Justiça reage a pedidos infundados

Os juízes estão dando respostas duras a pedidos de danos morais considerados sem
fundamento, numa tentativa de conter a avalanche de ações que toma conta de seus gabinetes.

Recentemente, o magistrado Luiz Gustavo Giuntini de Rezende, do Juizado Especial Cível e

Criminal de Pedregulho (SP), desabafou em sua decisão sobre um caso envolvendo um cliente

do Banco do Brasil que foi impedido de entrar em uma agência bancária pelo travamento da

porta giratória. “O autor não tem condição de viver em sociedade. Está com a sensibilidade

exagerada. Deveria se enclausurar em casa ou em uma redoma de vidro, posto que viver sem

alguns aborrecimentos é algo impossível”, diz o juiz na sentença.

O número de processos com pedidos de danos morais vem crescendo ano a ano. Levantamento

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), feito a pedido do Valor, mostra um aumento de

3.607% na distribuição de ações na comparação entre 2005 e 2010 – de 8.168 para 302.847.

Com isso, acabam subindo mais recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2000, foram

autuados 1.421. No ano passado, 10.018. “Esse aumento é reflexo do amadurecimento da

sociedade brasileira, cada vez mais consciente dos seus direitos e da necessidade de vê-los

reconhecidos. Nesse processo, é natural que alguns se excedam, sobretudo até que se

estabeleçam os limites do que é razoável ser indenizado”, afirma a ministra Nancy Andrighi, do

STJ. “Cabe ao Poder Judiciário, através de suas decisões, fixar esses limites, rejeitando pedidos

exagerados.”

Em Pedregulho, o juiz Luiz Gustavo Giuntini de Rezende considerou o pedido exagerado e foi

direto ao ponto. Nas primeiras linhas da decisão afirma que “o autor quer dinheiro fácil”. Para

ele, o simples fato dele ter sido barrado na agência bancária não configuraria dano moral.

Segundo o magistrado, em nenhum momento o consumidor disse que foi ofendido, “chamado de

ladrão ou qualquer coisa que o valha”. “O que o ofendeu foi o simples fato de ter sido barrado –

ainda que por quatro vezes – na porta giratória que visa dar segurança a todos os consumidores

da agência bancária”, diz o juiz, acrescentando que o autor precisa “aprender o que é um

verdadeiro sofrimento, uma dor de verdade”. E vai mais além: “Quanto ao dinheiro, que siga a

velha e tradicional fórmula do trabalho para consegui-lo.” O autor já recorreu da decisão.

Discussões familiares também acabam chegando às mãos dos juízes. Recentemente, a 2ª

Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) analisou o recurso de um

homem que ingressou com pedido de danos materiais e morais contra seus cunhados, negado

em primeira instância. Alega que sofreu agressões verbais, “o que teria tornado o convívio

familiar insuportável”. Em seu voto, o relator do caso, desembargador paulista José Carlos

Ferreira Alves, criticou o pedido. “O Poder Judiciário não pode ser acionado com a finalidade de

satisfazer frustrações pessoais ou para promover a vingança”, diz. Para ele, “numa família

numerosa, é comum que haja muita divergência no que diz respeito a visões de mundo e

ânimos, o que pode resultar em incompatibilidade”. Ele acrescenta que “o ordenamento jurídico

sequer impõe aos familiares a obrigação de se amarem”.

A advogada Eliana Elizabeth Barreto Chiarelli Duarte, que defende o autor e fez sustentação oral

no julgamento do recurso, estuda agora a possibilidade de levar o caso ao STJ. Ela alega que,

como a discussão era entre familiares, o dano moral não chegou a ser devidamente analisado.

“Se houvesse um terceiro envolvido, certamente haveria condenação”, diz a advogada. “O juiz

de primeira instância chegou a afirmar que a solução seria não convidar uma das partes para os

eventos familiares. Achei um absurdo ele dizer isso.”

No Rio de Janeiro, o juiz 1ª Vara Cível de Teresópolis, Carlos Artur Basílico, também deu uma

dura resposta a um consumidor que ingressou com pedido de danos materiais e morais contra a

Ampla Energia e Luz. Ele se sentiu prejudicado por ficar vários dias sem luz depois da catástrofe

CLIPPING ELETRÔNICO – AASP Page 1 of 2
http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=10521 26/8/2011

natural em Teresópolis, em janeiro. “Cuida-se da maior catástrofe climática do Brasil, que
destruiu diversos bairros do município de Teresópolis, atingindo gravemente a localidade onde

reside o autor. As fotos trazidas com a contestação falam por si”, afirma o magistrado na

decisão. “O réu trabalhou no limite extremo para restabelecer a energia elétrica em prol de cerca

de 75.000 pessoas que foram atingidas na catástrofe. A energia foi restabelecida em período

razoável, cerca de um mês e meio depois da tragédia, repita-se, inédita.” A Defensoria Pública,

que atua em nome do autor, estuda a possibilidade de recorrer da decisão.

De acordo com o advogado da Ampla, Patrick Ghelfenstein, do escritório Taunay, Sampaio &

Rocha Advogados, a concessionária não poderia ser responsabilizada por um caso fortuito. “A

empresa montou uma operação de guerra para restabelecer a energia. Mas o consumidor não

quis nem saber”, diz o advogado, que acompanha outros pedidos considerados sem fundamento

por juízes. Em um deles, uma consumidora ajuizou pedido de indenização por danos materiais e

morais contra a Barra on Ice Promoções e Eventos. Ela alega que sofreu sérias lesões no punho

do braço direito com uma queda em uma pista de patinação. Em sua decisão, o juiz Sergio

Seabra Varella, da 47ª Cível do Rio, afirma que, ao entrar em uma pista de patinação, a autora

“assumiu o risco de queda”, que é comum e inerente ao esporte. “Evidente que o gelo é

extremamente escorregadio, sendo este o motivo do risco atribuído à prática da patinação, com

os tombos frequentes de conhecimento geral”, diz o magistrado.

O advogado da autora, Romildo Florindo de Lima, informou que vai recorrer da decisão. “Houve

falha na prestação do serviço. A minha cliente só entrou na pista porque deixaram de cumprir o

que foi acordado, ou seja, colocar um instrutor para acompanhar sua filha”, afirma.

Para a advogada Gisele de Lourdes Friso, especializada em direito do consumidor, os

magistrados estão analisando os pedidos com maior rigor. “Estão concedendo indenização onde

de fato existiu um dano moral”, afirma advogada, lembrando que autores de pedidos infundados

correm o risco de serem condenados a pagar despesas processuais e honorários advocatícios.

“Há um certo exagero na tentativa de se conseguir uma indenização. Há casos de meros

aborrecimentos”.

Fonte: Valor Econômico