Por que mulheres raptadas pelo Boko Haram estão voltando para o grupo

Mercado de rua em Maiduguri: Condições econômicas ruins em algumas regiões da Nigéria fazem com que mulheres voltem para o Boko Haram© AFP Condições econômicas ruins em algumas regiões da Nigéria fazem com que mulheres voltem para o Boko Haram

O mundo recebeu de forma incrédula a notícia de que algumas das “Meninas de Chibok”, um grupo de 276 estudantes sequestradas por militantes do grupo extremista muçulmano Boko Haram – se recusaram a voltar para casa após serem libertadas.

A divulgação de um vídeo mostrando algumas das meninas usando véus muçulmanos e rifles Kalashnikov em punho dizendo-se felizes com a nova vida, deu margem a alegações de que elas tinham sido coagidas a dar o depoimento ou mesmo desenvolvido Síndrome de Estocolmo (empatia de cativos por captores).

O que mais poderia explicar a razão para qualquer mulher ou menina optar por permanecer com um grupo de extremistas, cujas atrocidades podem ter matado mais de 100 mil pessoas na Nigéria em apenas oito anos?

Conto de fadas

Em janeiro, a jornalista africana Adaobi Tricia Nwaubani conheceu Aisha Yerima, de 25 anos, que foi sequestrada pelo Boko Haram há mais de quatro anos. No cativeiro, ela se casou com um comandante que a mimou com romance, presentes caros e canções românticas árabes.

A vida de conto de fadas descrita por ela foi interrompida pela chegada do Exército nigeriano, no início de 2016, quando seu marido estava no front.

Na primeira vez em que Adaobi entrevistou Aisha, ela estava sob custódia das autoridades havia oito meses, tendo passado por um programa de desradicalização do governo.

“Eu sei agora que o Boko Haram me contou mentiras. Quando os ouço no rádio agora, dou risada”, conta a jovem.

Em maio, porém, apenas alguns meses depois de ser devolvida para sua família, na cidade Maiduguri (norte do país), ela resolveu voltar ao esconderijo do Boko Haram, na Floresta de Sambisa.

A psicóloga Fatima Akilu é a fundadora do programa de desradicalização da Nigéria. Nos últimos cinco anos, ela trabalhou com ex-integrantes do Boko Haram – incluindo alguns líderes, suas esposas e crianças – além de centenas de mulheres resgatadas.

“O tratamento que as mulheres recebem em cativeiro depende do campo em que estiveram. Depende de quem comandava o campo”, ela explica.

Readaptação

“As mulheres que receberam melhor tratamento foram aquelas que se casaram com integrantes do Boko Haram ou que se juntaram ao grupo voluntariamente. Mas essa não é a maioria dos casos. A maioria das mulheres não recebeu o mesmo tratamento”.

Aisha, por exemplo, gabava-se dos escravos que tinha em Sambisa, do respeito que recebia de outros líderes do Boko Haram, e da influência que tinha sobre o marido. Ela conta até tê-lo acompanhado em batalha um vez.

“São mulheres que em sua maioria nunca trabalharam ou tiveram voz em suas comunidades. De repente, estão no comando de dezenas de mulheres, sempre à disposição”, conta a psicóloga.

Meninas de Chibok encontram com famílias, em maio de 2017: Meninas de Chibok foram sequestradas em 2014© Reuters Meninas de Chibok foram sequestradas em 2014

“Quando retornam para a sociedade, grande parte dessas mulheres não terá esse poder novamente”.

Choque

Além da perda de poder, Fatima acredita que as mulheres que retornam ao Boko Haram temem ser estigmatizadas e tratadas como párias por causa da associação com o grupo. E também pelos rigores econômicos na Nigéria.

“A desradicalização é apenas uma parte. Há ainda o processo de reintegração. Algumas dessas mulheres não têm como se sustentar”, explica a psicóloga.

“É comum elas saírem de programas bem-sucedidos de desradicalização mas terem problemas de adaptação. E esses problemas as fazem retornar (ao Boko Haram)”.

A família de Aisha ainda está chocada com a decisão da jovem. Isso apesar de a mãe, Asha, conhecer pelo menos outras sete mulheres, todas amigas da filha, que também voltado à Sambisa.

“Todas as vezes em que alguma delas desaparecia, os parentes vinham até nossa casa perguntar se elas haviam se comunicado com Aisha”, conta.

Algumas das mulheres mantiveram contato com Aisha depois de voltar para o Boko Haram. A irmã mais nova, Bintu, testemunhou pelo menos duas conversas.

“Elas falaram para Aisha se juntar a elas, mas minha irmã se recusou, dizendo que não queria voltar.”

Vida normal

Ao contrário de outras esposas do Boko Haram, Aisha parecia estar levando uma vida normal. Ganhava a vida comercializando tecidos, frequentava eventos e postava fotos nas mídias sociais. E, segundo a família, tinha uma fila de pretendentes.

“Pelo menos cinco homens queriam se casar com ela”, explica a mãe, para quem não poderia haver forma melhor de aceitação da sociedade e de evidência que a filha não enfrentava discriminação.

“Um dos homens vive em Lagos (capital da Nigéria). Ela estava pensando em casar com ele”.

Tudo mudou, no entanto, quando Aisha recebeu uma ligação de uma mulher em Sambisa, informando que seu marido do Boko Haram tinha se juntado com uma rival da jovem.

A partir daquele dia, Aisha virou uma reclusa.

“Ela parou de sair, falar ou comer. Estava sempre triste”, diz Bintu.

Duas semanas mais tarde, ela saiu de casa e não voltou. Algumas de suas roupas tinham sumido e seus telefones estavam desligados. Aisha levou com ela o menino de dois anos oriundo do relacionamento com o líder do Boko Haram. Deixou para trás o menino mais velho que teve com o ex-marido, de quem se divorciara antes de ser raptada.

“A desradicalização é complicada pelo fato de que temos uma insurgência em andamento. Nos casos em que um grupo chegou a um acordo com o governo e entregou as armas, é mais fácil”, diz Fatima.

“Mas quando há pais, maridos e filhos participando do movimento, as pessoas querem se juntar a eles. Especialmente mulheres”.

Asta, outra “ex-esposa” do Boko Haram, conta que ouviu falar de diversas mulheres voltando para o grupo, mas que ela não tem planos de fazê-la. No entanto, a jovem de 19 anos admite que sentes saudades do companheiro e que gostaria de voltar a viver com ele. Mas não em Sambisa.

Operação militar na Floresta de Sambisa: Insurreição do Boko Haram teve início em 2009© EPA Insurreição do Boko Haram teve início em 20

“Direi a ele para vir ficar conosco aqui e viver uma vida normal.”

Só que, assim como aconteceu como Aisha, o desejo de estar com o homem que ama pode falar mais alto que sua aversão pelas atividades do grupo.

Uma das meninas sequestradas na Nigéria supostamente pelo grupo islâmico radical Boko Haram que conseguiu escapar denunciou que as reféns mais jovens são vítimas de até 15 estupros por dia, segundo o portal local “The trent”.

A menor, uma das dezenas de meninas que foram raptadas em 14 de abril em uma escola de Chibok, no nordeste da Nigéria, afirmou que devido a sua virgindade ela foi entregue como esposa a um dos líderes da seita.

Segundo seu depoimento, os sequestradores obrigaram as meninas a se converterem ao islamismo e ameaçavam degolá-las se negassem fazer sexo ou não seguissem suas instruções.

Após serem sequestradas no colégio, as crianças (dezenas das quais seguem em cativeiro) foram levadas a um campo da milícia fundamentalista na floresta de Sambisa, no estado de Borno, no norte do país e base espiritual e de operações do grupo.

De acordo com organizações de direitos humanos, as menores foram obrigadas a se casar e, em alguns casos, os sequestradores as venderam como esposas por duas mil nairas cada uma (pouco menos de R$ 30).

Entidades como a ONU e personalidades como o prêmio Nobel de Literatura nigeriano Wole Soyinka pediram a libertação das meninas, assim como campanhas pela internet e manifestações em cidades de todo o mundo.

Um grupo de mães das reféns protestou recentemente em frente à Assembleia Nacional da Nigéria para denunciar a falta de informação por parte do governo sobre o caso e exigir mais esforços para o resgate.

O número de menores sequestradas não foi esclarecido. Em um primeiro contato, a polícia informou que 200 meninas tinham sido raptadas, mas depois o exército diminuiu este número para 129. Já os pais das crianças afirmam que 234 estudantes foram feitas reféns.

Além disso, existe confusão sobre o número de meninas libertadas até o momento.

As autoridades suspeitam que o sequestro foi praticado pelo Boko Haram, nome que em língua local significa “a educação não islâmica é pecado”.

A milícia radical luta para instaurar a lei islâmica (sharia) no norte da Nigéria, de maioria muçulmana, enquanto o sul do país é predominantemente cristão.

Desde que a polícia matou em 2009 o líder do Boko Haram, Mohamed Yusuf, os radicais mantém uma sangrenta campanha que já deixou mais de três mil mortos.

Com 170 milhões de habitantes distribuídos em mais de 200 grupos tribais, a Nigéria, o país mais populoso da África, sofre múltiplas tensões por suas profundas diferenças políticas, religiosas e territoriais.

Os Estados Unidos disseram  que ofereceram ajuda à Nigéria em sua busca por cerca de 200 meninas sequestradas por militantes islâmicos em uma escola no nordeste do país, situado no oeste da África.

“Estamos envolvidos em conversas com o governo nigeriano sobre o que poderíamos fazer para ajudar em seus esforços para encontrar e libertar essas jovens mulheres”, disse a porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf, no contato diário com a imprensa.

“Nós vamos continuar a ter essas conversas e ajudar de qualquer modo que pudermos.”

Homens armados suspeitos de serem do movimento islâmico radical Boko Haram invadiram em 14 de abril uma escola secundária de meninas na aldeia de Chibok, no Estado de Borno, colocaram as adolescentes em caminhões e desapareceram em direção a uma área remota na fronteira com o Camarões.

O sequestro ocorreu no mesmo dia em que a explosão de uma bomba, também atribuída ao Boko Haram, matou 75 pessoas na periferia da capital, Abuja, no primeiro ataque contra a capital em dois anos.

Mas a brutalidade da ação na escola chocou os nigerianos, já acostumados há muito tempo a ouvir falar de atrocidades relacionadas a insurgência islamista que dura cinco anos e está cada vez mais sangrenta. O Boko Haram é agora visto como a principal ameaça de segurança à Nigéria, principal produtor energia da África.

Marie não entrou em detalhes sobre o tipo de assistência que Washington está oferecendo, mas disse: “Nós sabemos que o Boko Haram está ativo na área e temos trabalhado em estreita colaboração com o governo nigeriano para a capacitação na luta contra essa ameaça.”

Separadamente, um grupo de senadores norte-americanos apresentou uma resolução condenando o sequestro e pedindo ajuda do governo dos EUA no esforço de resgate.

“Os EUA e a comunidade internacional devem trabalhar com o governo nigeriano para garantir que essas meninas voltem a suas casas e aprofundar os esforços para combater a crescente ameaça representada pelo Boko Haram”, disse o senador Chris Coons, de Delaware, presidente do Subcomitê de Assuntos Africanos no Senado, e um dos seis patrocinadores da resolução.

Fonte: Yahoo

Exército nigeriano liberta 195 reféns do Boko Haram

Forças Armadas têm apertado cerco contra terroristas no Nordeste do país

Crianças deslocadas pelo Boko Haram após ataques em suas vilas participam de aulas em um campo de Maiduguri, na Nigéria – Sunday Alamba / AP/7-12-2015

O Exército nigeriano anunciou nesta quinta-feira ter libertado 195 reféns do Boko Haram durante operações militares contra o grupo radical islâmico em várias aldeias no Nordeste do país. Vários terroristas também foram mortos, anunciou o coronel Sani Usman, porta-voz das Forças Armadas.

Segundo o Exército, a contraofensiva em várias aldeias no estado de Borno ocupadas pelo Boko Haram resultou no encontro de, além dos 195 reféns, gado, dois caminhões, 180 motocicletas e 750 motocicletas — usadas nos ataques a bomba e em incursões armadas.

Após operações militares na floresta de Sambisa, um dos redutos históricos do grupo em Borno, muitos campos foram desmantelados e centenas de reféns já foram resgatados. O Exército camaronês afirmou ter realizado nesta semana uma operação semelhante, com sucesso.

Na Nigéria, o país mais populoso da África — com 170 milhões de habitantes —, a insurgência do Boko Haram, que se afiliou ao Estado Islâmico, custou mais de 17 mil vidas em seis anos.

Fonte: O Globo e MSN