Entre os grupos civis que têm se destacado na onda de
manifestações populares, a seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB-RJ) chamou a atenção por ter prestado auxílio jurídico a manifestantes
detidos durante os protestos no Rio.

A entidade tem participado de reuniões e audiências públicas sobre a atuação
da polícia nas manifestações e chegou a ser criticada pela PM via Twitter, por
supostamente “atrapalhar” a atuação dos policiais – algo que a entidade
nega.

Presidente da OAB-RJ desde janeiro deste ano, Felipe Santa Cruz conta em
entrevista à BBC Brasil como os advogados da entidade têm se organizado,
voluntariamente, para “defender o direito das pessoas de se manifestar”. Alguns
agem como observadores nos protestos e outros chegam a dar plantão em
delegacias.

Segundo a entidade, 400 manifestantes foram auxiliados no Rio nos últimos
meses.

Santa Cruz diz que a entidade identificou abusos tanto da polícia, por “falta
de preparo”, como de alguns manifestantes que, segundo ele, “descaracterizam os
protestos” com atitudes “fascistas”.

No que diz respeito à atuação policial, o secretário de segurança do Rio,
José Mariano Beltrame, disse, em entrevista recente à TV Globo, que estão sendo
preparadas mudanças na capacitação policial. Na última quarta-feira, ele disse
que será buscada “uma estratégia nova para combater o novo”.

E o comandante da PM, Erir Ribeiro Costa Filho, afirmou em meados de julho
que abusos seriam apurados pela Corregedoria e que o uso de bombas de gás em
manifestações deve passar a ser mais restrito.

Leia, a seguir, a entrevista de Santa Cruz à BBC Brasil:

BBC Brasil – Que papel a OAB-RJ quer assumir na atual onda de
manifestações no Rio?

Felipe Santa Cruz – Não pretendemos assumir um papel de
protagonismo. O que aconteceu é que nós, como qualquer brasileiro, fomos pegos
de surpresa pelas manifestações, pelas pessoas na rua, e em um primeiro momento
nos pareceu natural defender o direito das pessoas de se manifestar.

Depois disso, por conta, a meu ver, de uma certa perplexidade das
autoridades, a Ordem passou a fazer um papel de crítica à atuação policial. Isso
acabou gerando um movimento voluntário de mais de cem advogados.

Mas não tentamos criminalizar a polícia ou transformar isso em uma bandeira
contra o governo.

BBC Brasil – Como vocês se organizam na prática?

Santa Cruz – Parece muito com as manifestações: foi sendo
feito espontaneamente. As comissões da Ordem foram encontrando nas ruas
advogados, jovens ou não, muitos criminalistas, que também estavam se
organizando para acompanhar as manifestações.

A ordem apenas estendeu a eles seu manto de proteção institucional. Nosso
papel foi mais de coordenação, criando carteiras com o símbolo da ordem,
aconselhando-os no dia a dia.

Mas o trabalho foi dos advogados, que criaram sistemas pelo Facebook e
plantões voluntários nas delegacias. O grupo se organizou no perfil Habeas
Corpus, e a ordem prestou apoio institucional.

Nosso atendimento é emergencial e a todos, defendendo o direito à
manifestação. Mesmo uma pessoa que tenha participado de um ato de vandalismo –
ela recebe nossa reprimenda politicamente, mas também tem seus direitos humanos
ao ser presa, saber a qual crime vai responder.

Felipe Santa Cruz, em foto de arquivoFelipe Santa Cruz diz ter recebido críticas dos dois lados –
polícia e sociedade civil

No momento em que ela passa a responder pelo crime, não prestamos mais
assistência. Cabe a ela procurar seu próprio advogado ou defensoria pública. Não
caberia à Ordem fazer isso.

Mas sendo franco, temos preocupação com a descaracterização das
manifestações. Nossa posição é em defesa da tolerância, da paz.

Qualquer discussão sobre liberdade de manifestação e direitos humanos no
Brasil acaba sendo caracterizada como uma posição equivocada. A opinião pública
brasileira às vezes reage violentamente a isso.

BBC Brasil – O sr. se refere a críticas por defender pessoas que
estejam perturbando a ordem?

Santa Cruz – Defendemos que a polícia atue de forma técnica,
prenda quem tem que prender. O problema é que, no Brasil, é muito 8 ou 80. Ou
dizem que a polícia pode bater e atirar, ou dizem que ela não pode fazer nada.

É uma posição sempre muito radicalizada, e isso tem sido uma dificuldade. Não
temos qualquer compromisso com esse aspecto mais violento das manifestações,
muito pelo contrário.

BBC Brasil – Isso preocupou vocês?

Santa Cruz – Preocupa. Porque acho que é um momento novo
para o país, há avanços inegáveis no país – qualquer pessoa com mais de 20 anos
sabe disso.

A preocupação é em defender as instituições, em falar à juventude como o país
já foi pior do que é hoje, como se incluiu grande parcela da sociedade no
mercado de consumo. Temos uma preocupação para que não se confunda o momento
atual com um momento de crise aguda que não existe. O país está funcionando, a
Justiça está funcionando, há liberdade de imprensa.

BBC Brasil – Ouvimos histórias de advogados que, mesmo sem ser
criminalistas, participaram dessa iniciativa atual.

Santa Cruz – (O movimento) juntou velhos advogados, que
tinham participado na época da ditadura, com uma juventude que queria fazer
parte dos eventos – acabaram sendo importante para denunciar uma falta de
qualidade técnica da polícia.

Um episódio marcante foi quando, após um grande protesto de junho, a polícia
do Rio prendeu mendigos e uma pessoa de cadeira de rodas, e manifestantes e
advogados se cotizaram para pagar a fiança dessas pessoas.

A principal (orientação aos advogados) era que não se deixassem levar pelo
radicalismo. Eles não eram manifestantes. A Ordem não foi manifestante em
momento nenhum, foi prestar auxílio aos manifestantes.

Quando essa guerra de informações foi ficando mais tensa, e surgiram boatos
de que havia gente infiltrada usando broches da ordem sem ser advogado, criamos
sistemas de segurança e carteiras pros advogados.

BBC Brasil – Vocês testemunharam abusos?

Santa Cruz – O que vimos foi a falta de preparo de
procedimento da polícia – não há um manual claro de como agir em determinadas
situações. Então acabam agindo ao sabor dos acontecimentos e da percepção de
determinados PMs que não têm formação para aquilo, que têm uma dificuldade até
natural para lidar com os acontecimentos dos últimos meses. (*)

Presenciamos desequilíbrio, uma polícia tensionada e com um efetivo pequeno –
que, depois de vários dias na rua, começou a ficar desgastada e cansada.

Alguns manifestantes, animados pela repercussão, passaram a ter condutas
perigosas, provocativas e até violentas. Isso levou a uma caminhada de
insensatez, que espero que tenha se encerrado.

Algumas faces desse movimento têm um caráter extremamente fascista e de
radicalização, ao qual uma polícia despreparada muitas vezes não sabia
reagir.

BBC Brasil – Viram excessos dos dois lados?

Santa Cruz – Tinha. Quando as passeatas começaram a
diminuir, (muitos dos grupos que ficaram) tinham claros traços de fascismo, de
não aceitar as instituições, os partidos, os sindicatos, os jornalistas, de não
aceitar tudo o que a cultura democrática construiu. É uma minoria, mas (ante)
uma polícia despreparada para lidar com isso, que não sabe que hora pode ser
mais dura, acabou gerando uma série de problemas.

Mas a Ordem não quer fazer disso uma batalha com a PM. O objetivo é preservar
o direito de manifestação, ainda que em alguns casos eu não concorde com o que
foi dito nas ruas.

BBC Brasil – Houve até discussões da OAB-RJ com a PM via Twitter (a
corporação acusou a Ordem de “atrapalhar” seu trabalho).

Santa Cruz – Isso foi mais uma prova de que a PM não está
preparada. A polícia é uma autoridade pública, não tem que ficar fazendo teoria
com o que está acontecendo, tem que saber agir. Nós apenas respondemos aos
relações públicas deles. Tentar botar a culpa na Ordem dos Advogados é (adotar)
aquela posição anos 1970, de “direitos humanos ou não”.

A própria polícia tem falado para o mundo inteiro nos últimos anos que é uma
nova polícia, com seu trabalho em cima das UPPs, da cidadania. Nós só queremos
preservar isso.

BBC Brasil – Que tipo de reação vocês têm recebido da
sociedade?

Santa Cruz – É difícil. Tem sido sofrido. Manter uma posição
de tolerância é duro. Fui muito criticado quando chamei setores desse movimento
de fascista e da mesma forma fui muito criticado por “defender direitos humanos
de bandidos”.

Mas sabemos que, em qualquer sociedade civilizada, não é uma coisa nem outra.
Aqueles que cometerem crimes vão responder dentro da lei e de um marco de
direitos humanos, e os demais terão seu direito à livre manifestação, que é
básico em uma democracia. Adotamos uma posição legalista, sabendo que isso gera
desgaste. O fato de haver críticas dos dois lados mostra que agimos
corretamente.

BBC Brasil – Há um realinhamento da OAB-RJ perante a sociedade
civil?

Santa Cruz – A Ordem tenta ser porta-voz da sociedade civil,
o que nem sempre é fácil. A sociedade organizada pensa muitas coisas. Acho que
um caminho, hoje, é ampliar o número de pessoas (participando), aceitar as
diferenças, fazer uma entidade mais ampla.

O maior papel que a Ordem tem hoje é o da defesa da democracia. O Brasil é
melhor hoje, então temos que melhorar a democracia.

BBC Brasil – Quanto à comissão de investigação de atos de vandalismo,
criada pelo governo do Rio e criticada por vocês como inconstitucional. Depois
que o governador Sérgio Cabral recuou em quebrar o sigilo telefônico e de
internet de manifestantes, o que opinam?

Santa Cruz – Eu entendo que estamos todos aprendendo a
proceder (diante dos protestos). Louvo que o governador tenha feito mudanças na
primeira redação e acho que isso vai se aprimorar.

Mas acho que o momento não é de se criarem comissões de repressão ou
investigação, mas de uma grande discussão sobre os procedimentos policiais no
Brasil – como proceder ao invadir uma determinada comunidade? Em que momento a
PM deve gravar a operação? Como proceder em uma manifestação de rua? São esses
os procedimentos que a polícia deve desenvolver agora.

(*) A BBC Brasil questionou a Secretaria Estadual de Segurança do Rio a
respeito das críticas de Santa Cruz, mas não recebeu resposta até a publicação
desta en

Após protestos, RJ cancela demolição do Estádio Célio de Barros

 

Depois das diversas manifestações para a preservação do Estádio de Atletismo Célio de Barros, no complexo esportivo do Maracanã, o governo do Rio de Janeiro confirmou que a demolição do local foi cancelada. O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira pelo governador Sérgio Cabral, após uma reunião realizada no Palácio Guanabara. 

Além de Cabral, também participaram da reunião o prefeito Eduardo Paes, André Lazaroni (secretário de Estado de Esporte e Lazer), Carlos Alberto Lancetta (presidente da Federação de Atletismo do Rio de Janeiro) e representantes do consórcio administrador do local.

 

A medida mostra que as manifestações nos últimos meses deram resultado, já que, nesta semana, o governador já havia anunciado que o parque Aquático Júlio Delamare também será mantido. Antes dessas decisões, os locais seriam demolidos para a construção de dois edifícios que serviriam de estacionamento, além de restaurantes, bares e lojas.

 

Além do cancelamento da demolição, Cabral afirmou que o Célio de Barros passará por reformas antes de ser reaberto para o treinamento dos atletas. “O Júlio Delamare está pronto. Como o Célio de Barros precisa de obras, deve demorar um pouco mais para reabrir”.

 

O Complexo Maracanã S.A, que administra o estádio, já foi informado sobre a decisão, mas o futuro da concessão do local segue indefinido por causa da mudança no projeto de negócios.