”.

— Não vou na casa de ninguém, ninguém vem na minha casa, mas todos se cumprimentam — afirma Bianca, que vive há um ano na cidade, sempre naquele endereço. — Nunca achei que fosse visitar o Rio um dia. Agora vivo aqui. É mais do que sonhei.

Se fizessem um censo com moradores deste antigo endereço, propriedade de um português que herdou o imóvel, talvez a maioria fosse cearense. Claudio Fontenelle, de 46 anos, chegou à antiga habitação há cinco. Há pouco tempo se juntaram a ele dois primos do Nordeste, e os três passaram a dividir o mesmo quarto — cada um paga R$ 125 por mês. Claudio trabalha com confecção de camisas. Quando está em casa, gosta de ficar na varanda ouvindo forró no celular.

— Vale a pena pelo preço. À noite é perigoso, mas ninguém mexe com você, a menos que você mexa com alguém.

EM CADA QUARTO, UM DRAMA

Os velhos cortiços do Rio estão cheios dos velhos dramas da gente. Angela Leal, de 52 anos, sonha em conseguir um emprego para voltar a cuidar dos cabelos, dos dentes, da vida — e sambar na Sapucaí outra vez. Seu Raimundo Juarez, de 75, está ficando cego e já não enxerga as baratas subindo pelas paredes, espalhadas pelo quarto todo. Seu pedido de cirurgia de catarata foi feito há seis meses no SUS, mas ainda não há previsão de quando será atendido. Seu Raimundo é tão pobre que só faz uma refeição por dia. No almoço do Dia de Finados, comeu arroz e farofa.

— Só quero voltar para São Benedito (CE), onde sei roçar e plantar. Meus quatro filhos estão lá — afirma, lembrando depois de uma quinta filha, na verdade a mais velha, que ele deu para uma mulher de Botafogo quando a criança tinha 8 anos. — Nunca tive sorte na vida. Estávamos passando fome, não consegui cuidar da menina. Penso nela sempre.

Na habitação vizinha, com os mesmos cinco metros quadrados, vivem Maria Rosa Régis dos Santos, de 60 anos, e seu sobrinho André, de 32. Enquanto ela come macarrão na panela, o rapaz está deitado na cama. Dona Maria explica:

— Esse menino é trabalhador, estava entregando água aqui perto, na virada do ano, quando um policial encrencou com ele. O PM sacou a pistola e deu um tiro à queima-roupa na virilha do meu sobrinho. Por que na virilha? — indaga.

André só anda apoiado em muletas. Precisa de remédios controlados para dormir. Vive deprimido, com as mãos trêmulas. Até para levantar da cama lhe falta força. A impressão é que só um milagre é capaz de salvá-lo. Mas ele sorri.

— Viver é difícil, moço — diz apenas.

Nivea Freire lava roupa no Dia de Finados pouco antes do segurança Paulo Otero sair para fazer um biscate em Copacabana – Domingos Peixoto

Como as paredes são de pau-a-pique, e como todos estão muito próximos, qualquer briga ou discussão pode ser ouvida. Vizinhos sabem quem está preso, grávida, os que traíram ou tiveram a mercadoria apreendida pela Guarda Municipal. Alguns reclamam dessa vida de cidade pequena — ao estilo carioca, é verdade, onde é possível acordar com o som de um beija-flor ou o barulho de uma granada, como o que se ouviu no último feriado. Um funcionário antigo da Secretaria municipal de Habitação admite que a prefeitura não tem ideia de quantas pessoas vivem em cortiços no Rio. Segundo o último Censo do IBGE, o Estado do Rio tem o segundo maior número de moradias compartilhadas no país, com mais de 35 mil — São Paulo tem 86,5 mil, de um total de 296 mil em todo o Brasil.

Na Rua Costa Ferreira 70, também um dos poucos cortiços que sobreviveram, em um dos acessos ao Morro da Providência, vive a família de Mislene de Souza, de 26 anos. É o mais abandonado dos endereços, infestado de ratos e baratas que vêm do lixão no terreno ao lado, onde talvez houvesse outro cortiço antigamente. O único sinal do Porto Maravilha, que também deveria estar ali, é uma lixeira azul com o símbolo da concessionária Porto Novo.

O celular de Mislene quebrou há dois meses e não há dinheiro para o conserto. Como as creches públicas estão lotadas, ela não tem com quem deixar Ricardo, de 7 anos, e Ana Bela, de 2, então não pode trabalhar. São crianças muito espertas. Ricardo quer mostrar que é bom na escola. Ele escreve do que mais gosta no cortiço: “Família”. O que menos gosta: “Barulho alto”. O que comeu no almoço: “Miojo”.

— Quando o dinheiro dá, a gente coloca um ovo no miojo. Não passamos fome, mas é quase isso — diz a mãe.

Da porta do número 65, na Senador Pompeu, vê-se a proprietária Andreia Barros, de 45 anos, varrendo o chão. Sua família está na calçada, a tarde cai e a noite vai chegando. O imóvel foi herança deixada para ela e mais duas irmãs. Andreia cuida de tudo. Diz que os contratempos são a internet, que cai de cinco em cinco minutos, e as telhas francesas, com barro que faz gotejar em dias de chuva. Há fila de espera para ocupar uma das 39 residências:

— Uma vez veio aqui um pastor evangélico. Descobrimos que ele era ligado ao tráfico e que tinha uma mala em casa com mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo. Mandei embora na hora.

O cortiço tem aposentados, músicos, camelôs. Tem o Marquinho, querido por todos, que fez um canteiro de flores e plantas na varanda em frente ao seu quarto. Quase todos os móveis de sua casa foram encontrados no lixo.

 

O ar parece mais leve no cortiço de Andreia. Os vizinhos bebem juntos no entardecer, fazem feijoada de São Jorge no dia 23 de abril, e o Natal também é em comum. Bem diferente do tempo de seu avô, Abílio Rodrigues, um português que só alugava o imóvel para conterrâneos. Alguns quartos do cortiço estão fechados. Há uma infinidade de móveis e ferramentas deixados pelos patrícios que lá viveram. Andreia não fala muito sobre isso para não assustar os inquilinos, mas conta que já viu “vultos estranhos”:

— Gosto de fumar de madrugada. Desde criança vejo esses vultos. Você tem a nítida impressão de que é uma pessoa, mas logo desaparece.

Seu pai já recusou uma oferta de R$ 5 milhões pelo terreno. Ela diz que faria o mesmo. Joga na loteria toda semana e sonha alto. Quer revitalizar o imóvel inteiro — pagando um hotel para os inquilinos durante a reforma — e depois voltar para lá, todos juntos, mantendo o espaço como sempre foi: cortiço.

Novos hotéis no Japão oferecem espaço apertado para um orçamento reduzido

Opções vão desde “hotéis cápsulas” até quartos cobrados por hora


Uma das opções mais econômicas de acomodação em Tóquio – Reuters

TÓQUIO – Com o número de turistas e os preços dos hotéis em ascensão no Japão, graças a um iene mais fraco, novos nichos criativos de acomodações que não perdem o estilo, porém mais baratas, que incluem beliches, cabines e “pods”, têm crescido no país.

Atualmente, um pequeno quarto duplo em um hotel com serviço limitado pode custar até 30 mil ienes (US$ 240) por dia, no centro de Tóquio, por exemplo. Mas, se você procurar um pouco mais, é possível encontrar conforto em opções que custam uma mera fração deste valor.

Apenas a 10 minutos a pé da famosa zona comercial de Akihabara, na capital japonesa, um prédio branco de oito andares chamado Grids (grids-hostel.com) está localizado entre edifícios de escritórios e apartamentos. O hotel, uma conversão de um edifício de escritórios, foi inaugurado em abril, e oferece quartos de 3.300 ienes (US$ 26) a 5 mil ienes (US$ 40) por pessoa.

A cama de beliche em um quarto compartilhado é a opção mais barata, e vem com chinelos, uma toalha de banho e um armário com chave.

Um duplo padrão de 12 metros quadrados, com banheiro compartilhado, custa apenas 3.600 ienes (US$ 29) por pessoa. E, se você veio com a família ou amigos, no andar de cima há quartos premiums de 28 metros quadrados, onde os hóspedes podem esticar futons para quatro pessoas. A acomodação custa cerca de 5 mil ienes (US$ 40) por pessoa.”A conversão de um edifício de escritórios em um hotel é uma maneira ideal para responder às necessidades imediatas de quartos de hotel”, disse Yukari Sasaki, diretor gerente sênior para Sankei Edifício Co, um promotor imobiliário para Grids. “A construção de um hotel a partir do zero custa muito dinheiro agora por causa dos altos custos de construção”, acrescentou.

O tempo médio para se construir um novo hotel é de três anos, enquanto Sankei passou menos de um para abrir o Grids: ele começou a planejar o empreendimento no verão passado (entre junho e setembro). O empresário já garantiu uma outra propriedade para o Grids no distrito de Nihonbashi, não muito longe da estação de Tóquio. E ele ainda está planejando construir em Kioto e Osaka.

Um recorde de 13,4 milhões de estrangeiros visitaram o Japão no ano passado, em parte graças ao iene mais fraco. O país pretende aumentar o número para 20 milhões até 2020, ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio, e para 30 milhões em 2030.

GRADES, CABINES E HORAS

Decoração do hotel Grids, que oferece acomodação mais econômica em Tóquio – Reuters

O First Cabin(first-cabin.jp), presente em seis cidades do país, também é uma rede de hotéis convertidos a partir de edifícios de escritórios. Com diárias de 5.500 ienes (R$ 44), a “classe executiva” tem uma cama de solteiro, com espaço suficiente apenas para que os hóspedes possam se levantar. Por mil ienes (US$ 8), é possível obter uma “cabine de primeira classe”, com espaço para abrir uma mala de viagem e se trocar, o que é um pouco maior do que uma unidade em um dos famosos “hotéis cápsula”.

O First Cabin de Tsukiji, perto do famoso mercado de peixe de Tóquio, é um edifício de escritórios convertido, com um café no térreo que se torna um bar de vinhos à noite. Os hóspedes podem tomar banho em casas de banho comuns grandes o suficiente para cerca de 10 pessoas.

Há também hotéis de “nove horas”, com base na noção de que as pessoas dormem durante sete horas e precisam de uma hora em cada extremidade, no Aeroporto Internacional de Narita e em Kioto. Estes “pods sono”, que parecem semelhantes a “hotéis cápsula”, são mais elegantes e afirmam ter melhores colchões. “Nosso serviço é limitado a camas e chuveiros,” disse Takahiro Matsui, diretor executivo da Nine Hours Inc, que administra o hotel. “Mas nós temos a melhor qualidade para o que oferecemos.”

O Nine Hours (ninehours.co.jp) em Kioto é uma estrutura de nove andares com 125 pods, enquanto o de Narita ocupa um grande andar de um prédio de escritórios. A empresa planeja abrir mais “hotéis nove horas” no futuro, disse Matsui.

Finalmente, para aqueles que querem uma experiência mais interativa, a cadeia de Sakura Hotel (sakura-hotel.co.jp), em Tóquio, que foi construída em torno de 2007, organiza excursões, incluindo viagens para ver sumô. As tarifas dos quartos variam de 3 mil ienes (US$ 24) por pessoa para uma cama de beliche até 7 mil ienes (US$ 56) para um quarto single.

Fonte: O Globo