“Quando encarnada, chamei-me Natacha Alexandrovina. Fui russa, natural da cidade de Kiev, na Rússia czarista.

      Kiev era então uma cidade da nobreza. Meu pai, agraciado com o título de nobre, desempenhava importantes funções no governo do Império.

      Tive uma infância e uma adolescência das mais luxuososas. Cursei as melhores escolas do meu tempo, o que me valeu esmerada educação.

      Embora disputada por rapazes de minha condição, não me casei.

      Posto que participasse  dos espledorosos saraus e festas, nos quais, ao lado de outras jovens, eu brilhava, desenvolvia dentro de mim um sentimento de solidão.

      Em 1917, veio a revolução Russa. O cenário de minha vida mudou. Às pressas, para não ser apanhado pelos revolucionários, meu pai arrebanhou  o que podia de sua fortuna e emigramos para o Brasil. Aqui chegando fomos morar no Rio de Janeiro; e vivíamos do que trouxéramos da Rússia.

      O sentimento de solidão que eu estúpidamente alimentava, ante todos esses acontecimentos, mais se acentuou. Evitei amizades, e comecei a sentir-me velha. Eu era nesse tempo uma mulher plena; a velhice ainda estava longe de mim; mas eu a atraia naturalmente com meus pensamentos negativos; era um envelhecimento mental, uma idéia fixa como a da solidão. Não demorou muito e o espelho mostrou-me sinais de velhice.  Tanto é verdade que o corpo reflete e grava o estado do Espírito.

      Meus pais faleceram. Mudei-me para São Paulo. Com o pouco que me deixaram, o suficiente para eu viver modestamente, entreguei-me ao luxo e caí na miséria. Como eu nunca fizera nada na vida, julgava-me incapaz de trabalhar. E a velhice do corpo chegou, a velhice verdadeira. Pus-me a mendigar de porta em porta para não morrer de fome; morava num quartinho no Bom Retiro. Eu possuia capacidade e instrução para lutar, para remar contra a maré que me apanhara, mas não fiz o menor esforço para isso; simplesmente me deixei arrastar como um pau seco ao sabor das ondas.

      Sempre me queixei de tudo e de todos, principalmente do meu destino, sem perceber (ou não querendo entender) que fora eu mesma que o construira.

      Sentia um prazer doentio em ser uma velha solitária. Na verdade, eu envelhecera pelo pensamento. A solidão fora minha idéia fixa, acompanhada depois pela velhice que me tornou uma ruína humana.

      Uma tardinha, cansada de ter passado o dia atrás dos meus níqueis, sentei-me embaixo do viaduto Santa Efigênia, e ali desencarnei. Na manhã seguinte, o rabecão levou meu corpo para o necrotério.

     Desencarnada, Espíritos da mesma categoria que eu levaram-me para o unbral inferior, onde integrei falanges de Espíritos solitários. E comprazia-me cultivar na mente de criaturas encarnadas as idéias que me levaram à falência material e espiritual. Até que um dia, enojada daquela vida, minhas lágrimas de arrependimento atraíram uma corrente espiritual socorrista que me libertou.

     Hoje estou filhada a esse mesmo grupo, cuja tarefa é semear nas mentes encarnadas idéias de entusiasmo, de otimismo, de gosto pela luta, pelo trabalho, pelo estudo, pela amizade, pelo equilibrio em tudo, retirando das mentes toda e qualquer idéia fixa, toda e qualquer idéia negativista, e induzindo-as a nunca se queixarem, mas trabalharem para melhorar material, moral  espiritualmente.

      E, para finalizar, digo-lhes: Vocês notaram que fui uma auto-obsediada; viram como se cria uma auto-obsessão. Nossa maneira de pensar, de sentir, de agir, reflete-se em nosso corpo físico, retrato de nossa alma. Cultivem incessantemente a jovialidade, sejam sempre jovens, pensando jovialmente, semeando a alegria por onde passarem, e a velhice pouco poderá contra vocês.”

Ass. Natacha Alexandrovina: Livro “Vidas de Outrora”. Ed. Pensamento. Eliseu Rigonatti