Nível do sistema Cantareira sobe de 9,5% para 10% em 20/2/15
Apesar das altas, represas ainda não recuperaram nem o 2º volume morto.
Outros quatro mananciais que atendem a Grande SP também subiram.

O nível do sistema Cantareira manteve a sequência de altas de fevereiro e subiu pela 15ª vez seguida, passando de 9,5% para 10,0%, segundo a Sabesp. O número é o dobro do registrado no dia 1º, quando os reservatórios estavam em 5%, mas não cobre nem a segunda cota do volume morto, que acrescentou 10,7 pontos percentuais ao sistema em outubro passado.
O reservatório, que abastece 6,2 milhões de pessoas na Grande São Paulo, têm recebido chuvas constantes e já superou a média histórica do mês em 33,8%. No entanto, o risco de racionamento não está descartado e consumidores enfrentam a redução de pressão nas torneiras realizada pela Sabesp.
Segundo a companhia, quando o Cantareira atingir 10,7%, numericamente o sistema terá recuperado a segunda cota e entrará no primeiro volume morto, que vai até 18,5% do nível total. “Isto quer dizer que quando o sistema chegar 29,2% voltará ao volume útil (10,7% + 18,5%)”, informou a Sabesp em nota.
Outros sistemas
Os demais mananciais que atendem a Grande São paulo subiram. Apenas o Rio Grande manteve-se no mesmo nível da quinta-feira (19). O Alto Tietê, o mais crítico depois do Cantareira, manteve o ritmo de alta e chegou a 17,8%.


As chuvas de fevereiro já superaram em 30,6% o previsto para todo o mês, mas a situação ainda é crítica e o racionamento não está descartado pelo governo. Apesar das recentes altas, o manancial ainda não recuperou nem o segundo volume morto, captado a partir de outubro, que representa 10,7% da capacidade do sistema.
Segundo a Sabesp, quando o Cantareira atingir 10,7%, numericamente o sistema terá recuperado a segunda cota e entrará no primeiro volume morto, que vai até 18,5% do nível total. “Isto quer dizer que quando o sistema chegar 29,2% voltará ao volume útil (10,7% + 18,5%)”, informou a Sabesp em nota.
Aumento nos sistemas
Os demais sistemas também voltaram a apresentar alta, e o mais crítico deles, o Alto Tietê, segundo maior em capacidade de armazenamento, subiu de 16,3% para 17,2%.
A alta verificada no Cantareira é a 16ª alta de fevereiro e a 14ª consecutiva. O aumento do nível desde o começo do mês é de 4,5 pontos percentuais. As represas voltaram ao patamar do dia 23 de novembro de 2014, quando já era captada água do segundo volume morto.
Há exatamente um ano, o sistema tinha 18,2% do seu volume regular. À época nenhuma parte dos volumes mortos havia sido captada.

Multa
A Sabesp começou a entregar neste mês contas de água com multa para quem excedeu a média do consumo. A sobretaxa na conta foi autorizada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e a multa varia entre 40% e 100% para quem consumir mais água neste ano no comparativo entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014.
A multa foi de 40% para quem consumiu até 20% a mais do que a média do período anterior e a taxa foi de 100% para quem utilizou mais que 20%. A medida é válida somente na parte do gasto de água encanada, que representa metade do valor da conta. Os outros 50% são referentes ao serviço de coleta de esgoto.
Vista aérea da represa de Jaguari, parte do Sistema Cantareira, em Bragança Paulista (SP) (Foto: Nacho Doce/Reuters)
Previsão de chuvas
As precipitações devem ficar abaixo da média pelo menos até abril. É o que prevê o Grupo de Trabalho em Previsão Climática Sazonal do Ministério de Ciência e Tecnologia. O resultado foi divulgado em 16 de janeiro, na sede do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em Brasília.
Junto com o ano de 2014, terminou também o melhor mês do Cantareira no ano. Em dezembro, o nível do sistema baixou 1,5 ponto percentual. Foi o menor índice de queda mensal no ano. A maior baixa foi em fevereiro, quando o volume acumulado recuou 5,5 pontos percentuais.
Dezembro também foi o melhor mês em número de dias sem queda no nível do reservatório. Foram 11: em 8 deles o nível se estabilizou, e em outros 3 ele chegou a subir. Foi a única vez no ano em que o nível aumentou três vezes seguidas, dos dias 24 a 26. Nesse sentido, os piores meses foram junho, julho, agosto e outubro, quando o nível caiu todos os dias.
O Cantareira terminou 2014 sem recuperar 492 bilhões de litros de água perdidos durante os 12 meses. O ano começou com o nível do reservatório em 27,2% e terminou com 7,2%.
Porém, com a utilização das duas cotas do volume morto (a primeira elevou o manancial em 18,5 pontos percentuais e a segunda em 10,7 pontos percentuais) é como se os reservatórios tivessem iniciado 2014 com um volume acumulado de 56,4%.
Assim, a queda foi 49,2% durante o ano. O número representa 492 bilhões de litros. De acordo com estimativas da Sabesp, o reservatório tem capacidade de armazenar 1 trilhão de litros, quando está com 100% do seu nível.
Multa
Depois de ser barrada na Justiça no dia 13, a sobretaxa na conta de água para quem aumentar o consumo voltou a valer no dia 14, após o governo vencer recurso contra a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste).
A partir da conta de fevereiro, serão cobrados 40% de multa para quem consumir até 20% a mais do que a média entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014. Quem ultrapassar 20% dessa média será multado em 100% sobre o gasto com água, que representa metade da conta. Os outros 50% são referentes ao serviço de coleta de esgoto.
Com a medida, a multa será aplicada da seguinte maneira: um consumidor que, em média, gasta 10 m³ de água receberá conta 20% mais cara se utilizar entre 10,1 m³ e 12 m³ em um mês. Caso gaste acima de 12,1 m³, irá pagar 50% a mais. O consumidor que elevar o gasto passará a ser cobrado na conta de fevereiro.
Bônus
Entre fevereiro e outubro do ano passado, a companhia concedeu bônus de 30% na conta de clientes que economizassem 20% ou mais de água em relação à média de consumo entre dos 12 meses que vão de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.
A medida foi adotada para estimular a redução no consumo. Desde novembro, o desconto gradual passou a ser dado para os imóveis que reduzirem o consumo entre 10% e 20%. O desconto foi prorrogado até o fim de 2015.
O percentual será calculado com base na média de fevereiro de 2013 até janeiro de 2014. A média já aparece na conta dos consumidores. A meta do governo é reduzir 2,5 metros cúbicos por segundo de consumo
Fonte: G1
Rodízio de 4 dias sem água e 2 com é o mais provável para São Paulo
Um rodízio de 4 por 2 (quatro dias sem água e dois com) é a saída mais provável que está sendo estudada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para tentar evitar o colapso completo do Sistema Cantareira.
Técnicos do governo Geraldo Alckmin (PSDB) defendem que a medida seja adotada na Grande São Paulo já a partir de março, caso a seca no maior manancial paulista continue crítica no próximo mês. Oficialmente, a Sabesp afirma que não há nenhuma definição sobre rodízio.
Segundo o Estado apurou, o rodízio de 5 por 2 cogitado nesta semana pelo diretor metropolitano da Sabesp, Paulo Massato, é considerado “inviável” dentro da própria companhia do ponto de vista operacional.
A medida poderia deixar moradores de bairros mais altos continuamente sem água, conforme explica Jorge Giroldo, especialista em engenharia hidráulica e professor da Fundação Educacional Inaciana (FEI).
“Vão parar de receber água automaticamente, assim que a pressão começar a ser reduzida. Os bairros de baixo, não. Vão continuar recebendo a água enquanto houver pressão, já que a água vai continuar descendo até acabar. Quando liberarem a água, vai encher as partes mais baixas da cidade para depois subir.”
As declarações feitas por Massato, ao lado de Alckmin durante um evento na Grande São Paulo, na terça-feira, teriam, segundo pessoas ligadas à companhia, o objetivo de chocar a população com o cenário mais pessimista e reduzir os danos para a provável implementação de um rodízio severo, porém, “menos drástico”.
Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo” apurou, a possibilidade de se adotar um rodízio 3 por 1 (três dias sem água e um com) está praticamente descartada pela companhia, uma vez que a economia que seria obtida com a medida equivale aos cerca de 8 mil litros por segundo que a Sabesp já poupa com a redução da pressão na rede, a ação mais eficiente no enfrentamento da crise, mas que tem deixado moradores da Grande São Paulo mais de 18 horas sem água.
De acordo com o secretário paulista de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, o início do rodízio dependerá do volume de chuvas no mês de fevereiro na região dos reservatórios do Cantareira.
Neste mês, a quantidade de água que tem entrado no manancial (vazão afluente) corresponde a apenas 13,1% da média histórica mensal desde 1930 e está 42% pior do que janeiro de 2014, que havia batido o recorde de estiagem do manancial.
Se fevereiro deste ano for igual ou pior do que o do ano passado, quando a vazão afluente ficou 87% abaixo da média mensal, o colapso do Cantareira seria iminente e só poderia ser evitado ou adiado com a adoção de “rodízio drástico”, no qual a Sabesp deve reduzir para ao menos 10 mil litros por segundo o volume de água retirado das represas, ante os atuais 14,6 mil litros por segundo.
Neste cenário, técnicos do governo defendem que o rodízio já seja adotado em março, o último mês do período chuvoso. O objetivo seria fazer o nível do Cantareira voltar a subir, evitando, assim, o uso de uma terceira cota de 41 bilhões de litros do volume morto do sistema, e estocando o máximo possível de água para atravessar a estiagem, até outubro.
A projeção, contudo, enfrenta resistência no núcleo político do governo, que teme desgaste à imagem de Alckmin. Em 2014, o governador repetiu em inúmeros eventos que o abastecimento de água da Grande São Paulo estava garantido até março de 2015. Neste cenário, se as chuvas não vierem, o rodízio seria adotado a partir de abril.
Ontem, o Estado revelou que o rodízio de dois dias com água e um dia sem proposto há um ano pela Sabesp e vetado pelo governo teria resultado em uma economia de 120 bilhões de litros em 2014, ou 4,2 mil litros por segundo. De acordo com a Sabesp, a economia alcançada com a redução da pressão e com o bônus aos consumidores foi maior no período.
Em nota, a Sabesp informou ontem que não há definição nem se haverá racionamento de água e uma “eventual decisão sobre o tema será comunicada de maneira transparente e com a devida antecedência” à população. As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.
Com as chuvas abaixo da média em São Paulo, o Cantareira pode secar nos próximos meses. No pior cenário, seca em março. A trágica previsão do presidente da Sabesp preocupou a população que – ao contrário dos bairros mais pobres – ainda não sentiu os efeitos da crise hídrica. Agora, eles se perguntam: Como viver em São Paulo sem água? Ainda é difícil definir os impactos sociais e econômicos dessa crise sem precedentes. No entanto, algumas consequências do total desabastecimento são previsíveis, como fechamento de escolas e suspensão das aulas, tráfego intenso de caminhões-pipa para atendimentos emergenciais, escritórios abandonados e até violência entre vizinhos na disputa pela água potável, por exemplo. Com o rodízio de abastecimento em cinco dias da semana, que não tem data para ser oficialmente implantado segundo o governador Geraldo Alckmin, creches e escolas seriam as primeiras a sentir os efeitos permanentes da crise. Com reservatórios vazios, elas dispensariam alunos e antecipariam as férias escolares. A possibilidade já é discutida nos bastidores. Segundo a coluna de Sonia Racy, no jornal O Estado de São Paulo, o governador já estuda antecipar o período de junho para maio para diminuir o consumo de água. Isso afetaria diretamente a rotina familiar. “É bem provável a suspensão do semestre letivo até a volta das chuvas. As crianças deixariam a escola sem data para voltar. Vamos ter um impacto na organização familiar”, explica o físico Delcio Rodrigues, especialista em mudanças climáticas e conselheiro do Vitae Civilis. O segundo impacto, segundo ele, ocorreria nos escritórios sediados em prédios que não contam com grandes reservatórios de água. No primeiro momento, sem água potável para consumo, empresas dariam férias coletivas aos trabalhadores. Pequenos comércios, como padarias, restaurantes, bares e até salões de cabeleireiros, por exemplo, também fechariam as portas. “Funcionários terão férias coletivas, mas se a situação não se normalizar, vão começar as demissões”, sugere Rodrigues, que não descarta também a saída de grandes companhias da capital. “A soma de tudo isso gera um impacto significativo no emprego. Não temos experiência história para dimensionar os prejuízos”, defende. O anúncio do possível rodízio reforçou a ineficiência do Estado, critica o especialista. Quando a torneira secar por uma semana, as pessoas deixarão suas casas em busca de água para tomar banho, cozinhar e realizar as necessidades básicas. “Vimos isso na cidade de Itu há pouco tempo. As pessoas vão apelar para a violência. Esse individualismo pode gerar muito conflito social”. Para evitar o “salva-se quem puder”, o governo deve apresentar um plano de emergência e definir locais e horários para a distribuição de água potável. “Quanto mais em cima da hora, vamos ter mais conflito e pânico. A população tem que se armar com o coletivismo porque o governo não dá a resposta necessária”, conclui. Antônio Carlos Zuffo, geógrafo e chefe do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, cita que com o fim do Cantareira, São Paulo ficará completamente dependente da vazão natural dos rios. A terceira cota do volume morto duraria no máximo 40 dias, considerando a taxa de consumo atual. Para amenizar “o clima de guerra”, ele sugere o abastecimento temporário com a água da represa Billings, hoje poluída após décadas recebendo esgoto dos rios Pinheiros e Tietê. “O governo poderia fazer uma desinfeção e colocar água bruta na rede. Eu preferia receber em casa uma água assim para dar descarga e até lavar roupa. É um abastecimento precário, mas pelo menos não ficaríamos totalmente sem água”, diz ele. Desinfetada, a água bruta chegaria aos lares com cor amarelada e forte cheiro, portanto, não potável. Se ignorar a água da Billings, São Paulo será tomada pelo tráfego de centenas de caminhões-pipa. E o número de condomínios e hospitais na cidades colocaria em prova a atual frota desses veículos. “A minha obrigação é avisar a população da gravidade da situação. E o Estado não está fazendo isso”, explica Zuffo. Ele cita que outros países apresentam gestões de sucesso diante da crise, com decisões descentralizadas e participativas. “Nós estamos indo na contra-mão do sucesso e indo direto ao fracasso. As decisões estão vindo de cima para baixo e são políticas, não técnicas”. Desespero por informações A estimativa de seca do Cantareira movimentou a agenda popular. Coletivos sociais realizaram pelo menos três debates na última semana sobre como lidar com a crise. Os bairros Pompeia e Pinheiros receberam os primeiros encontros. O grupo Casa de Lua reuniu ao menos 40 pessoas, todos de classe média-alta, para propor soluções práticas de sobrevivência com a ajuda de três ambientalistas e ativistas. O evento durou duas horas e meia. Todos deixaram o local assustados, questionando ainda como deveriam captar água de chuva e economizar. “São pessoas extremamente cultas, mas que não têm ideia do que fazer. A população ficou muito tempo em estado de negação. Estamos super atrasados. Talvez, a fase de propostas comece tarde demais”, disse uma das organizadoras do evento, ressaltando que “o encontro foi marcado pela urgência das nossas angústias”. A estudante Camila Pavanelli, de 32 anos, busca entender a situação desde outubro do ano passado. O grande número de reportagens publicadas e informações soltas da Sabesp fez com que ela criasse o tumblr Boletim da Falta d’Água em SP. Sua tarefa é reunir semanalmente diversas publicações para traduzir a crise aos seus leitores. “Minha tentativa foi um encontrar um jeito didático para explicar o que está acontecendo”. Ela está frustrada, porém, por competir com boatos e teorias da conspiração que circulam na internet. “Existe uma demanda enorme da não informação. As pessoas ainda não querem saber que água pode e vai acabar”. A ambientalista Claudia Visoni, líder do movimento Cisterna Já, percebeu que a urgência por informações cresceu nas últimas duas semanas. O grupo divulga o know-how para a captação e aproveitamento de água da chuva, que pode suprir até 50% do consumo de uma residência. “Falamos sobre isso desde o ano passado, mas parece que a sociedade não levou muito a sério. A Copa do Mundo e Eleições desviaram o foco”. A população, segundo Cláudia, deveria se preparar com um plano de contingência de curto prazo. “Tem coisas, como a cisterna, que a gente consegue fazer no nível individual. Mas a sociedade precisa se reorganizar e buscar informações. Mas ainda precisamos de mais informações e transparência. O governo deve isso para a sociedade.” Hidrômetros individuais Presidente da Metal Sinter, que cria soluções para economia de água, Sérgio Cintra também viu sua demanda disparar nos últimos 15 dias. Só agora, com as torneiras secas, alguns condomínios residenciais o têm procurado. “Com a redução da pressão [feita pela Sabesp], alguns andares mais altos não estavam recebendo água. Então a gente começou a receber demanda para tratamento de água de efluentes, captação de água da chuva”, conta. “Agora a população está em pânico. E vai faltar água mesmo. Vamos ter um clima de guerra, um Mad Max, vizinho roubando água de vizinho.” O empresário diz que, na maioria dos casos, os condomínios sequer possuem medidores (hidrômetros) para cada residência – a individualização reduz em até 35% os gastos com a conta de água, segundo o Secovi, o sindicato do mercado imobiliário. A captação de água de chuvas oferecida pela Metal Sinter permite uma economia de 30%. A empresa desenvolveu e patenteou, também, uma alternativa mais barata. “O consumidor que tem piscina a utiliza como um volume morto”, conta Cintra. “Há uma estação [de tratamento] que está lá, puxa a água da piscina e manda para a caixa d’água.” A Metal Sinter também criou um sistema que permite economia de até 90% da água na lavagem de carros, mas só em novembro do ano passado o sindicato de postos de combustíveis do Estado decidiu firmar um acordo com a empresa para ajudar os filiados a implementá-lo. Para Cintra, o governo Alckmin é o responsável pela lentidão da população em adotar medidas de redução de consumo. “Todos foram iludidos pelo governo estadual, que se comprometeu a não [deixar] faltar água e ficou rezando para São Pedro sem ter um plano B”, afirma o empresário. “Houve uma corrida recente [em busca de soluções de economia] porque todo mundo acreditou no que se falava. O governo estadual foi inapto, não foi honesto e sincero, não foi profissional”, conclui. *com Vitor Sorano, iG São PauloEscolas fechadas, caminhões-pipa e conflitos: como será São Paulo sem água?
Futuro rodízio pode revelar efeitos permanentes da crise hídrica na capital e região metropolitana. Sem orientações do governo, população não sabe combater a falta de água
POR GABRIEL KOGAN
1- “Não choveu e por isso está faltando água”. Essa conclusão é cientificamente problemática. Existem períodos chuvosos e de estiagem, descritos estatisticamente. É natural que isso ocorra. A base de dados de São Paulo possibilita análises precisas desde o século XIX e projeções anteriores a partir de cálculos matemáticos. Um sistema de abastecimento eficiente precisa ser projetado seguindo essas previsões (ex: estiagens que ocorram a cada cem anos).
2- “É por causa do aquecimento global”. Existem poucos estudos verdadeiramente confiáveis em São Paulo. De qualquer forma, o problema aqui parece ser de escala de grandeza. A não ser que estejamos realmente vivendo uma catástrofe global repentina (que não parece ser o caso esse ano), a mudança nos padrões de chuva não atingem porcentagens tão grandes capazes de secar vários reservatórios de um ano para o outro. Mais estudadas são as mudanças climáticas locais por causa de ocupação urbana desordenada. Isso é concreto e pode trazer mudanças radicais. Aqui o problema é outro: as represas do sistema Cantareira estão longe demais do núcleo urbano adensado de SP para sentir efeitos como de ilha de calor. A escala do território é muito maior.
3- “Não choveu nas Represas”. Isso é uma simplificação grosseira. O volume do reservatório depende de vários fluxos, incluindo a chuva sobre o espelho d’água das represas. A chuva em regiões de cabeceira, por exemplo, pode recarregar o lençol freático e assim aumentar o volume de água dos rios. O processo é muito mais complexo.
4- “As próximas chuvas farão que o sistema volte ao normal”. Isso já é mais difícil de prever, mas tudo indica que a recuperação pode levar décadas. Como sabemos, quando o fundo do lago fica exposto (e seco), ele se torna permeável. Assim a água que voltar atingir esses lugares percola (infiltra) para o lençol freático, antes de criar uma camada impermeável. Se eu fosse usar minha intuição e conhecimento, diria que São Paulo tem duas opções a curto-médio prazo: (a) usar fontes alternativas de abastecimento antes que possa voltar a contar com as represas; (b) ter uma redução drástica em sua economia para que haja diminuição de consumo (há relação direta entre movimento econômico e consumo de água).
5- “Não existe outras fontes de abastecimento que não as represas atuais”. Essa afirmação é duplamente mentirosa. Primeiro porque sempre se pode construir represas em lugares mais e mais distantes (sobretudo em um país com esse recurso abundante como o Brasil) e transportar a água por bombeamento. O problema parece ser de ordem econômica já como o custo da água bombeada de longe sairia muito caro. Outra mentira é que não podemos usar água subterrânea. Não consigo entender o impedimento técnico disso. O Estado de São Paulo tem ampla reserva de água subterrânea (como o chamado aquífero Guarani), de onde é possível tirar água, sobretudo em momentos de crise. Novamente, o problema é custo de trazer essa água de longe que afetaria os lucros da Sabesp.
6- “O aquífero Guaraní é um reservatório subterrâneo”. A ideia de que o aquífero é um bolsão d’água, como um vazio preenchido pelo líquido, é ridiculamente equivocada. Não existe bolsão, em nenhum lugar no mundo. O aquífero é simplesmente água subterrânea diluída no solo. O aquífero Guaraní, nem é mesmo um só, mas descontínuo. Como uma camada profunda do lençol freático. Em todo caso, países como a Holanda acham o uso dessas águas tão bom que parte da produção superficial (reservatórios etc) é reinserida no solo e retirada novamente (!). Isso porque as propriedades químicas do líquido são, potencialmente, excelentes.
7- “Precisamos economizar água”. Outra simplificação. Os grandes consumidores (indústrias ou grandes estabelecimentos, por exemplo) e a perda de água por falta de manutenção do sistema representam os maiores gastos. Infelizmente os números oficiais parecem camuflados. A seguinte conta nunca fecha: consumo total = esgoto total + perda + água gasta em irrigação. Estima-se que as perdas estejam entre 30% e 40%. Ou seja, essa quantidade vaza na tubulação antes de atingir os consumidores. Água tratada e perdida. Para usar novamente o exemplo Holandês (que estudei), lá essas perdas são virtualmente 0%. Os índices elevados não são normais e são resultados de décadas de maximização de lucros da Sabesp ao custo de uma manutenção precária da rede.
8- “Não há racionamento”. O governo está fazendo a mídia e a população de boba. Em lugares pobres o racionamento já acontece há meses, dia sim, dia não (ou mesmo todo dia). É interessante notar que, historicamente, as populações pobres são as que sempre sentem mais esses efeitos (cito, por exemplo, as constantes interrupções no fornecimento de água no começo do século XX nos bairros operários das várzeas, como o Pari). A história se repete.
9- “É necessário implantar o racionamento”. Essa afirmação é bem perigosa porque coloca vidas em risco. Já como praticamente todas as construções na cidade têm grandes caixas d’água, o racionamento apenas ataca o problema das perdas da rede (vazamentos). É tudo que a Sabesp quer: em momentos de crise fazer racionamento e reduzir as perdas; sem diminuição de consumo, sem aumentar o controle de vazamentos. O custo disso? A saúde pública. A mesma trinca por onde a água vaza, se não houver pressão dentro do cano, se transformará em um ponto de entrada de poluentes do lençol freático nojento da cidade. Estaremos bebendo, sem saber água poluída, porque a poluição entrou pela rede urbana. Por isso que agências de saúde internacionais exigem pressão mínima dentro dos canos de abastecimento.
10- “Precisamos confiar na Sabesp nesse momento”. A Sabesp é gerida para maximizar lucros dos acionistas. Não está preocupada, em essência, em entregar um serviço de qualidade (exemplos são vários: a negligência no saneamento que polui o Rio Tietê, o uso de tecnologia obsoleta de tratamento de água com doses cavalares de cloro e, além, da crise no abastecimento decorrente dos pequenos investimentos no aumento do sistema de captação). A Sabesp é apenas herdeira de um sistema que já teve várias outras concessionárias: Cantareira Águas e Esgotos, RAE, SAEC etc. A empresa tem hoje uma concessão de abastecimento e saneamento. Acredito que é o momento de discutir a cassação dessa outorga, uma vez que as obrigações não foram cumpridas. Além, é claro, de uma nova administração no Governo do Estado, ao menos preocupada em entregar serviços público e não lucros para meia dúzia apenas.
Enfim, se eu pudesse resumir minhas conclusões: a crise no abastecimento não é natural, mas sim resultado de uma gestão voltada para a maximização de lucros da concessionária e de um Governo incompetente. Simples assim, ou talvez, infelizmente, nem tanto.
Fonte: Portal Vermelho e IG
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